terça-feira, 7 de setembro de 2010

Comunhão no Amor

trad.: Pe. José Artulino Besen*
A nossa comunhão é com o Pai
e com o seu Filho Jesus Cristo. 1Jo 1,3
II - A Vida no Espírito
A ação espiritual
fundamento de nosso caminho - fundamento que será clarificado tanto para
aqueles que apenas estão no início, quanto para aqueles que já tomaram a
resolução de continuar a caminhada até o final - é a descoberta de um
amor verdadeiro e ardente a Deus, de uma fé livre que não tenha outra
preocupação que somente Deus, de um abandono confiante à vontade de
Deus, de uma disponibilidade constante em renegar-se a si mesmo. Este
fundamento é, na realidade, o conteúdo dos mandamentos de Deus, é o
evangelho transformado em regra de vida.
Esses quatro pontos nada mais são do que condições que necessária e
integralmente devem fazer parte de nossa existência antes de iniciar o
caminho. Contudo, é necessário que nossa alma, de qualquer modo, esteja
aberta a eles e deles provemos o desejo. Em si, porém, este fundamento
não basta para preparar nosso espírito, nem para garantir um caminho
livre de perigos. Alcançar o fim do caminho, atingir o reino de Deus e a
união com Deus, reserva ainda numerosas dificuldades.
Por isso, é oportuno apoiar neste fundamento uma ação que lhe seja
conatural e que se regenere continuamente. Uma ação que se realize no
homem por meio de Deus, uma ação enfrentada através das tentações, as
provas e as muitas dores que interna ou externamente atingem o homem,
uma ação que se complete durante todo o percurso por meio da penitência,
da submissão e do abandono da própria vontade em Deus. Esta ação põe à
prova a força e a solidez do fundamento, delas reforçando a capacidade
de influência e delas ampliando a base. Por acaso podemos esquecer o
modo pelo qual Cristo exprimiu o amor que o fez aceitar os sofrimentos,
e como ele aprendeu a obediência através do sofrimento, obediência até a
morte? Como, ainda uma vez, seu total abandono foi posto à prova quando
exclamou do alto da cruz: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?
(Mc 15,34)? Podemos esquecer o modo como ele exercitou a negação de si
nos sofrimentos voluntários do Getsêmani: Mas não se faça a minha
vontade, e sim a tua (Lc 22,42), até o final do Tudo está consumado (Jo
19,30)?
Vê-se, com clareza que, durante toda a sua vida terrena, Cristo não
procurou assentar-se à direita do poder do Pai, mas sim, dele realizar a
vontade. Por isso, enquanto estamos a caminho, não nos é lícito fixar o
olhar em eventuais favores e dons de Deus, para consegui-los. Nem mesmo
os menores favores devem se tornar objeto de exigência em nossa oração.
O que nos é pedido é fazer com todo o coração a vontade de Deus e fazer
dela a finalidade de nossa ação, com toda submissão e reconhecimento,
quaisquer que sejam as situações que Deus permite e as circunstâncias
que escolhe para nós, confiantes por estarmos sob sua proteção, aconteça
o que acontecer. Sentir uma grande atração pela perfeição cristã: disso
é que precisamos. É a única coisa agradável a Deus, mas deve ser uma
atração conforme ao seu desejo e às modalidades por ele escolhidas.
A perfeição não é o objeto de um desejo projetado num futuro obscuro,
mas uma necessidade do espírito, no exato momento em que se o vive. No
hoje, nós possuímos a nossa vontade, as nossas intenções e podemos
oferecê-las a Deus; já o futuro, é Deus que o possui totalmente: não
dispomos absolutamente dele e por isso nada podemos oferecer-lhe. Quem
acredita poder oferecer seu futuro a Deus é semelhante a quem oferta um
capital fictício. Nada conhecemos do futuro; não entra na esfera de
nosso poder e, espiritualmente, não podemos discerni-lo. O instante que
agora vivemos: eis o que possuímos da existência.
No instante presente tomamos consciência de nós mesmos, podemos
discernir com clareza os nossos defeitos, mas também as potencialidades
não usufruídas. É também no presente que podemos contemplar, com base
naquilo que verdadeiramente há em nós, a vontade de Deus relativa àquilo
que nos é pedido fazer. A perfeição cristã se concretiza em nós, no
hoje, em função da realidade que percebemos: ela, de fato, está em nós
e, se quisermos, podemos vê-la com a mesma clareza com que agora vemos o
céu sobre nós e a terra sob nós... Pelo contrário, se dermos um passo
