O enunciado da doutrina cristã sofreu uma grande influência da meditação grega, distinguindo-se claramente dos textos acrescentados à Bíblia. Os documentos iniciais, que passaram a constituir o Novo Testamento, seguiram a linha do Velho Testamento.
São testemunhos da presença do Filho de Deus no mundo, acompanhados de relatos dedicados às primeiras comunidades. As Epístolas do grandes Apóstolos incitam à conversão. Sobressai a mensagem de amor ao próximo como a si mesmo e a afirmação peremptória de que a Mensagem não se dirige apenas ao povo eleito mas ao comum dos mortais.
Contudo, na medida em que o cristianismo teve que enfrentar doutrinas que se contrapunham diretamente aos seus ensinamentos – a exemplo do maniqueísmo que, objetivamente, equiparava o Bem ao Mal na medida em que seriam ambos princípios constitutivos –, a forma de exposição teve que assumir outra feição. Nessa circunstância, os pensadores cristãos, a exemplo de Santo Agostinho, tiveram que recorrer ao método grego, que se destinava justamente a facultar a precisão conceitual. Surgiu assim uma disciplina que seria denominada de teologia e que acabou, durante a Idade Média, tornando-se o ápice do saber.
A teologia ocupou-se de temas desta índole: provas da existência de Deus; atributos da divindade e transformação dos mistérios da fé (os milagres; a eucaristia, etc.) em proposições racionais. Ao arrepio da ética aristotélica, em que supostamente se baseava, interessada na felicidade terrena, afirmou-se que a suprema felicidade do homem residiria na contemplação de Deus após a morte. A esse tipo de preocupação acresce a diversidade de interpretações do texto bíblico, com a emergência da Reforma Protestante.
A situação esquematicamente descrita explica o surgimento, no século XVIII, de uma corrente de pensamento empenhada em constituir uma religião puramente racional, que veio a ser denominada de religião natural. Esse movimento mobilizou figuras que, sem favor, correspondem aos maiores pensadores do Ocidente, como David Hume ou Emmanuel Kant, e esvaziou a religião de seu sentido próprio, reduzindo sua missão ao exclusivo plano da moralidade. Novo passo , empreendido no século seguinte (XIX), com intensa repercussão no século XX, consistiu em difundir a idéia de que a religião não passaria de uma invenção surgida mais das vezes com objetivos inconfessáveis. Seria o caso de Carlos Marx ao classificá-la como ópio do povo a serviço de sua dominação.
Em meio a esse quadro iria surgir uma proposta inteiramente renovadora, baseada na investigação do que efetivamente constituiria a experiência religiosa. Os resultados são deveras espantosos e convincentes. Em síntese, a religião é uma estrutura constitutiva da pessoa humana; diz muito sobre o homem ainda que nada esclareça quanto à divindade. Quem quer que se disponha a ignorar o papel que o culto do sagrado representa, na formação da personalidade, acabará por colocá-lo numa outra esfera da vida humana, mais das vezes com graves consequências. A postura niilista de combatê-la ou negá-la, como vimos no próprio século XX e ainda no presente, acarreta um vazio cujo preenchimento quase sempre leva à destrutividade gratuita.
Como em geral acontece na existência humana, a simples descoberta de que o homem não deve sufocar a livre expressão de sua religiosidade não fez desaparecer no Ocidente o desinteresse pela religião. Mas serve para explicar, de um lado, que não se haja confirmado o prognóstico de seu desaparecimento e tenhamos em nosso tempo presenciado expressões
concretas da força e do prestígio da religião protestante nos Estados Unidos, como igualmente as espetaculares mobilizações populares obtidas por João Paulo II, inclusive entre os jovens.
E, mais espantoso que tudo, ainda que não se refira ao Ocidente, é a transformação da Igreja Ortodoxa Russa na instituição com maior prestígio na sociedade, depois de setenta anos não só de sistemática difusão do ateísmo mas sobretudo de perseguição implacável a todas as formas de manifestação religiosa.
Por tudo isto, o estudo da religião é parte relevante da formação humanista, o que esperamos evidenciar nesta parte do Curso de Humanidades, ao tema dedicado.
Nessa análise cumpre distinguir, do aspecto antes destacado – isto é, a religião como objeto de estudo – o que seriam tanto a própria vivência religiosa (individual) dos ensinamentos proporcionados pelos grandes mestres do cristianismo. Quanto ao último aspecto, vamos considerar aqui, além das imprescindíveis indicações de caráter histórico, o que poderia ser definido como doutrina da espiritualidade cristã.
O caráter distintivo da espiritualidade cristã acha-se expresso nos Evangelhos e nas Epístolas dos Apóstolos, e, em geral, no que contém o Novo Testamento, com maior destaque para São Paulo, considerado o primeiro formatador da doutrina cristã. Santo Agostinho seguiu-lhe rigorosamente os passos, razão pela qual tornar-se-ia o grande mestre de espiritualidade. A Reforma não afetou nem poderia afetar esse patrimônio.
