Fonte: Messa in Latino

http://fratresinunum.com/2011/02/07/sensus-fidei-e-o-espirito-de-assis/
Tradução: Fratres in Unum.com
O pedido de alguns católicos italianos a Bento XVI para que não vá a Assis, em outubro próximo, suscitou um acalorado debate em que, juntamente com avaliações até mesmo abalizadas, não faltaram, como esperado, críticas e perplexidades. Parece-me inútil responder às acusações de progressistas, que vêem nesse evento uma ocasião para relançar um ecumenismo sincretista: tais críticas são, na realidade, a melhor confirmação de que nosso apelo era oportuno. Considerado necessário, por sua vez, responder às críticas de setores conservadores, movidas por irmãos na fé que têm, presume-se, o mesmo amor à Igreja.
Tais críticas podem ser resumidas nestes termos: o Encontro de Assis anunciado por Bento XVI pode até mesmo não agradar; todavia, não se pode criticar um Papa por aquilo que fez (João Paulo II, em 1986) ou por aquilo que tem intenção de fazer (Bento XVI, em 2011), pretendendo explicar aquilo que é bom para a Igreja. Dos fiéis, sobretudo dos leigos, exige-se um assentimento religioso a toda iniciativa e decisão do Sumo Pontífice.
A resposta a esta crítica nos vem do Catecismo, da tradição teológica, da história da Igreja e do magistério pontifício. O Catecismo nos ensina que o sacramento do Batismo nos incorpora à Igreja, fazendo-nos participantes de sua missão (n. 1213) e que a Confirmação obriga a todos os batizados a “difundir e a defender a fé, com palavras e obras, como verdadeiras testemunhas de Cristo” (n. 1285). A promessa da divina assistência do Espírito Santo, muitas vezes repetida pelo Senhor aos Apóstolos (cf. Jo 14, 16-17, 26-26), não se manifesta apenas através do Magistério, mas também através do consenso do “universitas fidelium”, como explicaram contra os protestantes o grande teólogo dominicano Melchior Cano em De Locis theologicis e São Roberto Belarmino em De Ecclesia Militante. Os sucessivos teólogos têm feito distinção entre a infallibilitas in docendo e a infallibilitas in credendo da Igreja, esta última baseada sobre o senso da fé, isto é, sobre a capacidade do fiel de discernir aquilo que é conforme a fé do que não o é, não pela via do raciocínio teológico, mas por uma espécie de conhecimento por conaturalidade. A virtude da fé (habitus fidei), recebida com o Batismo, na realidade, explica Santo Tomás de Aquino, produz uma conaturalidade do espírito humano com os mistérios revelados, de modo que faz com que o intelecto de cada batizado seja, como que por instinto, impulsionado para as verdades sobrenaturais e aderido a elas.
Ao longo da história da Igreja, o sensus fidei dos simples fiéis esteve muitas vezes mais conforme à Tradiçao Apostólica do que o dos Pastores, como ocorreu durante a crise ariana do século IV, quando a fé foi mantida por uma minoria de santos e bispos imbatíveis, como Atanásio, Hilário de Poitiers, Eusébio de Vercelli e, sobretudo, pelo povo fiel, que não acompanhavam a crítica teológica, mas conservavam, por simples instinto sobrenatural, a sã doutrina. O Beato Newman escreve que “naquele tempo de imensa confusão, o sagrado dogma da divindade de Nosso Senhor foi proclamado, infundido, conservado e (humanamente falando) preservado muito mais pela Ecclesia docta do que pela Ecclesia docens“.
O papel de cada batizado na história da Igreja foi recordado por Bento XVI em seu discurso de 26 de janeiro de 2011, em que o Papa recordou a missão de “duas jovens mulheres do povo, leigas e consagradas à virgindade; duas místicas empenhadas, não no claustro, mas no meio da realidade mais dramática da Igreja e do mundo de seu tempo”. São Santa Catarina de Sena e Santa Joana D’Arc, “quiçá as figuras mais característica daquelas ‘mulheres fortes’ que, ao final da Idade Média, levaram sem medo a grande luz do Evangelho nos complexos acontecimentos da história. Poderíamos compará-las às santas mulheres que permaneceram no Calvário, próximas a Jesus crucificado e a Maria sua mãe, enquanto os Apóstolos tinham fugido e o próprio Pedro havia negado três vezes”. A Igreja naquele período vivia a profunda crise do grande cisma do Ocidente, que durou quase 40 anos. Naquela época, tão dramática quanto à da crise ariana, as duas santas foram guiadas pela luz da Fé mais do ocorria aos teólogos e eclesiásticos da época, e o Papa aplica às duas leigas a palavra de Jesus, segundo a qual os mistérios de Deus são revelados aos que têm o coração dos pequenos, enquanto mantêm-se escondidos aos doutos e sábios que não têm a humildade (cfr. Lc. 10, 21).
É neste espírito que expressamos toda a nossa perplexidade e reserva diante do encontro inter-confessional de Assis, de 27 de outubro de 1986, que não foi um ato magisterial, mas um gesto simbólico, cuja mensagem vem transmitida não por escritos ou palavras, mas pelo fato mesmo e por sua imagem. Um semanário italiano resumiu, então, seu significado com a palavra do Padre Marie-Dominique Chenu: “É a rejeição oficial do axioma que outrora foi ensinado: fora da Igreja não há salvação” (“Panorama”, 02 de novembro de 1986). Eu estava em Assis naquele dia e tenho uma documentação fotográfica de tudo que ocorreu, por exemplo, na igreja de San Pietro, onde, na presença do Santíssimo Sacramento, uma pequena estátua de Buda foi entronizada no altar que guarda as relíquias do mártir Vittorino, enquanto em uma faixa colocada diante do mesmo altar se lia: “Me dedico à lei de Buda”. Como católico, tive e continuo a ter repugnância por esse evento, que não merecia, em minha opinião, ser recordado, mas, antes, merecia distância. Estou certo que Bento XVI não tem nenhuma intenção de que se repitam os abusos daquela época, mas vivemos em uma sociedade midiática e o novo encontro de Assis corre o risco de ter o mesmo significado que foi atribuído, primeiramente pelos meios de comunicação, e conseqüentemente, pelos meios de opinião pública mundial, como já está ocorrendo.
Hoje vivemos uma época dramática em que todo batizado deve ter a coragem sobrenatural e franqueza apostólica de defender em voz alta sua própria fé, seguindo o exemplo dos santos e sem se deixar influenciar pela “razão política”, como muito freqüentemente ocorre no campo eclesiástico. Essa é a consciência da nossa fé e nenhuma outra consideração que nos impulsionou a rejeitar Assis I e a exprimir ao Santo Padre, com reverente respeito, todas as nossas preocupações diante do anúncio de um futuro Assis III.
Roberto de Matteihttp://fratresinunum.com/2011/02/07/sensus-fidei-e-o-espirito-de-assis/

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