do Ano Vocacional Carmelitano, da Província Carmelitana de Santo
Elias-Carmelitas. Frei Carlos Mesters é biblista e fundador do Centro de
Estudos Bíblicos - CEBI. Fonte: UNISINOS
A Leitura Orante da Lei do Senhor faz a pessoa crescer e amadurecer,
pois traz consciência crítica frente "aos conselhos dos ímpios", ajuda a
evitar o "caminho dos maus", torna fecunda a vida que, "como árvore,
plantada à beira da água, dará fruto a seu tempo. Sua folhagem não
secará, e terá êxito em todos os seus empreendimentos". Deste modo, se
abre para nós o caminho da felicidade: "Feliz este homem!"
"Meditar dia e noite na Lei do Senhor". Uma prática antiga, sempre nova.
SUBSÍDIO 1 - Leitura Orante da Palavra de Deus
Uma prática antiga, sempre nova.
"A Palavra está perto de ti, em tua boca e em teu coração" (Dt 30,14)
Há pessoas que acham a Bíblia um livro difícil. Dizem que ela só serve
para o estudo das coisas de Deus, mas não para rezar e fazer a pessoa
crescer na intimidade com Deus. No AT, já havia gente que pensava assim
achando que só alguns poucos seriam capazes de descobrir e entender a
Palavra de Deus. Por exemplo, pessoas estudadas e viajadas, capazes de
entender as coisas do céu e da terra. O livro do Deuteronômio responde
para eles e para nós:
"Este mandamento que hoje lhe ordeno não é muito difícil, nem está
fora do seu alcance. Ele não está no céu, para que você fique
perguntando: 'Quem subirá por nós até o céu para trazê-lo a nós, a fim
de que possamos ouvi-lo e colocá-lo em prática?' Também não está no
além-mar, para que você fique perguntando: 'Quem atravessará por nós o
mar, para trazer esse mandamento a nós, a fim de que possamos ouvi-lo e
colocá-lo em prática?' Sim, essa palavra está ao seu alcance: está na
sua boca e no seu coração, para que você a coloque em prática" (Dt
30,11-14).
A Palavra de Deus não é uma doutrina distante de difícil acesso, nem um
catecismo de verdades a serem estudadas e decoradas. A Palavra de Deus é
o próprio Deus querendo comunicar-se conosco como Pai amoroso. O valor
da Bíblia não está só naquilo que ela diz e ensina. O seu valor está
também e sobretudo em Deus, Ele mesmo, a sua pessoa e a sua bondade, que
pronuncia com muito amor aquilo que é dito e ensinado na Bíblia. Era a
experiência de Deus como Pai que revelava a Jesus o sentido pleno das
palavras da Escritura.
Descobrir e experimentar esta dimensão interpessoal da Bíblia é o
objetivo da Leitura Orante da Palavra de Deus. A própria Bíblia é fruto
desta prática antiga e sempre nova da leitura orante da Palavra de Deus.
A Bíblia, ela mesma, é fruto da Leitura Orante da Palavra de Deus
O texto da Bíblia não caiu pronto do céu. A Palavra de Deus, antes de
ser escrita, era transmitida oralmente. Antes de ser transmitida, era
vivida. Antes de ser vivida, era recebida no coração e revelada na
prática do Povo de Deus. O texto da Bíblia nasceu aos poucos, ao longo
dos séculos, como fruto de um demorado processo de interpretação dos
fatos da vida e da história, nos quais o povo foi descobrindo a presença
escondida da Palavra de Deus.
O ambiente desta leitura e descoberta da Palavra de Deus era o ambiente
da liturgia, a celebração, os santuários, as romarias, o Templo, as
rezas, as reuniões do povo. Por exemplo, entre os textos mais antigos da
Bíblia estão os cânticos litúrgicos atribuídos a Miriam (Ex 15,20), a
Débora (Jz 5,2-31) e a Ana (1Sam 2,1-10) e a profissão de fé do livro do
Deuteronômio (Dt 26,5-9). A Bíblia nasceu e cresceu num ambiente de
celebração. É neste mesmo ambiente orante que deve ser lida e meditada.
