Era uma vez um padre diocesano que, cansado do modernismo pós-conciliar, decide não mais celebrar a Missa de Paulo VI; quer celebrar somente a Missa de Sempre; nunca mais promover as famigeradas Campanhas da Fraternidade, impregnadas de marxismo, ecologismo e paganismo; quer administrar todos os sacramentos no Rito Antigo, além de viver em comum com sacerdotes imbuídos do mesmo espírito, em um ambiente verdadeiramente católico. Está simplesmente farto dos assim-chamados retiros do clero, onde a proximidade de bares e diversões noturnas são a garantia de freqüência para muitos. Afinal de contas, os padres precisam se confraternizar e relaxar após um dia exaustivo de reflexões profundas.
Então, esse sacerdote escreve uma longa carta ao seu arcebispo explicando sua decisão de ingressar na Fraternidade São Pio X; expõe todos os motivos de sua tomada decisão e narra verdadeiros escândalos ocorridos no seminário arquidiocesano e no início de carreira.
Suas malas estão prontas. Ele está resoluto. Quer voar para o maior seminário tradicionalista da América Latina e lá começar vida nova em defesa da Tradição da Igreja. Passará por um rigoroso período de treinamento e purificação.
Inconformado com tal atitude, o paternal arcebispo chama-o para uma reunião. Implora-lhe que fique na Arquidiocese, pois não pode perder padres piedosos como ele, concorda com a situação trágica de modernismo narrada na carta, oferece-lhe uma Paróquia Pessoal exclusiva para o Rito Tradicional, permite-lhe que administre todos os sacramentos no rito antigo, dispensa-o de participar ou promover as Campanhas da Fraternidade, diz sim a todas as suas demandas, que não são poucas. O jovem sacerdote se entusiasma. Não estava preparado para ouvir tudo aquilo. Pensava apenas que ouviria “Seja feliz, au revoir!” Seu coração se enche de esperança e agitação. Pensa nos inúmeros fiéis tradicionais de sua cidade que sempre sonharam com a Missa de Sempre dita todos os dias. Como recusar uma atitude tão paternal? Como deixar os fiéis a ver navios se todas as suas “exigências” haviam sido satisfeitas?
O jovem padre sai do gabinete pisando nas nuvens. Está eufórico. Em poucas horas sua decisão fora posta abaixo por um gesto extremamente paternal e inédito. Isso abriria um precedente para outros padres e outras dioceses.
“Não, vá. É fria”, dizem alguns. “Não posso recusar” – diz o inocente sacerdote – “nunca se ouviu falar em uma tal proposta em todos esses anos de luta pela Tradição” – responde o padre.
Um padre substituto é imediatamente alocado para a sua paróquia atual. Felizmente! Menos um problema. Agora o jovem sacerdote sente que a primeira dificuldade fora vencida, pois arranjar um substituto para a sua paróquia era o grande empecilho para a criação da Paróquia Pessoal. “Que maravilha!”, pensa o substituto. Depois de tantos anos de dedicação, finalmente, terei o meu próprio rebanho. Tudo se encaixa perfeitamente.
Uma segunda reunião é marcada poucos dias depois da primeira para a concretização dos acertos. Desta vez, um jovem bispo auxiliar recém ordenado é o encarregado das ‘negociações’.
Problema – não há mais uma Paróquia Pessoal disponível no momento. Não se pode alocar uma igreja inteira para o Rito Antigo de uma hora para outra. “Por ora ficarás com uma pequena igreja de irmandade no centro da cidade, de segunda à sexta, e sábados e domingos celebrarás a Santa Missa na majestosa igreja imperial”. Vamos ver como as coisas funcionam. Possivelmente no futuro poderemos alocar uma igreja própria. Queremos antes ver se haverá fiéis suficientes.
“Como assim?!”, pensou o jovem padre. Não foi exatamente isso que senhor arcebispo lhe prometera e afirmara. Engoliu em seco. Seu estomago deu cambalhotas. Mas fazer o quê? Afinal, não era sempre assim que as coisas funcionavam? Bom, talvez valesse à pena o esforço, pois todo começo é difícil.
“Não se preocupe. Lá na irmandade você será o capelão, poderá administrar todos os sacramentos no rito antigo, rezar o seu breviário em latim e cuidar de tudo. Você será o responsável na irmandade!”. Isso era algo verdadeiramente inédito. Uma igreja de irmandade tradicional, dirigida por um sacerdote! A notícia alvissareira precisava ser divulgada na Internet! E assim foi feito, com a sua autorização.
