terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

As visitas ad limina dos bispos franceses e o Motu Proprio.

Apresentamos nossa tradução da carta 267 de Paix Liturgique sobre a recepção e aplicação do Motu Proprio Summorum Pontificum pelo episcopado francês, análise aplicável perfeitamente ao restante do episcopado mundial.
 Lourdes, 14 de setembro de 2008: O Papa Bento XVI discursa aos bispos franceses. Ao recordar a liberdade de uso do missal de 1962, Bento XVI enfatizou: "Ninguém é excesso na Igreja. Cada um, sem exceção, deve poder sentir-se em casa nela, e jamais rejeitado".
Lourdes, setembro de 2008: O Papa discursa aos bispos franceses. Ao recordar a liberdade do missal de 1962, Bento XVI enfatizou: "Ninguém é excesso na Igreja. Cada um, sem exceção, deve poder sentir-se em casa nela, e jamais rejeitado".
Os bispos da França, região por região, vão se dirigir a Roma em 2011 e 2012 para fazer as suas visitas ad limina. Um dos dossiês que serão abordados, se não o mais importante de todos, seguramente um dos mais sensíveis, seráo da aplicação do Motu Proprio Summorum Pontificum. É um gracejo clássico nas Congregações Romanas: os bispos franceses se passam  por muito estrondosos e bastante seguros de si, mas quando o Cardeal que visitam ou um secretário que assiste ao colóquio evoca discretamente a liturgia tridentina, é possível ouvir uma mosca zunindo.
As inquietudes dos bispos franceses
Eles têm, sobre um certo de número elementos, digamos, a consciência pesada:
  • Estão, primeiramente, afetados pela situação pastoral catastrófica de seu país. Certamente, o estado do catolicismo da Alemanha, da Suíça, da Bélgica, ao menos também é desastroso. Mas a França é a França e  seu passado católico é especialmente representado pela quantidade de suas dioceses, uma centena, cuja algumas – a lista não cessa de aumentar –em breve não serão mais que nomes sobre o mapa eclesiástico, dioceses que terão na melhor das hipóteses uma dezena de padres num espaço de 10 anos. Finanças, vocações, catequeses sobretudo, tudo está “no vermelho”. Exceto, horresco referens, nas paróquias e comunidades onde se celebra a liturgia segundo a forma extraordinária (ou uma cópia desta).
  • A esse sentimento de culpa se acrescenta o fato de que os bispos estimam que chegarão nos dicastérios onde são constantamente brindados por “denúncias” lançadas pelos “integristas”, os quais, segundo eles, são complacentemente ouvidos pelos órgãos da Santa Sé. Na realidade, se eles se tocassem, como se diz,saberiam, com efeito, que dão motivos, principalmente pelos abusos litúrgicos gritantes e repetidos. E quanto à origem das “denúncias”, preferem esculhambar os integristas e fingirignorar que elas vêm, na maioria dos casos, de clérigos exasperados de seu próprio presbitério, nem sempre de “direita”, aliás.
  • Eles já são cientes das repetidas acusações de não ter mais vocações, enquanto que os tradicionalistas, sem estar abarrotados, causam muito boa impressão: para 90 ordenações “ordinárias” por ano, vinte“extraordinárias”; para, no máximo, 700 seminaristas ordinários, 140 extraordinários.
E sobretudo sobre os fundamentos, eles sabem bem, para a maioria, queresistiramcom toda sua inércia — primeiramente, ao Soberano Pontífice; depois, à demanda expressa ou latente da forma extraordinária. Ao invocar a concessão de todas as missas desde 2007, que remetem, aliás, na sua maior parte, ao Motu Proprio de 1988 sob o estreito controle episcopal,  nossos pastores, por vezes flanqueados por seus vigários gerais (é um uso francês, que sempre surpreende em Roma) dificilmente poderão reivindicaruma pequena centena de missas dominicais a mais, enquanto que três vezes mais pedidos sérios foram enterrados por eles. E acusar seus “acusadores”. Vocês sabiam que as pesquisas que lhes repetem que um terço de seus rebanhos assistiriam voluntariamente à missa extraordinária em suas paróquias são “contrárias à comunhão”? Que aqueles que as organizam (os quais, frequentemente, assistem também à missa ordinária) “não têm o espírito do Concílio”?