No tempo de Jesus era neste ambiente orante que o povo meditava a
Palavra de Deus. Quando aquela mulher "levantou a voz no meio da
multidão, e lhe disse: "Feliz o ventre que te carregou, e os seios que
te amamentaram", Jesus fez o maior elogio à sua mãe quando respondeu
dizendo: "Mais felizes são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem
em prática" (Lc 11,27-28). De fato, Maria meditava a Palavra de Deus
presente nos fatos da vida e nas palavras do anjo e das pessoas (Lc
2,19.51). O resultado desta meditação orante é o Cântico do Magnificat,
feito com frases quase todas tiradas do livro dos Salmos (Lc 1,46-55).
Sinal de que ela sabia rezar a vida e seus acontecimentos.
Desde os tempos do Servo de Javé e do próprio Jesus até hoje, é sempre a
mesma palavra de Deus que é buscada e meditada. São muitas as maneiras
de se ler a Bíblia, muitos os métodos para se interpretar a Palavra que
Deus nos dirige de tantas maneiras diferentes. Mas o que há de comum em
todos eles é a vontade de ouvir a Palavra de Deus e de colocá-la em
prática (Lc 11,27). Como fazer isto?
O Testemunho do Servo de Javé
Foi na meditação orante da Palavra de Deus que o Servo de Javé, na época
do cativeiro da Babilônia, encontrava a força para descobrir e realizar
sua vocação como Servo. Ele mesmo descreve como fazia a leitura orante
da Palavra de Deus:
"O Senhor me concedeu o dom
de falar como seu discípulo,
para eu saber dizer uma palavra de conforto
a quem está desanimado.
Cada manhã, ele me desperta,
para que eu o escute,
de ouvidos abertos,
como o fazem os discípulos.
O Senhor me abriu os ouvidos
e eu não resisti, nem voltei atrás (Is 50,4-5).
Quatro pontos chamam a atenção da gente neste breve testemunho do Servo.
1) Ser Discípulo. Por duas vezes ele se apresenta como discípulo. Eleaprender a falar e a escutar como fazem os discípulos. E ele quer ser
discípulo do Senhor. Discípulo é a pessoa que tem consciência de não
saber tudo, de não ser dono da verdade, de estar disposto a aprender.
2) Palavra de conforto. Ele está preocupado não em agradar aos grandes,
mas em saber encontrar e dizer uma palavra de conforto a quem está
desanimado. E no cativeiro da Babilônia havia muita gente desanimada que
estava precisando de uma palavra de conforto.
3) De ouvidos abertos. A maneira como ele consegue ser discípulo e
aprender como encontrar a palavra certa de conforto para quem está
desanimado era colocar-se diante de Deus, todas as manhãs, de ouvidos
bem abertos para escutar o que Deus lhe tem a dizer.
4) Atitude de entrega. Quem se abre para Deus, tem a certeza de que Deus
vem e responde, mas ele não saber o que Deus vai responder. O Servo se
coloca às ordens de Deus para o que der e vier. Ele não volta atrás
diante de uma palavra imprevista.
O Testemunho de Jesus.
Os textos do Servo de Javé (cf Is 42,1-9; 49,1-6; 50,4-9; 52,13-53,12;
61,1-2) foram ação para Jesus descobrir e assumir sua vocação como
Messias. Este texto do Servo que acabamos de ler (Is 50,4-5) é uma
espécie de auto-retrato do próprio Jesus. Como o Servo do livro de
Isaías, Jesus meditava e escutava a Palavra de Deus. Diz o evangelho de
Marcos: "De madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus se levantou e
foi rezar num lugar deserto" (Mc 1,35). Jesus passava noites em oração,
meditando a Palavra de Deus (cf. Lc 5,16; 6,12; 9,18.28; 11,1).
