quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Ritos e usos não-romanos: uma pequena amostra do que está por vir, o risco de um retorno à mentalidade “indulto”.



Anteontem, em um post antigo, e ontem, fomos (injustamente) acusados de alarmismo porque tentamos alertar nossos leitores de que a instrução de esclarecimento do motu proprio Summorum Pontificum (doravante “a instrução”) foi, ao menos em seu último rascunho, reescrita de uma maneira inesperada e injustificavelmente restritiva. Inesperadamente, porque desde as primeiras notícias sobre a instrução, em Agosto-Outubro de 2007, ela sempre foi vista, e apresentada por várias fontes vaticanas, como um instrumento para ampliar a aplicação de Summorum Pontificum e destruir as barreiras colocadas por diversos bispos sobre os amplos direitos reconhecidos por aquele texto. Injustificavelmente, porque, se Summorum Pontificum precisa de algo é de uma garantia mais sólida de sua aplicação, e não de um aumento de dificuldades.
“Onde estão os textos deste rascunho da instrução?”, questionaram alguns. “Tudo isso é um tanto vago”, afirmaram outros. E pelo menos uma matéria simplesmente negou qualquer dessas intenções na instrução. Nós apenas podemos agradecer àqueles amigos que, embora discretamente, confirmaram por outros meios o que nossas fontes nos contaram:
O texto do rascunho ainda pode ser alterado; as intenções gerais restritivas, no entanto, não podem ser negadas. Juntos com Messa in Latino, podemos acrescentar o seguinte:
Tomamos conhecimento, até o presente momento, de, ao menos, dois pontos relevantes da Instrução. Ambos não devem ser vistos como menores, já que são indicativos de um tom geralmente restritivo do texto. Por vários motivos, e porque é necessário tempo para digerir notícias desconcertantes, apenas o primeiro ponto será tratado neste post. E é este: no rascunho atual, a Instrução definitivamente “esclarece” que o motu proprio Summorum Pontificum é aplicado exclusivamente ao Rito Romano, na mais estrita interpretação do termo. Portanto, não o é para Ritos Latinos não-romanos: os claramente minoritários e mesmo esquecidos ritos Moçárabe, de Braga ou de Sarum. Mas a regra se aplicaria também aos não pouco religiosos que tentaram redescobrir seus ritos ou usos tradicionais: Dominicanos e Carmelitas [ndr: no Brasil, temos o  trabalho do mosteiro carmelita de Atibaia, SP]  em particular, mas também Cartuxos, Norbertinos… O surpreendente é que a extensão do espírito do motu proprio para outros ritos e usos ocidentais sempre foi presumida, e a resposta oficial de que ele não se aplicaria aos usos religiosos, demandando um adequado esclarecimento, foi, de fato, uma das próprias causas da instrução. Essa regra restritiva, em particular (e pareceria, portanto, planejada, considerando as complicações da Igreja na Itália), excluiria a aplicação do motu proprio à liturgia tradicional da maior diocese do Velho Mundo, e a terceira com mais Católicos no mundo: Milão. Excluindo os territórios de Rito Romano, o motu proprio seria nulo na Arquidiocese e em regiões Ambrosianas da Diocese de Lugano, Suíça. Para mais de cinco milhões de Católicos daquela região, e para padres religiosos dedicados a seus ritos e usos, as regras a serem aplicadas não seriam as de Summorum Pontificum (a liturgia tradicional enquanto direito de padres e grupos de fiéis), mas apenas privilégios e concessões tipo-Ecclesia Dei, concedidos pelas autoridades litúrgicas da Arquidiocese (no caso de Milão) e Superiores (no caso das ordens). Por que tal restrição? Em termos legais, nada parece demandá-la: o texto de Summorum Pontificum é suficientemente ambígüo para que possa ser interpretado das duas maneiras, mesmo que faça referência ao uso do Missal Romano, Breviário, e Rito, e normas restritivas são, em geral, aplicadas de maneira limitada (odiosa limitanda, favorabilia amplianda). Além disso, tal norma contradiria abertamente a resposta oficial da Comissão Pontifícia ‘Ecclesia Dei’ (no caso de uma aplicação aberta de Summorum Pontificum ao Rito Ambrosiano, veja aqui) O primeiro ponto principal da instrução tem, logo, uma clara intenção repressiva e punitiva. Seu sentido seria extremamente perigoso: de que as liturgias tradicionais do Ocidente, em vez de encorajadas (como a letra do motu proprio deixa claro), devem ser refreadas, reguladas, oprimidas. Não uma clara declaração de direitos, mas uma rede burocrática de privilégios limitados e concessões: esse pequeno exemplo parece marcar o novo tom geral a respeito da liturgia tradicional.

http://fratresinunum.com/2011/02/17/ritos-e-usos-nao-romanos-uma-pequena-amostra-do-que-esta-por-vir-o-risco-de-um-retorno-a-mentalidade-indulto/

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...