terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Fratres in Unum.

Quam bonum est et quam jucundum, habitare fratres in unum” (Psalmorum 132,1)
Por Marcela A. de Castro
- Sursum CordaCorações ao Alto!
Por mais que tentasse, Valéria não estava conseguindo obedecer ao sublime comando do sacerdote. Naquele dia seu pobre coração estava no chão, preso a inúmeras preocupações e à lembrança do que acabara de ouvir da boca de Marcos Fernandes.
- Habemos ad Dóminum – Já os temos para o Senhor.
Sim, queria ter o seu coração totalmente voltado para o Senhor. Não queria pensar em nenhum assunto mundano, nenhuma intriga ou receio, ainda que o assunto em si fosse relevante para a própria Fé.
Então, era verdade. Dom Valentino Martins Pereira estava mexendo os pauzinhos para impedir a vinda do amável padre Juliano Joaquim do Instituto do Bom Redentor. Como alguém desejaria impedir logo um padre tão jovem e piedoso, e ainda mais com aquele sotaquezinho de Portugal tão agradável aos ouvidos brasileiros? – indagava-se.
O Instituto do Bom Redentor fora erigido na região de Trás-os-Montes, em Portugal, no ano de 2006, com a prerrogativa de oferecer o Santo Sacrifício da Missa exclusivamente segundo o rito de São Pio V e agora estava plenamente regularizado. A atitude de Dom Valentino era a prova cabal de que além da Fraternidade Sacerdotal São Gregório Magno, fundada por Dom Carmel das Neves, Dom Valentino não via com bons olhos os demais institutos tradicionais que tinham alguma objeção de consciência em relação à Missa Nova e às ambigüidades do Concílio Vaticano II e desejava ser o articulador mor de todos os padres, movimentos e institutos dedicados ao rito antigo no Brasil. Isso era o fim da picada! Mas também que bando de bispos abobados eram esses que precisavam ouvi-lo para tudo?! Será que não podiam eles mesmos se esforçarem um pouco para entender melhor as necessidades dos católicos tradicionais?
- Sursum Corda! Valéria precisava esquecer aquela informação. Pelo menos por ora, era preciso fixar seu pensamento e afetos apenas no Mistério que estava sendo celebrado e entregar tudo, absolutamente tudo para Jesus. Pediria a intercessão da Virgem Maria para que nada perturbasse o seu interior, nenhuma preocupação, nenhuma ansiedade.