Na raiz da leitura que Jesus fazia da Palavra de Deus estava a sua
experiência de Deus como Pai. A intimidade com o Pai dava a ele um
critério novo, um olhar mais penetrante, que o colocava em contato
direto com Deus, o autor tanto da Bíblia como da vida. Por isso São
Paulo recomenda: "Procurem ter em vocês os mesmos sentimentos que
animavam Jesus" (Flp 2,5). Pois se tivermos em nós os mesmos sentimentos
de Jesus, teremos também o mesmo olhar com que Jesus lia a Bíblia. A
seguinte comparação ajuda para entender este assunto.
Numa roda de amigos alguém mostrou uma fotografia, onde se via um homem
de rosto severo, com o dedo levantado, quase agredindo o público. Todos
ficaram com a idéia de se tratar de uma pessoa inflexível e antipática
que não permitia intimidade. Enquanto comentavam a fotografia, chegou um
rapaz, viu a fotografia e exclamou: "É meu pai!" Os outros olharam para
ele e disseram: "Pai severo, hein!" Ele respondeu: "Não é não! Meu pai é
muito carinhoso. Ele é advogado. Aquela fotografia foi tirada no
tribunal na hora em que ele denunciava o crime de um latifundiário que
queria despejar uns pobres para apropriar-se do terreno deles e
construir um prédio grande para alugar e assim ganhar mais dinheiro. Meu
pai defendeu os direitos dos pobres e ganhou a causa. Até hoje os pobres
continuam morando em suas casas. Graças a Deus!" Todos olharam de novo a
fotografia e alguém comentou: "Que fotografia simpática!" Como por um
milagre, a fotografia se iluminou por dentro e começou a tomar um outro
aspecto. Aquele rosto tão severo adquiriu os traços de uma grande
ternura! A experiência do filho, sem mudar um traço sequer, mudou tudo.
Olhando as fotografias do Antigo Testamento, o povo no tempo de Jesusde rosto severo, com o dedo levantado, quase agredindo o público. Todos
ficaram com a idéia de se tratar de uma pessoa inflexível e antipática
que não permitia intimidade. Enquanto comentavam a fotografia, chegou um
rapaz, viu a fotografia e exclamou: "É meu pai!" Os outros olharam para
ele e disseram: "Pai severo, hein!" Ele respondeu: "Não é não! Meu pai é
muito carinhoso. Ele é advogado. Aquela fotografia foi tirada no
tribunal na hora em que ele denunciava o crime de um latifundiário que
queria despejar uns pobres para apropriar-se do terreno deles e
construir um prédio grande para alugar e assim ganhar mais dinheiro. Meu
pai defendeu os direitos dos pobres e ganhou a causa. Até hoje os pobres
continuam morando em suas casas. Graças a Deus!" Todos olharam de novo a
fotografia e alguém comentou: "Que fotografia simpática!" Como por um
milagre, a fotografia se iluminou por dentro e começou a tomar um outro
aspecto. Aquele rosto tão severo adquiriu os traços de uma grande
ternura! A experiência do filho, sem mudar um traço sequer, mudou tudo.
imaginava Deus como alguém distante, severo, de difícil acesso, cujo
nome nem sequer podia ser pronunciado. Em vez de Javé diziam Adonai,
isto é, Senhor. Jesus chegou e disse: "É meu Pai!" As palavras e gestos
de Jesus, nascidas da sua experiência de Filho, sem mudar uma letra ou
vírgula sequer (cf. Mt 5,18), mudaram todo o sentido do Antigo
Testamento. A Bíblia se iluminou por dentro. O mesmo Deus que parecia
tão distante e severo adquiriu os traços de um Pai bondoso de grande
ternura, sempre presente, pronto para acolher e libertar! O Novo
Testamento é uma releitura do Antigo Testamento feita à luz da nova
experiência de Deus como Pai e Mãe, revelada e partilhada a nós por
Jesus.
