segunda-feira, 13 de setembro de 2010

MISSÃO DO SACERDOTE É GOVERNAR

Amados irmãos e irmãs!
Com o termino do ano sacerdotal comecei nas últimas catequeses a falar
sobre as tarefas essenciais do sacerdote, ou seja: ensinar, santificar e
governar. Já falei disto em duas catequeses, numa sobre o ministério da
santificação, sobretudo os Sacramentos, e noutra sobre o do ensino.
Portanto, hoje vou falar sobre a missão do sacerdote de governar, de
guiar, com a autoridade de Cristo, não com a própria, a porção do Povo
que Deus lhe confiou.
Como compreender na cultura contemporânea tal dimensão, que implica o
conceito de autoridade e tem origem no próprio mandato do Senhor de
apascentar o rebanho? O que é realmente, para nós cristãos, a
autoridade? As experiências culturais, políticas e históricas do passado
recente, sobretudo as ditaduras na Europa do Leste e do Oeste no século
XX, tornaram o homem contemporâneo suspeitoso em relação a este
conceito. Uma suspeita que, com frequência, se traduz em defender como
necessário o abandono de qualquer autoridade, que não provenha
exclusivamente dos homens, lhes seja submetida e por eles controlada.
Mas precisamente o olhar sobre os regimes que, no século passado,
semearam terror e morte, recorda com vigor que a autoridade, em qualquer
âmbito, quando é exercida sem uma referência ao Transcendente, se
prescindir da Autoridade suprema, que é Deus, acaba inevitavelmente por
se voltar contra o homem. É importante então reconhecer que a autoridade
humana nunca é um fim, mas sempre e só um meio e que, necessariamente e
em cada época, o fim é sempre a pessoa, criada por Deus com a própria
intangível dignidade e chamada a realizar-se com o próprio Criador, no
caminho terreno da existência e na vida eterna; é uma autoridade
exercida na responsabilidade diante de Deus, do Criador. Uma autoridade
tão intensa, que tenha como única finalidade servir o verdadeiro bem das
pessoas e ser transparência do único Bem Supremo que é Deus, não só é
alheia aos homens, mas, ao contrário, é uma preciosa ajuda no caminho
para a plena realização em Cristo, rumo à salvação.
A Igreja está chamada e compromete-se a exercer este tipo de autoridade
que é serviço, e exerce-a não em seu nome, mas no de Jesus Cristo, que
do Pai recebeu todo o poder no Céu e na terra (cf. Mt 28, 18). De facto,
através dos Pastores da Igreja Cristo apascenta a sua grei: é Ele quem a
guia, protege e corrige, porque a ama profundamente. Mas o Senhor Jesus,
Pastor supremo das nossas almas, quis que o Colégio Apostólico, hoje os
Bispos, em comunhão com o Sucessor de Pedro, e os sacerdotes, seus mais
preciosos colaboradores, participassem nesta sua missão de se ocupar do
Povo de Deus, de ser educadores na fé, orientando, animando e apoiando a
comunidade cristã ou, como diz o Concílio, cuidassem "para que cada fiel
seja levado, no Espírito Santo, a cultivar a própria vocação segundo o
Evangelho, a uma caridade sincera e activa e à liberdade com que Cristo
nos libertou" (Presbyterorum ordinis, 6). Portanto, cada Pastor é o meio
através do qual o próprio Cristo ama os homens: é mediante o nosso
ministério ? queridos sacerdotes ? é através de nós que o Senhor alcança
as almas, as instrui, guarda e guia. Santo Agostinho, no seu Comentário
ao Evangelho de São João, diz: "Seja portanto empenho de amor apascentar
o rebanho do Senhor" (123, 5); esta é a norma suprema dos ministros de
Deus, um amor incondicionado, como o do Bom Pastor, cheio de alegria,
aberto a todos, atento ao próximo e solícito em relação aos distantes
(cf. S. Agostinho, Discurso 340, 1; Discurso 46, 15), delicado para com
os mais débeis, os pequeninos, os simples, os pecadores, para manifestar
a misericórdia infinita de Deus com as palavras alentadoras da esperança
(cf. Id., Carta 95, 1).