* * *
- Me passa aquela rabanada do canto, por favor – pediu Valéria, esticando o prato em direção ao Marcos Fernandes.
- Toma aqui, sua gulosa. Agora me deixa contar o resto da estória. Como eu ia dizendo, Dom Valentino está armando para que o Padre Juliano não consiga se instalar nem aqui, nem em Pato Dourado nem em canto nenhum. Ele acha que o Instituto do Bom Redentor é perigoso.
- Perigoso? Como assim? – indagou o senhor Francisco.
- Ele acha que o Instituto do Bom Redentor devia aceitar a Missa Nova e não fincar o pé na Missa Tradicional. Depois que ele mudou o discurso, acha que todo mundo tem que pensar igual a ele. – explicou Marcos Fernandes.
- Isso é incrível! – protestou o Dr. Oswaldo. Se pensarmos, por exemplo, no padre Corbusier, um dos fundadores do Instituto do Bom Redentor, que no passado defendeu o então padre Valentino e por isso mesmo foi expulso da Fraternidade Sacerdotal São Gregório Magno, temos que admitir que o gesto de Dom Valentino é, no mínimo, uma ingratidão.
- Mas cá pra nós, o Instituto do Bom Redentor está tão discreto. Cadê as tais críticas construtivas ao Vaticano II que eles ficaram de fazer? Até agora nada! Será que amarelaram?
- Valerinha querida, as coisas não são bem assim. – ponderou o Dr. Oswaldo com um tom ligeiramente repreensivo. O Instituto do Bom Redentor é bem recente. Eles precisam se estruturar. Precisam crescer numericamente. Além do mais, os textos que o padre Vander Lee disponibiliza no sítio oficial do instituto na Internet não deixam dúvida quanto à posição deles em relação a esses temas.
- Sei não, – disse Valéria com um muxoxo. Eles parecem meio tímidos. Será que é para não assustar o clero progressista?
- Ao que tudo indica, Dom Valentino procura manter a hegemonia de espaço nas dioceses, uniformizando o pensamento dos padres que rezam a missa tradicional e expurgando qualquer modo de pensar divergente, considerando que os fiéis facilmente o largariam para freqüentar o ambiente de um instituto mais coerente com a Tradição católica.
- Concordo com o senhor, Dr. Oswaldo. Ouvi dizer que até mesmo os seminaristas de Pitangueiras já estão sendo treinados para aderirem à nova mentalidade. Os que ainda têm alguma ilusão de serem “soldados da Tradição” são gentilmente convidados a bater as portas da Fraternidade Sacerdotal São Gregório Magno. – acrescentou Marcos Fernandes.
- Sério?! Indagou Evinha? Então, a coisa lá mudou muito. Meu primo está lá no seminário de Pitangueiras. Coitadinho! Vai ficar aggionardo.
- Será que o padre Juliano Joaquim está sabendo disso? – indagou o senhor Francisco enquanto enchia seu copo com coca-cola.
* * *
Sete batinas conversavam alegremente numa sala de jantar ao redor da mesa. Uma boa batina velha e experiente, um tanto quanto exaurida pelos inúmeros labores e sacrifícios que tivera de suportar durante toda a sua vida; uma batina jovem e arrojada, cheia de projetos e muita piedade; uma batina solitária, renegada por seus pares, lutando bravamente contra o modernismo reinante; uma batina madura e perspicaz, mas ainda cheia de vigor e vontade de cumprir a missão para a qual fora talhada e três batininhas novinhas em folha, inexperientes e ousadas. As sete batinas conversavam alegremente, partilhavam experiências, riam, suspiravam, comiam frango assado com arroz e salada de maionese, tomavam vinho tinto e guaraná, quebravam nozes e tomavam sorvete de morango.
Pato Dourado, Taboão da Serra, Belo Horizonte, Buenos Aires e Pintangueiras. Eis as origens das sete batinas.
- Desse jeito o senhor me mata de rir, padre Florêncio. Espere um pouco senão vou engasgar. – disse o seminarista Carlos Eduardo.
- Está bem meu filho. Acho que já terminei o meu repertório de imitações.
- Então, por que vocês três não cantam para nós o que ensaiaram nesses últimos dias? – indagou o padre José Leite.
- Opa! Os três tenores! Que maravilha! – exclamou o padre Miguel, de Belo Horizonte.
- Entonces se me ocurrió una idea. Yo puedo acompañar a ustedes en el piano. Me encantan las canciones navideñas. – prontificou-se o padre Hurtado. – Quieren empezar ahorita?
E assim os três seminaristas de Pitangueiras convidados do padre José Leite entoaram belos cânticos natalinos e partilharam com os padres mais experientes seus sonhos e esperanças. Só não revelaram o que estavam pensando em relação as suas próprias vocações. Aliás, nem entre si chegaram a dizer abertamente o que cada um estava pensando. Temiam ferir a alegre e pacífica convivência de que até então desfrutavam.
Um deles desejava pedir admissão no seminário trasmontano do Instituto do Bom Redentor, embora não soubesse se teria condições financeiras para tal. Afinal, o reitor já estava pegando no seu pé fazia tempo devido a sua mania de dar ouvidos aos padres idosos e dizer que não queria nunca celebrar a missa nova quando fosse padre. Outro estava seriamente pensando em visitar a Fraternidade de São Gregório Magno com o padre Hurtado nas férias. Desejava conhecer o famoso baluarte da Tradição na América Latina. O terceiro permaneceria em Pitangueiras mesmo, afinal de contas, faltavam apenas três anos para a sua ordenação e não via motivos para sair do país.
* * *
Os nomes dos personagens e os fatos narrados neste conto são fictícios, qualquer semelhança é mera coincidência.
Leia também:
O auxiliar
Os radicais
A designação
A fundação
A panfletagem
A visão equilibrada
A equipe de liturgia.
O jovem cura de Taboão da Serra
O homem que tinha duas mães
 
http://fratresinunum.com/2011/01/11/fratres-in-unum/

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