A chave para descobrir a Palavra de Deus na vida é esta: alimentar em
nós "os mesmos sentimentos que animavam Jesus" (Fl 2,5); buscar uma
profunda experiência de Deus e, ao mesmo tempo, como Jesus e como Servo,
estar muito atento aos problemas das pessoas desanimadas que precisam de
uma palavra de conforto.
"Ter em nós os mesmos sentimentos que animavam Jesus" (Fl 2,5)
Como conseguir esta atitude, este olhar? Como criar em nós os mesmos sentimentos que animavam Jesus? Aqui seguem três sugestões ou conselhos:
1. Seguir Jesus; 2. Usar o método de Jesus; 3. Criar um contexto
comunitário orante.
1. Seguir Jesus
O seguimento de Jesus tinha três dimensões que perduram até hoje e que
formam o eixo central do processo de formação dos discípulos e da
assimilação do jeito de viver de Jesus:
* Imitar o exemplo do Mestre:
Jesus era o modelo a ser recriado na vida do discípulo ou da discípula
(Jo 13,13-15). A convivência diária com o mestre permitia um confronto
constante. Nesta "escola de Jesus" só se ensinava uma única matéria: o
Reino! E este Reino se reconhecia na vida e na prática do Mestre. Isto
exige de nós leitura e meditação constantes do evangelho para olharmos
no espelho da vida de Jesus.
* Participar no destino do Mestre.
A imitação do Mestre não era um aprendizado teórico. Quem seguia Jesus
devia comprometer-se com ele e "estar com ele nas tentações" (Lc 22,28),
inclusive na perseguição (Jo 15,20; Mt 10,24-25). Devia estar disposto a
carregar a cruz e a morrer com ele (Mc 8,34-35; Jo 11,16). Isto exige de
nós um compromisso concreto e diário de fidelidade com o mesmo ideal com
que Jesus, fiel ao Pai, se comprometia.
* Ter a vida de Jesus dentro de si.
Depois da Páscoa, surge uma terceira dimensão, fruto da ação do Espírito
de Jesus na vida das pessoas que levava os primeiros cristãos a dizer:
"Vivo, mas já não sou eu, é Cristo que vive em mim" (Gl 2,20). Eles
procuravam refazer em suas vidas a mesma caminhada de Jesus que tinha
morrido em defesa da vida e foi ressuscitado pelo poder de Deus (Fl
3,10-11). Isto exige de nós uma espiritualidade de entrega contínua,
alimentada na oração.
2. Usar o método de Jesus na leitura e interpretação da Bíblia
No episódio dos discípulos de Emaús (Lc 24,13-35), Lucas apresenta Jesus
como intérprete da Bíblia e nos ensina como devemos ler a Escritura. O
processo de interpretação seguido por Jesus tem os seguintes passos,
misturados entre si:
1º Passo: partir da realidade (Lc 24,13-24)como intérprete da Bíblia e nos ensina como devemos ler a Escritura. O
processo de interpretação seguido por Jesus tem os seguintes passos,
misturados entre si:
Jesus encontra os dois discípulos numa situação de medo e dispersão, de
descrença e desespero. Eles estavam fugindo. A morte de Jesus na cruz,
tinha matado neles a esperança: "Nós esperávamos que ele fosse o
libertador, mas..." (Lc 24,21). Jesus se aproxima e caminha com eles,
escuta a conversa e pergunta: "De que vocês estão falando? Por que estão
tristes?" Mas eles não o reconheciam. Não percebiam a presença da
Palavra de Deus que já estava com eles, na vida deles.
O 1º passo é aproximar-se, caminhar junto, escutar a realidade, os
problemas; ser capaz de fazer perguntas que ajudem a pessoa a olhar a
realidade com um olhar mais crítico.
2º Passo: usar a Bíblia (Lc 24,25-27)
Jesus usa a Bíblia não para dar uma aula sobre a Bíblia, mas para
iluminar o problema que fazia sofrer os dois discípulos, para esclarecer
a situação que estavam vivendo e para mostrar que a história não tinha
escapado de mão de Deus.