Roma em ordem de batalha?
Além-Tibre, pois, alguém lhes espera. É provável que este ou aquele de nossos pastores se faça “recolocar a faixa”, nesta ocasião a violeta, no escritório de tal Prefeito ou de tal Secretário, a respeito de um “abuso” que ele teria cometido ou deixado cometer. O Papa, por ocasião da curta entrevista que terá com cada um deles, fará perguntas sobre as questões litúrgicas, que obterão respostas loquazes e ligeiramente gaguejantes.
No entanto, é possível lamentar, com relação ao assunto que tratamos, que a aplicação do Motu Proprio permanece, como um todo,do tipo “chazinho” que se daria aos esfoemados que fazem fila para pegar comida numa entidade beneficente.  E é possível, resguardadas toda reverência e mesmo imensa afeição filial, se fazer um certo número de questões:
  • Porque o documento de aplicação do Motu Proprio, em preparação desde 2007, finalmente pronto (exceto alguns detalhes…), ainda não viu a luz do dia?
  • De que poderes reais dispõe a Comissão Pontifícia Ecclesia Dei, quando o padre procurado por um grupo de requerentes se recusaa conceder a missa na forma extraordinária e depois que o bispo informadonão faz com que o pedido seja atendido? Noutros termos, de que poder de coerção dispõe a Comissão para que o artigo 7º de Summorum Pontificum não permaneça letra morta?
  • Na ausência de poder de coerção, a Comissão está em condições de exercer uma forte pressão persuasiva sobre um bispo recalcitrante?
  • Sabendo que numa Igreja pós-conciliar em estado de anarquia latente o único poder sério que permanece nas mãos de cada autoridade, em todos os níveis, é o das nomeações, o processo romano de nomeação dos bispos da França tem em conta o “critério Motu Proprio”? Em outras palavras, há relações entre a Congregação dos Bispos, o Núncio Apostólico, tanto em geral, para fixar uma “linha” neste domínio, como em particular, no exame de cada candidato apresentado?
  • Há instruções provenientes de cima, nomeadamente do Secretário de Estado, favorecendo um processo de nomeações conforme não somente a este texto decisivo do pontificado, mas a todos os que vão na mesma direção(catecismos, vocações, etc)? A vida litúrgica das paróquias serárevigorada (presença da forma extraordinária; influência da forma extraordinária sobre a forma ordinária) somente se um episcopado for dado à França para fazer isso. Quando São Pio X quis obstruir o modernismo, nomeou fileiras de bispos “integrais”; de modo oposto,  quando Pio XI quis ruira Ação Francesa, nomeou em massa bispos da Ação Católica; e entre estas duas opções, quando Pio XII quis afastar o risco galicano versão anos 50, nomeou bispos de personalidade vaga (que depois acreditariam seriamente que o Vaticano II, dinamizado por Maio de 68, era um novo Pentecostes!).
  • Finalmente, a pergunta das perguntas se refere à vontade política da Cúria favorável ao Motu Proprio (que não é toda a Cúria, infelizmente): os altos responsáveis da Cúria de Bento XVI querem realmente a sua aplicação?
Portas que não se fecharão novamente
Não se trata aqui de abrir as questões dos mais espantosos fracassos do Motu Proprio na França. Abordamos, aliás, de uma maneira ou de outra, um certo número delas. Seria longa a lista de paróquias onde a existência de um grupo é incontestável, onde seu pedido foi feito, primeiramente ao pároco, tendo sido posteriormente levado ao bispo, para por último subir para a Comissão Pontifícia. Com quais possibilidades de sua parte?