A par da doutrina da espiritualidade, o cristianismo produziu uma teologia e uma filosofia. Aqui situam-se as divergências. Para os católicos, o grande teólogo é São Tomás de Aquino, enquanto os protestantes preferem os próprios mestres como Lutero ou Calvino. No que se refere á filosofia, os protestantes nunca se preocuparam em elaborar doutrina própria.
Os católicos, por sua vez, tornaram o tomismo doutrina oficial no Concílio Vaticano Primeiro e, sobretudo em grande parte do século XX, desenvolveram nesse particular uma grande atividade. Presentemente, Roma não mais aposta numa filosofia oficial.
Os dois últimos aspectos – teologia e filosofia – não se inserem na pauta selecionada para estudo nesta oportunidade.
Contudo, na medida em que o cristianismo teve que enfrentar doutrinas que se contrapunham diretamente aos seus ensinamentos – a exemplo do maniqueísmo que, objetivamente, equiparava o Bem ao Mal na medida em que seriam ambos princípios constitutivos –, a forma de exposição teve que assumir outra feição. Nessa circunstância, os pensadores cristãos, a exemplo de Santo Agostinho, tiveram que recorrer ao método grego, que se destinava justamente a facultar a precisão conceitual. Surgiu assim uma disciplina que seria denominada de teologia e que acabou, durante a Idade Média, tornando-se o ápice do saber.
A teologia ocupou-se de temas desta índole: provas da existência de Deus; atributos da divindade e transformação dos mistérios da fé (os milagres; a eucaristia, etc.) em proposições racionais. Ao arrepio da ética aristotélica, em que supostamente se baseava, interessada na felicidade terrena, afirmou-se que a suprema felicidade do homem residiria na contemplação de Deus após a morte. A esse tipo de preocupação acresce a diversidade de interpretações do texto bíblico, com a emergência da Reforma Protestante.
A situação esquematicamente descrita explica o surgimento, no século XVIII, de uma corrente de pensamento empenhada em constituir uma religião puramente racional, que veio a ser denominada de religião natural. Esse movimento mobilizou figuras que, sem favor, correspondem aos maiores pensadores do Ocidente, como David Hume ou Emmanuel Kant, e esvaziou a religião de seu sentido próprio, reduzindo sua missão ao exclusivo plano da moralidade. Novo passo , empreendido no século seguinte (XIX), com intensa repercussão no século XX, consistiu em difundir a idéia de que a religião não passaria de uma invenção surgida mais das vezes com objetivos inconfessáveis. Seria o caso de Carlos Marx ao classificá-la como ópio do povo a serviço de sua dominação.
Em meio a esse quadro iria surgir uma proposta inteiramente renovadora, baseada na investigação do que efetivamente constituiria a experiência religiosa. Os resultados são deveras espantosos e convincentes. Em síntese, a religião é uma estrutura constitutiva da pessoa humana; diz muito sobre o homem ainda que nada esclareça quanto à divindade. Quem quer que se disponha a ignorar o papel que o culto do sagrado representa, na formação da personalidade, acabará por colocá-lo numa outra esfera da vida humana, mais das vezes com graves consequências. A postura niilista de combatê-la ou negá-la, como vimos no próprio século XX e ainda no presente, acarreta um vazio cujo preenchimento quase sempre leva à destrutividade gratuita.
Como em geral acontece na existência humana, a simples descoberta de que o homem não deve sufocar a livre expressão de sua religiosidade não fez desaparecer no Ocidente o desinteresse pela religião. Mas serve para explicar, de um lado, que não se haja confirmado o prognóstico de seu desaparecimento e tenhamos em nosso tempo presenciado expressões
concretas da força e do prestígio da religião protestante nos Estados Unidos, como igualmente as espetaculares mobilizações populares obtidas por João Paulo II, inclusive entre os jovens.
E, mais espantoso que tudo, ainda que não se refira ao Ocidente, é a transformação da Igreja Ortodoxa Russa na instituição com maior prestígio na sociedade, depois de setenta anos não só de sistemática difusão do ateísmo mas sobretudo de perseguição implacável a todas as formas de manifestação religiosa.
Por tudo isto, o estudo da religião é parte relevante da formação humanista, o que esperamos evidenciar nesta parte do Curso de Humanidades, ao tema dedicado.
Nessa análise cumpre distinguir, do aspecto antes destacado – isto é, a religião como objeto de estudo – o que seriam tanto a própria vivência religiosa (individual) dos ensinamentos proporcionados pelos grandes mestres do cristianismo. Quanto ao último aspecto, vamos considerar aqui, além das imprescindíveis indicações de caráter histórico, o que poderia ser definido como doutrina da espiritualidade cristã.