O 2º passo é este: com a ajuda da Bíblia, iluminar os fatos e situá-los
dentro do conjunto do plano de Deus, transformar a cruz, sinal de morte,
em sinal de vida e de esperança. Assim, aquilo que os impedia de
caminhar, tornou-se a força principal na caminhada, a nova luz no
caminho.
3º Passo: partilhar na comunidade (Lc 24,28-32)
A Bíblia, ela por si, sozinha, não abriu os olhos dos dois, mas a sua
leitura e interpretação fizeram arder neles o coração (Lc 24,32), e isto
é muito importante. O que faz enxergar mesmo, é o gesto comunitário da
hospitalidade, da oração em comum, da partilha do pão ao redor da mesa.
No momento em que é reconhecido, Jesus desaparece, e eles mesmos
ressuscitam e renascem.
O 3º passo é este: saber criar um ambiente de fé, de fraternidade e de
partilha, onde possa atuar o Espírito Santo que nos faz entender o
sentido das coisas que Jesus falou, e produz em nós uma experiência de
ressurreição e de vida nova (cf. Jo 14,26; 16,13).
Objetivo: Ressuscitar e voltar para Jerusalém (cf Lc 24,33-35)
Imediatamente, eles levantam e voltam para Jerusalém. Tudo mudou:
coragem, em vez de medo; retorno, em vez de fuga; fé, em vez de
descrença; esperança, em vez de desespero; consciência crítica, em vez
de fatalismo frente ao poder; liberdade, em vez de opressão! Em vez da
má noticia da morte, a Boa Notícia da Ressurreição!
O objetivo da leitura orante da Bíblia, é este: criar coragem e voltar
para Jerusalém, onde continuam vivas as forças de morte que mataram
Jesus. Os dois discípulos, eles mesmos ressuscitaram. Venceram o medo da
morte e das forças da morte.
3. Criar um contexto comunitário orante que abre os olhos
O que abriu os olhos dos discípulos foi o contexto comunitário: a
hospitalidade, a oração antes de comer, a mesa comum, a partilha do pão.
A comunidade que se formava ao redor de Jesus tinha o seu ritmo de vida
diário, semanal e anual, dentro do qual os discípulos recebiam a sua
formação:
O ritmo diário em casa, na família:hospitalidade, a oração antes de comer, a mesa comum, a partilha do pão.
A comunidade que se formava ao redor de Jesus tinha o seu ritmo de vida
diário, semanal e anual, dentro do qual os discípulos recebiam a sua
formação:
No tempo de Jesus, nas casas de família e nos pequenos grupos, todas as
pessoas rezavam três vezes ao dia: de manhã, ao meio dia e à noite. Eram
os três momentos em que, no Templo em Jerusalém, se oferecia o
sacrifício. Junto com o incenso e a fumaça dos sacrifícios subia até
Deus a oração do seu povo. Estas orações, tiradas da Bíblia ou por ela
inspiradas, marcavam o ritmo diário da vida de Jesus e da sua comunidade
ao longo dos três anos de formação.
O ritmo semanal na comunidade, sinagoga:
Um escrito antigo da Tradição Judaica, chamado Pirquê Abot, dizia: "O
mundo repousa sobre três colunas: a Lei, o Culto e o Amor". Ou seja, a
Bíblia, a Celebração e o Serviço. Era o que o povo fazia todos os
Sábados na sinagoga. Mesmo durante as viagens missionárias, Jesus e os
discípulos tinham o "costume" (Lc 4,16) de, aos sábados, se reunirem com
a comunidade local na sinagoga para ouvir as leituras da Bíblia (Lei),
para rezar e louvar a Deus (Culto) e para discutir os serviços a serem
realizados para a edificação da comunidade e a ajuda a ser oferecida às
pessoas (Amor) (Lc 4,16.44; Mc 1,39). Até hoje, este ainda é o ambiente
formador das nossas Comunidades Eclesiais de Base: ouvir em comunidade a
leitura da Palavra de Deus (Lei, Bíblia), rezar juntos (Culto,
Celebração) e combinar entre si o que fazer para melhor a vida dos
irmãos e das irmãs (Serviço, Amor).