Sabemos bem que as dificuldades contextuais são imensas: frequentemente os bispos envolvidos podem alegar que concederam outras missas, em outros locais; e além do mais estes bispos não são os mais “progressistas” da Conferência Episcopal; e ademais muitas outras coisas ainda. Mas o artigo 5º do Motu Proprio não determina que “[e]m paróquias onde um grupo de fiéis aderidos à prévia tradição litúrgica existe de maneira estável, que o pároco aceite seus pedidos para a celebração da Santa Missa de acordo ao rito do Missal Romano publicado em 1962”? Summorum Pontificum, artigo 5º, não estabelece “exceto se o’ bispo designar um padre para celebrar esta missa em sua diocese”; “salvo se uma comunidade Ecclesia Dei assegurar a celebração da forma extraordinária uma outro lugar”; “salvo se o bispo tiver títulos tais que o faça acima da lei”; “salvo se, etc.”. No artigo 5º está dito: “[e]m paróquias onde um grupo de fiéis aderidos à prévia tradição litúrgica existe de maneira estável, que o pároco aceite seus pedidos para a celebração da Santa Missa de acordo ao rito do Missal Romano publicado em 1962”. Ponto. E acrescenta (artigo 7º): se o grupo não for atendido, que apele a Roma.
Resulta que a Comissão Ecclesia Dei é um dos órgãos da Santa Sé mais bem diposto e mais bem composto, sob a hégide de seu Secretário, para uma sólida retomadadoutrinal e litúrgica. Mas segundo a ordem de qualquer governo, uma engrenagem de nível inferior, para simplesmente conservar a sua credibilidade, não pode, de seu nível, se expôr se não tiver a garantia de estar encoberto por seus superiores; não tem poder senão na medida do querer deles.
Que nos entendam bem: nós apenas constatamos uma situação, como leigos pós-Vaticano II que somos, aos quais se concedeu a palavra (e que por vezes pensam, aliás, que os leigos de antes do Vaticano II, supostamente menos “adultos” que nós, eram, no fim das contas, mais respeitados). Ao dizê-lo, sobretudo,não gostaríamos de parecer pessimistas, muito pelo contrário. Todos sabem que nosso papel de leigos engajados é de tocar alguns alarmes, falar e revelar, de pregar, oportuna ou importunamente, para o regresso à verdadeira e frutuosa paz litúrgica nas nossas paróquias.
Nos tempos de deserto da fé e da prática para a Igreja do Ocidente, e para a Igreja da França em particular, nas quaisavançamoscada dia mais, aquilo que se pode chamar de “catolicismo do Motu Proprio”, com seus padres especializados ou não, seus fiéis, grupos, escotismo, comunidades religiosas tradicionais ou re-tradicionalizadas, paróquias tridentinas ou bi-formalistas ou reforma da reforma, escolas, vocações, representa em seu conjunto um peso ainda mais considerável (= devendo ser considerado). Épena, em certo sentido, porque este peso de um mundo tradicional, em sentido amplo, é totalmente ligado àquele global de um catolicismo que desaparece!
Neste contexto, o Motu Proprio surge como um ato bem mais liberatório que coercitivo (ainda que estabeleça um direito, quese poderia,portanto,defender diante de tribunais eclesiásticos). Na era do pós-concílio, este é o único meio de ação que os “restauradores” acreditam poder empregar. Logo, concretamente, Summorum Pontificum tem por efeito principal, e verdadeiramente providencial, o  abrir as portas da liberdade à liturgia tradicional oprimida pela reforma de Bugnini. Não cessamos e não cessaremos de render graças ao Santo Padre. Se lamentamos que a sua aplicação não éaquela que poderia ser, sabemos também –e os bispos da França que irão a Roma o sabem tão bem quanto nós — que estas portas não poderão jamais ser fechadas novamente, e que muitos padres, muitos seminaristas, já passaram por elas, dando portanto a segurança de que a antiga liturgia da Igreja de Roma não morrerá jamais.

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