O caráter distintivo da espiritualidade cristã acha-se expresso nos Evangelhos e nas Epístolas dos Apóstolos, e, em geral, no que contém o Novo Testamento, com maior destaque para São Paulo, considerado o primeiro formatador da doutrina cristã. Santo Agostinho seguiu-lhe rigorosamente os passos, razão pela qual tornar-se-ia o grande mestre de espiritualidade. A Reforma não afetou nem poderia afetar esse patrimônio.
A par da doutrina da espiritualidade, o cristianismo produziu uma teologia e uma filosofia. Aqui situam-se as divergências. Para os católicos, o grande teólogo é São Tomás de Aquino, enquanto os protestantes preferem os próprios mestres como Lutero ou Calvino. No que se refere á filosofia, os protestantes nunca se preocuparam em elaborar doutrina própria.
Os católicos, por sua vez, tornaram o tomismo doutrina oficial no Concílio Vaticano Primeiro e, sobretudo em grande parte do século XX, desenvolveram nesse particular uma grande atividade. Presentemente, Roma não mais aposta numa filosofia oficial.
Os dois últimos aspectos – teologia e filosofia – não se inserem na pauta selecionada para estudo nesta oportunidade.
I. REVALORIZAÇÃO DA RELIGIÃO COMO
ESTRUTURA CONSTITUTIVA DO HOMEM
Resumo
Nas Épocas Moderna e Contemporânea a religião foi submetida à análise do racionalismo. O impulso para fazê-lo tinha motivação moral, devido ao fato de ter a Reforma Protestante evidenciado que a Igreja Católica ignorara um dos mandamentos da Lei de Deus; tornados conhecidos através de Moisés, aquele que proibia a adoração de imagens. Temia-se que a circunstância pudesse abalar o consagrado código moral do Ocidente.
Concebeu-se então uma religião racional – batizada de natural – que seria o substrato último das religiões católica e protestante. Tal emprenho racionalizador terminou por reduzir a Igreja a uma instituição devotada à moral.
Seguiu-se, no século XIX, a pura e simples negação da religião. Seria o ópio do povo, para Carlos Marx; a imagem mitológica das estruturas sociais, para a nascente sociologia (Durkheim) ou que Deus não passaria de versão ampliada da imagem do pai, produzida inconscientemente, num desejo infantil de proteção (Freud).
A reação ocorreria no século XX, ainda que tenha sido justamente nesse século que a negação frontal da religião encontraria maior número de adeptos, inclusive ensejando o surgimento de um império, o soviético, devotado ao culto do ateísmo.
Nos Estados Unidos, o aprofundamento do conceito de experiência, posto em circulação pelo empirismo inglês, levou ao estudo sem preconceitos da experiência mística. Nessa investigação, William James descobriu critério para aferir, sem contestação, se se tratava de simples mistificação.
Outro passo importante no sentido da adequada compreensão do fenômeno religioso seria dado pelo neokantiano alemão Rudolf Otto. Em continuação, no segundo pós-guerra, as contribuições de Mircea Eliade.
Agora estamos em condições de compreender que o culto do sagrado é uma dimensão constitutiva do homem. Ignora-lo é correr o risco de deslocar aquele culto para uma outra esfera da vida humana, mais das vezes com conseqüências não só imprevisíveis como indesejadas ou indesejáveis.
ESTRUTURA CONSTITUTIVA DO HOMEM
Resumo
Nas Épocas Moderna e Contemporânea a religião foi submetida à análise do racionalismo. O impulso para fazê-lo tinha motivação moral, devido ao fato de ter a Reforma Protestante evidenciado que a Igreja Católica ignorara um dos mandamentos da Lei de Deus; tornados conhecidos através de Moisés, aquele que proibia a adoração de imagens. Temia-se que a circunstância pudesse abalar o consagrado código moral do Ocidente.
Concebeu-se então uma religião racional – batizada de natural – que seria o substrato último das religiões católica e protestante. Tal emprenho racionalizador terminou por reduzir a Igreja a uma instituição devotada à moral.
Seguiu-se, no século XIX, a pura e simples negação da religião. Seria o ópio do povo, para Carlos Marx; a imagem mitológica das estruturas sociais, para a nascente sociologia (Durkheim) ou que Deus não passaria de versão ampliada da imagem do pai, produzida inconscientemente, num desejo infantil de proteção (Freud).
A reação ocorreria no século XX, ainda que tenha sido justamente nesse século que a negação frontal da religião encontraria maior número de adeptos, inclusive ensejando o surgimento de um império, o soviético, devotado ao culto do ateísmo.
Nos Estados Unidos, o aprofundamento do conceito de experiência, posto em circulação pelo empirismo inglês, levou ao estudo sem preconceitos da experiência mística. Nessa investigação, William James descobriu critério para aferir, sem contestação, se se tratava de simples mistificação.
Outro passo importante no sentido da adequada compreensão do fenômeno religioso seria dado pelo neokantiano alemão Rudolf Otto. Em continuação, no segundo pós-guerra, as contribuições de Mircea Eliade.