O ritmo anual no Templo, no meio do povo:
Cada ano, o povo tinha que fazer três romarias para visitar a Deus no
seu Templo em Jerusalém nas três grandes festas, que marcavam o ano
litúrgico e nas quais se celebravam os momentos importantes da história
do Povo de Deus: Páscoa, Pentecostes, ou festa das semanas e a festa das
Tendas (Ex 23,14-17; Dt 16,9). Jesus e os discípulos participavam das
romarias e visitavam o Templo de Jerusalém (Jo 2,13; 5,1; 7,14; 10,22;
11,55).
Através deste tríplice ritmo (diário, semanal e anual), criava-se um
ambiente familiar e comunitário, impregnado pela leitura orante da
Palavra de Deus. A formação, que os discípulos assim recebiam, não era,
em primeiro lugar, a transmissão de verdades a serem estudadas e
decoradas, mas sim a comunicação da nova experiência de Deus e da vida
que irradiava de Jesus para os discípulos e as discípulas. A própria
comunidade que se formava ao redor de Jesus era a expressão desta nova
experiência de Deus e da vida. A formação levava as pessoas a terem
outros olhos, outras atitudes. Fazia nascer nelas uma nova consciência a
respeito da sua vocação e a respeito de si mesmas. Fazia com que fossem
colocando os pés do lado dos excluídos. Produzia aos poucos a
"conversão" como conseqüência da aceitação da Boa Nova (Mc 1,15). Sem
esta experiência comunitária da Leitura Orante, o estudo da Bíblia
cairia no vazio.
A comparação dos dois Livros de Deus
Uma comparação esclarecedora de Santo Agostinho dizia: Deus escreveu
dois livros. O primeiro livro é a criação, a natureza, a vida, tudo que
existe e acontece. É pelo Livro da Natureza que Deus quer comunicar-se
conosco. Mas por causa do nosso pecado as letras deste primeiro livro se
atrapalharam e já não conseguimos descobrir a fala de Deus no livro da
Vida, da Natureza. Por isso, Deus escreveu um segundo livro, que é a
Bíblia. A Bíblia foi escrita, não para substituir o livro da vida, mas
para ajudar-nos a interpretá-lo melhor. E Agostinho enumera os três
objetivos desta leitura orante da Bíblia: a Bíblia nos devolve o olhar
da contemplação; ela nos ajuda a decifrar o mundo; faz do universo uma teofania, uma revelação de Deus.
Clemente de Alexandria, Séc. IV, tinha a mesma intuição quando dizia:
"Deus salvou os judeus judaicamente, os gregos, gregamente, os bárbaros,
barbaramente". E podemos continuar: "Os brasileiros, brasileiramente". A
convicção de fé subentendida nesta afirmação é a de que todos temos o
nosso Antigo Testamento, temos nossa história, tanto pessoal como
comunitária e nacional. Como o AT do povo hebreu, também o nosso AT, a
nossa história, está orientada pelo mesmo Espírito do Deus Criador para
desembocar na vida plena que nos foi revelada pela paixão, morte e
ressurreição de Jesus. O que importa na interpretação de um texto
bíblico é descobrir, através do estudo da "letra", esta mesma orientação
para Jesus dentro da nossa vida e história, para que possamos crescer e
desabrochar em Jesus e na vida ressuscitada da Comunidade. Este mesmo
convite chega agora até nós através da mensagem do Sínodo dos bispos.
A Mensagem final do Sínodo dos Bispos
Esta maneira tão antiga de ler e interpretar a Bíblia - tão antiga
quanto a própria Bíblia - renasce hoje, tanto na prática tão simples das
nossas comunidades, como na palavra abalizada dos bispos reunidos no
Sínodo sobre "A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja".