atrás para examinar nosso passado, encontramo-lo obscurecido e disperso
como por um vento que nos atinge e ultrapassa, sem que possamos segui-lo
ou saber para onde foi. Se fixarmos lá nossa imaginação, afundamos em
nossos pensamentos, vamos ao encontro de nosso fracasso ou, pelo menos,
não alcançamos a perfeição. E se buscamos possuir o futuro, nos
aprisionamos na previsão de pensamentos nebulosos e obscuros que nos
prejudicam a visão e impedem-nos de discernir a perfeição que Deus
deseja para nós.
Assim, nossa única esperança está na realidade colocada diante de nós
com a finalidade de uma ação consciente; de fato, se perdemos em nós a
delicadíssima percepção do presente e por indolência deixamos escapar a
ocasião de agir no momento presente, o único oportuno, é a vida inteira
que foge de nós.
Todavia, as nossas ações, mesmo se encerram amor, fé e negação de si,
abandono à vontade de Deus, de per si não nos levam a um estado de
santidade nem nos predispõem a algum dom e, nem mesmo, podem fazer-nos
entrar num estado de plena segurança e paz.
E então, quem pode nos dar todos esses dons? Deus! O Deus que não cessa
de guiar a alma dócil nos caminhos difíceis e nas provações, de
obscuridade em obscuridade, entre as inquietações provocadas que,
aparentemente, não têm nenhum sentido. De tal modo, fazendo-a enfrentar
a realidade e aceitar provas dolorosas, guia-a e a faz atravessar o
drama do mundo e a hostilidade dos malvados; deste modo, Deus a inicia
naqueles dons que não chamam a atenção e numa vida de grande
espiritualidade.
Os dons de Deus não estão nas mãos dos anjos, nem nas alturas dos céus.
Podemos encontrá-los no confronto diário que a cada dia a carne, o mundo
e os homens nos impõem. Por si só este confronto não atrai o dom de
Deus, mas é por causa de Deus que nos abstemos das culpas da carne e
enfrentamos o mal que há no mundo e no homem.
O dom da lucidez espiritual brota somente das trevas obscuras que o
espírito atravessa na inquietação e no atordoamento das provas, às
voltas com a realidade em que está encoberta a verdade. A alegria
verdadeira e a perseverança fiel têm como fonte escondida aqueles
sofrimentos e dores que o homem instintivamente rejeita. Mas, graças à
paciência, o homem acaba por descobrir que nestas provações havia apenas
uma aparente coerção que mascarava uma verdade clara, firme e
esplendorosa, no espírito de uma alegria divina, não enganadora. O homem
não pode saborear o amor divino na sua graça e imensidão, a não ser
depois que seu espírito passou pela provação da hostilidade, do ódio, da
provocação dos homens.
Mas, sozinha, a obscuridade não produz luz alguma, assim como a
tristeza, sozinha, não traz a alegria, nem ódio produz o amor. Sozinha,
a terra não produz as plantas, pois é necessária a semente, semeada com
atenção e cuidado. Além disso, para germinar, deve-se pôr sob a terra
não uma semente qualquer, mas aquela que contém vida!
De modo análogo, é necessário que o espírito esteja vivo e em estado de
perfeita submissão a Deus, para que a mão misericordiosa o ponha na
terra das provações, com aqueles cuidados e naquele modo exato que o
ajudarão a tirar proveito da obscuridade, da dor, do desprezo e assim
permitir-lhe-á comunicar o movimento de vida eterna, na qual se
manifestam os atributos da eternidade: alegria, amor, paz e
perseverança.
Deste modo, constatamos que, para o homem a caminho, é exigido estar num
estado de vigilância constante nos confrontos de toda a realidade de sua
vida, voltando o olhar atento àquela verdade onipresente que há nele e
que exige ação e fadiga. É pedido ao homem estar pronto para enfrentar
toda circunstância que seja causa de mal-estar e de antagonismo, com uma
atitude positiva que saiba reconhecer os perigos reais e tirar proveito
de tudo aquilo que acontece nele e para ele. É-lhe exigido buscar em
toda atitude a união com Deus, submetendo-lhe inteiramente a vontade.
Sem inquietação ou perturbação, qualquer que seja a situação, e sem
angústia nem hesitação, por mais prolongada que seja a prova. E tudo
isso sem precipitar-se em fazer suposições sobre as causas e sem, nem
mesmo, apressar-se em querer conhecer as conseqüências.
*Publicação em ECCLESIA autorizada pelo Tradutor, Pe. José Artulino
Besen.

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