Agora estamos em condições de compreender que o culto do sagrado é uma dimensão constitutiva do homem. Ignora-lo é correr o risco de deslocar aquele culto para uma outra esfera da vida humana, mais das vezes com conseqüências não só imprevisíveis como indesejadas ou indesejáveis.
II. O FENÔMENO PROFÉTICO NA PERSPECTIVA WEBERIANA
Resumo
Segundo o relato bíblico, Deus fez uma Aliança com o povo judeu, retirando-o do cativeiro do Egito e dispondo-o no local onde se implantou o Estado Judaico. Ocorre grande florescimento dessa comunidade, simbolizado na construção do Templo em Jerusalém, no reinado de Salomão (974-93'7 a.C.). Paralelamente forma-se em seu derredor um grande império (Assírio), ameaçador de sua independência. A ameaça consumar-se-ia dois séculos mais tarde.
Para aquelas populações formadas em torno da divindade, o mais plausível era aceitar que o Deus dos assírios (ou dos impérios que lhe sucederam) era mais poderoso que o Deus dos judeus, na medida em que os primeiros os derrotaram militarmente.
Numa circunstância destas é que apareceram os Profetas.
Como indicaria Max Weber: instaura-se um grande paradoxo. Os profetas não só justificam que Deus haja deixado de proteger aos judeus como avançam o prognóstico de calamidades ainda maiores, inclusive a escravidão.
Em conformidade com sua pregação, tudo se deve a que os judeus esqueceram a Aliança, entregaram-se à corrupção e ao culto de outras divindades. O judaísmo passa desde então a achar-se associado á idéia de que o homem é livre. Pode escolher esse ou aquele caminho. E arcar com as conseqüências.
Os Profetas atuaram a partir dos meados do século VIII antes de Cristo. As profecias preservadas na Bíblia não correspondem a textos escritos por seus autores mas a uma tradição oral que se preservou. Até hoje têm uma força notável, sendo fácil compreender o poder de convicção de que se revestiram em seu tempo.
Os Profetas situam a pregação em sua época e é justamente a partir da situação existente que fixam o enunciado que irão expressar. Sua mensagem é clara e incisiva: ao manifestar-se sobre a política externa, o primeiro grande profeta, Isaias, nega a eficácia de aliança com
algum vizinho para enfrentar a ameaça da Assíria. Ao invés disto, incumbe restaurar a fé em Javé, o único salvador. Sob ocupação da Babilônia (início do século VI) Ezequiel trata de dissuadir os judeus de que o castigo seria passageiro.
O tema central da profecia é a afirmação de que as calamidades em curso ou que se avizinham procedem diretamente de Javé.
De onde provém a ira divina? Para responder a essa pergunta os judeus devem olhar para si mesmos. Que fizeram da Aliança entre Javé e o povo de Israel, em presença de Moisés? Que fizeram do compromisso de adorar um único Deus?
A crítica é dura e implacável.
Por fim a Profecia insere a preservação da esperança na redenção. Reintroduzindo-se em sua fé, Israel experimentará. um novo ciclo de florescimento. Os Profetas mais tardios anunciam a vinda de um Salvador, que será o verdadeiro Messias.
Resumo
Segundo o relato bíblico, Deus fez uma Aliança com o povo judeu, retirando-o do cativeiro do Egito e dispondo-o no local onde se implantou o Estado Judaico. Ocorre grande florescimento dessa comunidade, simbolizado na construção do Templo em Jerusalém, no reinado de Salomão (974-93'7 a.C.). Paralelamente forma-se em seu derredor um grande império (Assírio), ameaçador de sua independência. A ameaça consumar-se-ia dois séculos mais tarde.
Para aquelas populações formadas em torno da divindade, o mais plausível era aceitar que o Deus dos assírios (ou dos impérios que lhe sucederam) era mais poderoso que o Deus dos judeus, na medida em que os primeiros os derrotaram militarmente.
Numa circunstância destas é que apareceram os Profetas.
Como indicaria Max Weber: instaura-se um grande paradoxo. Os profetas não só justificam que Deus haja deixado de proteger aos judeus como avançam o prognóstico de calamidades ainda maiores, inclusive a escravidão.
Em conformidade com sua pregação, tudo se deve a que os judeus esqueceram a Aliança, entregaram-se à corrupção e ao culto de outras divindades. O judaísmo passa desde então a achar-se associado á idéia de que o homem é livre. Pode escolher esse ou aquele caminho. E arcar com as conseqüências.
Os Profetas atuaram a partir dos meados do século VIII antes de Cristo. As profecias preservadas na Bíblia não correspondem a textos escritos por seus autores mas a uma tradição oral que se preservou. Até hoje têm uma força notável, sendo fácil compreender o poder de convicção de que se revestiram em seu tempo.