“E como fazer com as missas de domingos já celebradas por outros padres de fora nessa mesma igreja?”, indaga. “Não se preocupe, meu filho. Cuidaremos de tudo isso. Enviaremos uma notificação para eles. Por que vamos recorrer a padres de fora se temos padres nossos que podem celebrar a missa no rito antigo? Você não precisa se preocupar com essa parte.”
Primeiro dia na irmandade
Um salto da cama e o coração aos pulos. Seu pai o leva de carro, pois os inúmeros paramentos e objetos litúrgicos não comportam a viagem de trem lotado do subúrbio até o centro da cidade. Sim, agora teria uma igreja tradicional de verdade para administrar. Nada mal.
Carro estacionado, material levado para a igrejinha. Vamos agora conhecer os funcionários. Emoção e receio. E o que acontece? Surpreendentemente já havia duas missas novas diárias na igreja, uma às 8h (na verdade, uma “Celebração da Palavra”, visto que era “celebrada” por um diácono) e outra às 12:30h. “O senhor poderá celebrar missa em latim às 10h, padre”, sugere a funcionária responsável.
“Como assim?”, indaga-se. Ao que parece a irmandade não recebera nenhum comunicado oficial da arquidiocese para repassar o comando da igreja para as suas mãos.
E o dinheiro exorbitante do estacionamento? Fala sobre isso com o funcionário da irmandade na vã esperança de ser reembolsado. “Infelizmente, não temos dinheiro, prezado padre. Nossa irmandade é pobre, passamos por dificuldades financeiras!”
Enfim, literalmente, estava pagando para celebrar missa!
E mais, não havia sinal de espórtulas, mas tão somente a possibilidade de celebrar missa diariamente, pois afinal o arcebispo o designara para tal. Ali ele poderia celebrar a sua missa antiga sossegadamente.
Segundo dia
A mesma situação se repete. Agora uma informação adicional – a pequena igreja fecha impreterivelmente às 15h e ninguém pode ficar com as chaves para o atendimento dos fiéis trabalhadores ao final do expediente. Nada mudaria. A Irmandade continuaria sendo a detentora e guardiã das celebrações, das chaves e de tudo o mais. Sua função lá seria apenas a de mais um “celebrante de missa”, nada parecido com uma ‘capelania’. Sentia-se engambelado por “quem de direito”.
Mas e as celebrações nos finais de semana na igreja imperial? Ah, quanta inocência! Tudo como antes no quartel de Abrantes. Só havia uma decisão a tomar e precisava ser tomada já.
Vôo para a liberdade
Fiéis o procuram, querem saber o seu paradeiro, desejam apoiá-lo e saber em que pé estão as coisas. Alguns ligam para o seu celular sem êxito.
Tarde demais, o vôo para a liberdade já fora empreendido. Provavelmente, a estas horas o jovem padre já estará rezando o seu Breviário em latim enquanto caminha pelos jardins de sua nova residência, cercado dos passos entusiasmados de seus novos companheiros e, quem sabe, ouvindo ao fundo um coral de seminaristas ensaiando um Atende Dómine ou sentindo o aroma gentil da refeição vespertina.
“Tenemos un otro brasileño! Que bueno!”
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Nosso blog acompanhou de perto todos os acontecimentos das últimas semanas.
Primeiro, aqui mesmo, no dia 5 de fevereiro, Pe. Leonardo Holtz anunciou sua ida para a Fraternidade São Pio X.
Posteriormente, o reverendíssimo sacerdote autorizou que este site anunciasse o início de um projeto de uma paróquia pessoal, após sua reunião com Dom Orani João Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro.Vendo a impossibilidade de tornar real aquilo que lhe fora prometido, Padre Leonardo Holtz ingressou na Fraternidade Sacerdotal São Pio X e está, hoje, no seminário de La Reja, para um período de estudos.
Trata-se de uma nova, entre muitas, provas de tudo aquilo que já dissemos outrora sobre todo um sistema modernista que corta já na raiz qualquer iniciativa de mera sobrevivência (e quanto mais uma vida católica plena!) da Tradição Católica nas dioceses.
Ao esperar por dias melhores, desejamos ao caro Padre Leonardo que encontre em seu novo apostolado toda a estabilidade e o ambiente propício para o exercício de seu ministério. Para a maior glória de Deus e salvação das almas!