Se esta tarefa pastoral se funda no Sacramento, contudo a sua eficácia
não é independente da existência pessoal do presbítero. Para ser Pastor
segundo o coração de Deus (cf. Jr 3, 15) é preciso um radicamento
profundo na amizade viva com Cristo, não só da inteligência, mas também
da liberdade e da vontade, uma consciência clara da identidade recebida
na Ordenação sacerdotal, uma disponibilidade incondicionada a conduzir o
rebanho confiado aonde o Senhor quer e não na direcção que,
aparentemente, parece mais conveniente ou mais fácil. Antes de tudo,
isto exige a contínua e progressiva disponibilidade para deixar que o
próprio Cristo governe a existência sacerdotal dos presbíteros. De
facto, ninguém é realmente capaz de apascentar a grei de Cristo, se não
viver uma obediência profunda e real a Cristo e à Igreja, e a própria
docilidade do Povo aos seus sacerdotes depende da docilidade dos
presbíteros a Cristo; por isso, na base do ministério pastoral está
sempre o encontro pessoal e constante com o Senhor, o conhecimento
profundo d'Ele, o conformar a própria vontade com a vontade de Cristo.
Nos últimos decénios, utilizou-se muitas vezes o adjectivo "pastoral"
quase em oposição ao conceito de "hierárquico", assim como, na mesma
contraposição, foi interpretada também a ideia de "comunhão". Talvez
seja este o ponto sobre o qual pode ser útil uma breve observação sobre
a palavra "hierarquia", que é a designação tradicional da estrutura de
autoridade sacramental na Igreja, ordenada segundo os três níveis do
Sacramento da Ordem: episcopado, presbiterado, diaconado. Prevalece na
opinião pública, para esta realidade "hierárquica", os elementos de
subordinação e jurídico; por isso para muitos a ideia de hierarquia
parece estar em contraste com a flexibilidade e com a vitalidade do
sentido pastoral e também ser contrária à humildade do Evangelho. Mas
este é um sentido da hierarquia compreendido mal, historicamente também
causado por abusos de autoridade e por carreirismo, que são precisamente
abusos e não derivam do ser próprio da realidade "hierárquica". A
opinião comum é que "hierarquia" é sempre algo relacionado com o domínio
e assim não correspondente ao verdadeiro sentido da Igreja, da unidade
no amor de Cristo. Mas, como eu disse, esta é uma interpretação errada,
que tem origem em abusos da história, mas não corresponde ao verdadeiro
significado daquilo que é a hierarquia. Comecemos com a palavra.
Geralmente, diz-se que o significado da palavra hierarquia seria
"domínio sagrado", mas o verdadeiro significado não é este, é "origem
sagrada", ou seja: esta autoridade não provém do próprio homem, mas tem
origem no sagrado, no Sacramento; submete portanto a pessoa à vocação,
ao mistério de Cristo; faz do indivíduo um servo de Cristo e só como
servo de Cristo ele pode governar, guiar para Cristo e com Cristo. Por
isso quem entra na Ordem sagrada do Sacramento, a "hierarquia", não é um
autocrata, mas entra num vínculo novo de obediência a Cristo: está
ligado a Ele em comunhão com os outros membros da Ordem sagrada, do
Sacerdócio. E também o Papa ponto de referência de todos os outros
Pastores e da comunhão da Igreja não pode fazer o que quiser; ao
contrário, o Papa é guardião da obediência a Cristo, à sua palavra
resumida na "regula fidei", no Credo da Igreja, e deve preceder na
obediência a Cristo e à sua Igreja. Hierarquia implica por conseguinte
um tríplice vínculo: antes de tudo com Cristo e com a ordem dada pelo
Senhor à sua Igreja; depois o vínculo com os outros Pastores na única
comunhão da Igreja; e, por fim, o vínculo com os fiéis confiados a cada
um, na ordem da Igreja.
Compreende-se portanto que comunhão e hierarquia não são contrárias uma
à outra, mas condicionam-se. São juntas uma só coisa (comunhão
hierárquica). Portanto, o Pastor é tal precisamente guiando e guardando
a grei, e por vezes impedindo que ela se disperse. Fora de uma visão
clara e explicitamente sobrenatural, não é compreensível a tarefa de
governar, própria dos sacerdotes. Ela, ao contrário, apoiada pelo
verdadeiro amor à salvação de cada fiel, é particularmente preciosa e
necessária também no nosso tempo. Se a finalidade é levar o anúncio de
Cristo e guiar os homens ao encontro salvífico com Ele para que tenham
vida, a tarefa de guiar configura-se como um serviço vivido numa doação
total para a edificação do rebanho na verdade e na santidade, muitas
vezes indo contracorrente e recordando que quem é o maior deve fazer-se
como o mais pequeno, e quem governa, como aquele que serve (cf. Lumen
gentium, 27).