Os Profetas situam a pregação em sua época e é justamente a partir da situação existente que fixam o enunciado que irão expressar. Sua mensagem é clara e incisiva: ao manifestar-se sobre a política externa, o primeiro grande profeta, Isaias, nega a eficácia de aliança com
algum vizinho para enfrentar a ameaça da Assíria. Ao invés disto, incumbe restaurar a fé em Javé, o único salvador. Sob ocupação da Babilônia (início do século VI) Ezequiel trata de dissuadir os judeus de que o castigo seria passageiro.
O tema central da profecia é a afirmação de que as calamidades em curso ou que se avizinham procedem diretamente de Javé.
De onde provém a ira divina? Para responder a essa pergunta os judeus devem olhar para si mesmos. Que fizeram da Aliança entre Javé e o povo de Israel, em presença de Moisés? Que fizeram do compromisso de adorar um único Deus?
A crítica é dura e implacável.
Por fim a Profecia insere a preservação da esperança na redenção. Reintroduzindo-se em sua fé, Israel experimentará. um novo ciclo de florescimento. Os Profetas mais tardios anunciam a vinda de um Salvador, que será o verdadeiro Messias.
III. ELABORAÇÃO DOUTRINÁRIA NOS PRIMEIROS
SÉCULOS DO CRISTIANISMO
Resumo
A estruturação do que se denominou de comunidade cristã primitiva prolongou-se por todo o primeiro século. O Apóstolo Pedro assume a tarefa de organizar uma Igreja responsável pela propagação da mensagem de Cristo. Outro grande pregador que seguiu o mesmo caminho seria Saulo de Tarso, após converter-se e abandonar a condição de perseguidor dos cristãos, adotando o nome de Paulo. Presos, ambos são torturados e mortos, em Roma, por volta dos anos 66-67. A multiplicação dos mártires produzia efeito contrário ao buscado pelas autoridades porquanto o cristianismo encontrava crescentes adesões, inclusive
no seio da elite.
Atuando em circunstâncias tão desfavoráveis, os cristãos trataram de salvaguardar a pureza dos ensinamentos de Cristo, num meio em que campeava o paganismo, bafejado pelo Estado e correspondendo a uma longa tradição. Nesse quadro, desempenhou um papel essencial o Evangelho segundo São João, denominado de Quarto Evangelho por se haver seguido aos que o antecederam.(1) Dentre os Apóstolos, João é o último sobrevivente. O papel desempenhado consistiu em permitir a formação dos denominados Padres da Igreja, isto é, aquele conjunto de líderes religiosos que preservaram a doutrina e asseguraram a sobrevivência do cristianismo. Sobressaíram, no século II, Inácio, bispo de Antioquia, no Oriente Médio; Justino, que fundou uma escola em Roma e Irineu de Leon (Lion, no atual território da França). Atuaram portanto em diversos pontos do Império Romano. No século III, Clemente e Orígenes, ambos com atuação no Egito e Cipriano e Tertuliano (Roma).
A persistência dos pregadores não só garantiu a permanência do cristianismo como, na medida em que era bem sucedida, obrigava as autoridades a rever sua posição. Porquanto a repressão revelava-se inócua, o Império termina por aceitar a situação de fato. Contando dela tirar proveito, transforma o cristianismo em religião oficial. A mudança exigiu dos Padres a adoção de uma nova estratégia. Agora tratava-se de assegurar a independência da instituição.
Os grandes temas da elaboração doutrinária nos primeiros séculos do cristianismo são os seguintes:
- esclarecer o sentido do Logos, da palavra, porquanto esta era a forma de manifestação de Deus. Assim, ao invés de contrapor o Deus único dos cristãos às múltiplas divindades, deu-se prevalência á difusão do entendimento de que o Deus cristão manifestava-se pela palavra;
- estabelecida a compreensão da força da palavra divina, do Logos, era necessário empreender o passo seguinte que consistia em sua encarnação na pessoa de Jesus. No judaísmo, de onde provém o cristianismo, a palavra divina consiste numa Promessa. Com a encarnação em Cristo, torna-se Realização da Promessa;
- uma outra questão importante corresponde ao pleno esclarecimento da relação entre João Batista – incumbido por Deus de anunciar a presença do filho de Deus no mundo – e Jesus Cristo.
Finalmente, a adesão á Igreja deve manifestar-se na eucaristia.
SÉCULOS DO CRISTIANISMO
Resumo
A estruturação do que se denominou de comunidade cristã primitiva prolongou-se por todo o primeiro século. O Apóstolo Pedro assume a tarefa de organizar uma Igreja responsável pela propagação da mensagem de Cristo. Outro grande pregador que seguiu o mesmo caminho seria Saulo de Tarso, após converter-se e abandonar a condição de perseguidor dos cristãos, adotando o nome de Paulo. Presos, ambos são torturados e mortos, em Roma, por volta dos anos 66-67. A multiplicação dos mártires produzia efeito contrário ao buscado pelas autoridades porquanto o cristianismo encontrava crescentes adesões, inclusive
no seio da elite.