Nas intervenções dos bispos durante o sínodo sobre A Palavra de Deus na
Vida e na Missão do Povo de Deus, havia uma insistência muito grande
nestes quatro pontos: 1) A Bíblia deve voltar na mão do povo, sobretudo
dos pobres; 2) A Leitura Orante diária deve ser retomada sobretudo pelos
ministros que animam a fé do povo e pelos que se preparam para servir ao
povo como presbíteros; 3) A exegese científica e o estudo acadêmico da
Bíblia devem estar voltados para a teologia e a pastoral; 4) É
importante retomar e valorizar a visão que os Santos Padres da Igreja
tinham da Bíblia.
Na mensagem final do Sínodo ao Povo de Deus, os bispos sintetizaram todo
o processo da descoberta, interpretação e meditação orante da Palavra de
Deus em quatro símbolos muito sugestivos: a Voz da Palavra, o Rosto da
Palavra, a Casa da Palavra e o Caminho da Palavra.
A Voz da Palavra ressoa não só na Bíblia, mas também se faz ouvir na
natureza, no universo, na vida, nos fatos, "sem fala e sem palavras, sem
que sua voz seja ouvida" (Sl 19,4). "De fato, desde a criação do mundo,
as perfeições invisíveis de Deus, tais como o seu poder eterno e sua
divindade, podem ser contempladas, através da inteligência, nas obras
que ele realizou" (Rom 1,20).
O Rosto da Palavra é Jesus de Nazaré, sua vida, seus gestos, suas
palavras, seus ensinamentos. Ele é a revelação do Pai. Nele a Palavra se
fez carne e habitou entre nós (Jo 1,14). Ele podia dizer: "Quem me vê,
vê o Pai" (Jo 14,9).
A Casa da Palavra é a Comunidade, a Igreja. É onde o povo se reúne em
torno da Palavra de Deus: "Como pedras vivas, vocês vão entrando na
construção do templo espiritual, e formando um sacerdócio santo,
destinado a oferecer sacrifícios espirituais que Deus aceita por meio de
Jesus Cristo" (1Pd 2,5). Jesus dizia: "Onde dois ou três estão reunidos
em meu nome, eu estou aí no meio deles" (Mt 18,20)
O Caminho da Palavra é a missão que recebemos como discípulos e
missionários de Jesus Cristo, para que nele nossos povos tenham vida.
"Caminho" é a palavra usada no livro dos Atos para identificar os
cristãos (At 9,2; 19,9; 22,4; 24,14). Indica o compromisso assumido de
levar a Boa Nova pelo mundo afora.
Este é o sentido e o objetivo do convite que nos é feito hoje pela
mensagem dos bispos. Os bispos retomaram o antigo convite feito a nós
pelo salmo para praticar a Leitura Orante da Palavra de Deus:
"Feliz o homem,
que não segue os conselhos dos ímpios,
não anda no caminho dos maus,
nem freqüenta a companhia dos gozadores.
Pelo contrário,
encontra seu prazer na lei do Senhor,
e nela medita dia e noite.
Ele é como árvore plantada junto d'água corrente:
dá fruto no tempo devido,
e suas folhas nunca murcham.
Tudo o que ele faz é bem sucedido.
Feliz este homem!" (Salmo 1,1-3).
A Leitura Orante da Lei do Senhor faz a pessoa crescer e amadurecer,
pois traz consciência crítica frente "aos conselhos dos ímpios", ajuda a
evitar o "caminho dos maus", torna fecunda a vida que, "como árvore,
plantada à beira da água, dará fruto a seu tempo. Sua folhagem não
secará, e terá êxito em todos os seus empreendimentos". Deste modo, se
abre para nós o caminho da felicidade: "Feliz este homem!"
Um comentário:
A Palavra de DEUS é viva e eficaz porque é o próprio JESUS CRISTO!!!
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