De onde pode tirar hoje um sacerdote a força para a prática do próprio
ministério, em plena fidelidade a Cristo e à Igreja, com uma dedicação
total à grei? A resposta é uma só: em Cristo Senhor. O modo de governar
de Jesus não é o do domínio, mas é o serviço humilde e amoroso do
Lava-pés, e a realeza de Cristo sobre o universo não é um triunfo
terreno, mas encontra o seu ápice no madeiro da Cruz, que se torna juízo
para o mundo e ponto de referência para a prática da autoridade, que
seja verdadeira expressão da caridade pastoral. Os santos, e entre eles
São João Maria Vianney, exerceram com amor e dedicação a tarefa de
cuidar da porção do Povo de Deus que lhes foi confiada, mostrando também
que eram homens fortes e determinados, com o único objectivo de promover
o verdadeiro bem das almas, capazes de pagar em primeira pessoa, até ao
martírio, para permanecer fiéis à verdade e à justiça do Evangelho.
Queridos sacerdotes, "apascentai o rebanho que Deus vos confiou,
velando por ele, não constrangidos, mas de boa vontade [...], como
modelos do vosso rebanho" (1 Pd 5, 2). Portanto, não tenhais medo de
guiar para Cristo cada um dos irmãos que Ele vos confiou, na certeza de
que cada palavra e atitude, se vierem da obediência à vontade de Deus,
darão fruto; sabei viver apreciando as qualidades e reconhecendo os
limites da cultura na qual estamos inseridos, com a firme certeza de que
o anúncio do Evangelho é o maior serviço que se pode prestar ao homem.
De facto, não há bem maior, nesta vida terrena, do que conduzir os
homens para Deus, despertar a fé, elevar o homem da inércia e do
desespero, dar a esperança que Deus está próximo e guia a história
pessoal e do mundo: é este, em suma, o sentido profundo e último da
tarefa de governar que o Senhor nos confiou. Trata-se de formar Cristo
nos crentes, através daquele processo de santificação que é conversão
dos critérios, da escala de valores, de atitudes, para deixar que Cristo
viva em cada fiel. São Paulo resume assim a sua acção pastoral:
"Filhinhos meus, por quem de novo sinto as dores de parto, até que
Cristo seja formado em vós" (Gl 4, 19).
Queridos irmãos e irmãs, gostaria de vos convidar a rezar comigo,
Sucessor de Pedro, que tenho uma tarefa específica no governar a Igreja
de Cristo, assim como por todos os vosos Bispos e sacerdotes. Rezai por
que saibamos ocupar-nos de todas as ovelhas, também das perdidas, da
grei que nos foi confiada. A vós, queridos sacerdotes, dirijo um cordial
convite para as Celebrações conclusivas do Ano sacerdotal, nos próximos
dias 9, 10 e 11 de Junho, aqui em Roma: meditaremos sobre a conversão e
missão, sobre o dom do Espírito Santo e sobre a relação com Maria
Santíssima, e renovaremos as nossas promessas sacerdotais, apoiados por
todo o Povo de Deus. Obrigado!
Saudação
Amados peregrinos de língua portuguesa, com destaque para a Associação
«Família da Esperança» pela numerosa presença dos seus membros: a minha
saudação amiga para vós e para os fiéis de Niterói e de Curitiba. De
coração a todos abençoo, pedindo que rezeis por mim, Sucessor de Pedro,
cuja tarefa específica é governar a Igreja de Cristo, bem como pelos
vossos Bispos e sacerdotes para que saibamos cuidar de todas as ovelhas
do rebanho que Deus nos confiou. Obrigado!
Munus docendi (Munus de Ensinar)»»
Munus sanctificandi (Munus de Santificar) »»
Munus regendi (Munus de Governar) »»
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por Papa Bento XVI *
vatican.va

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