Atuando em circunstâncias tão desfavoráveis, os cristãos trataram de salvaguardar a pureza dos ensinamentos de Cristo, num meio em que campeava o paganismo, bafejado pelo Estado e correspondendo a uma longa tradição. Nesse quadro, desempenhou um papel essencial o Evangelho segundo São João, denominado de Quarto Evangelho por se haver seguido aos que o antecederam.(1) Dentre os Apóstolos, João é o último sobrevivente. O papel desempenhado consistiu em permitir a formação dos denominados Padres da Igreja, isto é, aquele conjunto de líderes religiosos que preservaram a doutrina e asseguraram a sobrevivência do cristianismo. Sobressaíram, no século II, Inácio, bispo de Antioquia, no Oriente Médio; Justino, que fundou uma escola em Roma e Irineu de Leon (Lion, no atual território da França). Atuaram portanto em diversos pontos do Império Romano. No século III, Clemente e Orígenes, ambos com atuação no Egito e Cipriano e Tertuliano (Roma).
A persistência dos pregadores não só garantiu a permanência do cristianismo como, na medida em que era bem sucedida, obrigava as autoridades a rever sua posição. Porquanto a repressão revelava-se inócua, o Império termina por aceitar a situação de fato. Contando dela tirar proveito, transforma o cristianismo em religião oficial. A mudança exigiu dos Padres a adoção de uma nova estratégia. Agora tratava-se de assegurar a independência da instituição.
Os grandes temas da elaboração doutrinária nos primeiros séculos do cristianismo são os seguintes:
- esclarecer o sentido do Logos, da palavra, porquanto esta era a forma de manifestação de Deus. Assim, ao invés de contrapor o Deus único dos cristãos às múltiplas divindades, deu-se prevalência á difusão do entendimento de que o Deus cristão manifestava-se pela palavra;
- estabelecida a compreensão da força da palavra divina, do Logos, era necessário empreender o passo seguinte que consistia em sua encarnação na pessoa de Jesus. No judaísmo, de onde provém o cristianismo, a palavra divina consiste numa Promessa. Com a encarnação em Cristo, torna-se Realização da Promessa;
- uma outra questão importante corresponde ao pleno esclarecimento da relação entre João Batista – incumbido por Deus de anunciar a presença do filho de Deus no mundo – e Jesus Cristo.
Finalmente, a adesão á Igreja deve manifestar-se na eucaristia.
IV. AMADURECIMENTO DA DOUTRINA CRISTÃ NA IDADE MÉDIA
Resumo
Como vimos ao caracterizarmos a cultura ocidental, na medida em que as chamadas hordas bárbaras, invasoras da Europa, acomodam-se e cessam os conflitos – notadamente após o término do último ciclo de invasões, na altura dos meados do século X –, o cristianismo torna-se o elemento central do processo civilizatório. A Igreja é a referência e o lugar onde se encontram as pessoas cultas, já que a elite feudal é constituída de guerreiros, devotados á segurança, desinteressados do saber. Tal é, por assim dizer, o aspecto exterior.
Agora nos incumbe conhecer a espiritualidade cristã que irá sedimentar-se na Igreja medieval. Na Idade Média, a espiritualidade cristã expressou-se na forma de ascetismo – entendido como distanciamento do mundo e cultivo da vida interior – como o seu caráter distintivo, ainda que nunca tivesse alcançado uma posição de exclusividade. Esse tipo de espiritualidade
seria desenvolvido basicamente nos mosteiros. Ainda que introduzido nos primeiros tempos, o florescimento do monaquismo dar-se-ia na Idade Média.
No plano da literatura espiritual, isto é, de uma forma de divulgação amplamente acessível, a figura central é S. Bernardo (século XII). Fixou para a vida espiritual um quadro completo. Esse itinerário parte do conhecimento de si mesmo em busca da posse de Deus.
Sintetizando, teríamos da humildade ao êxtase; do pecado á gloria; o encontro da miséria do homem com a misericórdia de Deus no Verbo encarnado; a restauração na alma da imagem divina, através do gradativo crescimento do amor que, no plano existencial, encontra sua expressão máxima na união nupcial da alma com Deus.
No mesmo século de S. Bernardo (XII) nascem as Ordens mendicantes – Franciscana e Dominicana –, pondo fim ao predomínio beneditino, que durou 600 anos. Entre os dominicanos irá sobressair S. Tomás de Aquino (século XIII).
Fruto da ênfase no ascetismo e no distanciamento do mundo seria a mística alemã.
Interessa-lhe penetrar no fundo da alma, onde se encontraria o seu centro, em que se dá o encontro de Deus. A grande figura da mística alemã seria Mestre Eckhart (século XIV).
Os franciscanos irão servir-se de dois instrumentos para despertar e desenvolver a espiritualidade: a pobreza e o amor. O doutor máximo da espiritualidade franciscana é São Boaventura (século XIII).
Seria na Espanha onde o choque provocado pelo Renascimento e pela emergência da Reforma protestante iria suscitar uma nova forma de expressão da espiritualidade cristã (o ativismo), sem renegar ao misticismo. Expressam com propriedade essa circunstância Teresa de Ávila e Inácio de Loyola. Tereza proporcionou imorredouras descrições psicológicas da experiência mística. Inácio de Loyola criou a Ordem dos Jesuítas para atuar no mundo.
Santo Agostinho trespassa toda essa trajetória e exprime em sua inteireza a feição que a espiritualidade cristã assume definitivamente.
São João, como indicamos, iniciou o tipo de enunciado que veio a ser denominado de Teologia, isto é ciência ou conhecimento de Deus. Santo Agostinho dar-lhe-á feição definitiva, fundindo-a com a filosofia grega. Esta, que iniciou a busca da precisão conceitual, elevou ao máximo o agrupamento desses conceitos de forma a alcançar graus sucessivos de generalização. Por esse processo, chegou-se à noção de ser, que pretendia alcançar tudo
quanto existia (ou de que se tinha conhecimento). Santo Agostinho iria identificar essa noção com Deus. Para ele, Deus é o arquétipo do ser e identifica-se plenamente com o ser do homem. Na busca pelo que tem de mais íntimo, encontrará Deus. Todas as questões subseqüentes subordinam-se a essa noção. O mal corresponde à privação do ser; na busca do próprio ser o homem esbarrará com a sua miséria mas também com a misericórdia divina e assim por diante.
A obra de Santo Agostinho teve duplo desenvolvimento. Tendo se dedicado a empreender balanço da própria vida depois de se haver convertido, achando-se na condição de bispo, estabeleceu uma espécie de padrão rigoroso na consideração dos próprios atos e vivências, tornando-se modelo de espiritualidade que viria a ser abraçado tanto pelos católicos como pelos protestantes, associando-o diretamente a São Paulo. Passou a constituir, juntamente com o Novo Testamento, expressão máxima e definitiva da espiritualidade cristã.
A segunda linha ateve-se ao plano teológico. São Tomás partiria de seu legada para fazer da teologia o ápice do saber, ao qual se subordinariam todas as outras formas de conhecimento. Essa dimensão atribuída à teologia vigorou apenas durante a Idade Média não obstante o que, para os católicos, São Tomás permaneça como o grande mestre dessa disciplina.
Resumo
Como vimos ao caracterizarmos a cultura ocidental, na medida em que as chamadas hordas bárbaras, invasoras da Europa, acomodam-se e cessam os conflitos – notadamente após o término do último ciclo de invasões, na altura dos meados do século X –, o cristianismo torna-se o elemento central do processo civilizatório. A Igreja é a referência e o lugar onde se encontram as pessoas cultas, já que a elite feudal é constituída de guerreiros, devotados á segurança, desinteressados do saber. Tal é, por assim dizer, o aspecto exterior.
Agora nos incumbe conhecer a espiritualidade cristã que irá sedimentar-se na Igreja medieval. Na Idade Média, a espiritualidade cristã expressou-se na forma de ascetismo – entendido como distanciamento do mundo e cultivo da vida interior – como o seu caráter distintivo, ainda que nunca tivesse alcançado uma posição de exclusividade. Esse tipo de espiritualidade
seria desenvolvido basicamente nos mosteiros. Ainda que introduzido nos primeiros tempos, o florescimento do monaquismo dar-se-ia na Idade Média.
No plano da literatura espiritual, isto é, de uma forma de divulgação amplamente acessível, a figura central é S. Bernardo (século XII). Fixou para a vida espiritual um quadro completo. Esse itinerário parte do conhecimento de si mesmo em busca da posse de Deus.
Sintetizando, teríamos da humildade ao êxtase; do pecado á gloria; o encontro da miséria do homem com a misericórdia de Deus no Verbo encarnado; a restauração na alma da imagem divina, através do gradativo crescimento do amor que, no plano existencial, encontra sua expressão máxima na união nupcial da alma com Deus.
No mesmo século de S. Bernardo (XII) nascem as Ordens mendicantes – Franciscana e Dominicana –, pondo fim ao predomínio beneditino, que durou 600 anos. Entre os dominicanos irá sobressair S. Tomás de Aquino (século XIII).
Fruto da ênfase no ascetismo e no distanciamento do mundo seria a mística alemã.
Interessa-lhe penetrar no fundo da alma, onde se encontraria o seu centro, em que se dá o encontro de Deus. A grande figura da mística alemã seria Mestre Eckhart (século XIV).
Os franciscanos irão servir-se de dois instrumentos para despertar e desenvolver a espiritualidade: a pobreza e o amor. O doutor máximo da espiritualidade franciscana é São Boaventura (século XIII).
Seria na Espanha onde o choque provocado pelo Renascimento e pela emergência da Reforma protestante iria suscitar uma nova forma de expressão da espiritualidade cristã (o ativismo), sem renegar ao misticismo. Expressam com propriedade essa circunstância Teresa de Ávila e Inácio de Loyola. Tereza proporcionou imorredouras descrições psicológicas da experiência mística. Inácio de Loyola criou a Ordem dos Jesuítas para atuar no mundo.
Santo Agostinho trespassa toda essa trajetória e exprime em sua inteireza a feição que a espiritualidade cristã assume definitivamente.
São João, como indicamos, iniciou o tipo de enunciado que veio a ser denominado de Teologia, isto é ciência ou conhecimento de Deus. Santo Agostinho dar-lhe-á feição definitiva, fundindo-a com a filosofia grega. Esta, que iniciou a busca da precisão conceitual, elevou ao máximo o agrupamento desses conceitos de forma a alcançar graus sucessivos de generalização. Por esse processo, chegou-se à noção de ser, que pretendia alcançar tudo
quanto existia (ou de que se tinha conhecimento). Santo Agostinho iria identificar essa noção com Deus. Para ele, Deus é o arquétipo do ser e identifica-se plenamente com o ser do homem. Na busca pelo que tem de mais íntimo, encontrará Deus. Todas as questões subseqüentes subordinam-se a essa noção. O mal corresponde à privação do ser; na busca do próprio ser o homem esbarrará com a sua miséria mas também com a misericórdia divina e assim por diante.
A obra de Santo Agostinho teve duplo desenvolvimento. Tendo se dedicado a empreender balanço da própria vida depois de se haver convertido, achando-se na condição de bispo, estabeleceu uma espécie de padrão rigoroso na consideração dos próprios atos e vivências, tornando-se modelo de espiritualidade que viria a ser abraçado tanto pelos católicos como pelos protestantes, associando-o diretamente a São Paulo. Passou a constituir, juntamente com o Novo Testamento, expressão máxima e definitiva da espiritualidade cristã.
A segunda linha ateve-se ao plano teológico. São Tomás partiria de seu legada para fazer da teologia o ápice do saber, ao qual se subordinariam todas as outras formas de conhecimento. Essa dimensão atribuída à teologia vigorou apenas durante a Idade Média não obstante o que, para os católicos, São Tomás permaneça como o grande mestre dessa disciplina.
V. A REFORMA PROTESTANTE
Resumo
As divergências que levaram à ruptura com o Papado, em Roma, e à organização de igrejas independentes – movimento que passou à história com o nome de Reforma Protestante – dizia respeito à prática do cristianismo, efetivada pela Igreja Católica. A hierarquia da Igreja estava absorvida por questões tais como a suntuosidade dos palácios do Vaticano ou com
alianças políticas que assegurassem a sua sobrevivência como Estado. Pareceu a um sacerdote alemão que a vida interior dos cristãos estava relegada ao abandono. E, para expressar seu descontentamento, rebelou-se contra a venda de indulgências, efetivada por Roma para atender a seus gastos, que levava a supor que aos contribuintes estava assegurada a felicidade
na vida eterna. Chamava-se Martim Lutero (1483/1546). Roma reagiu de forma violenta. A iniciativa de Lutero aglutinou o descontentamento de grande número de principados alemães, que formaram uma coalizão militar em seu apoio. A disputa degenerou em conflito bélico, depois da morte de Lutero, que terminou pelo reconhecimento da liberdade religiosa (Paz de
Augsburg, 1555). Os súditos eram entretanto obrigados a seguir a Igreja que o príncipe tivesse escolhido, podendo emigrar os que a isto não desejassem submeter-se.
Os seguidores de Lutero fundaram a Igreja Luterana. Ainda durante a vida desse primeiro monge rebelde surge outro grande reformador (Jean Calvino, 1503/1564), que dá origem à Igreja Presbiteriana. Na Inglaterra, a igreja tornada independente de Roma, denominado-se Anglicana, aderiu ao calvinismo. Na própria Inglaterra, contudo, surgem
outras confissões. Assim, a Reforma Protestante não deu origem a uma Igreja única.
A questão central que estava em jogo era o denominado tema da predestinação. A escolha para a salvação seria um desígnio insondável da Providência. Na terra, os homens têm o dever de cumprir a lei moral e de erigir uma obra digna da glória de Deus. Lutero defende tal princípio em uma de suas obras capitais (De Servo Arbítrio). Calvino o desenvolveu na Instituição da Religião Cristã.
O princípio em causa levou à procura da identificação daquilo que poderia significar indício de salvação. O grande e bem sucedido pregador inglês Richard Baxter (1615/1691) indicou que o sucesso na obra, o enriquecimento, constituiria indicação do beneficiado encontrar-se entre os eleitos, desde que a riqueza não o levasse ao relaxamento e ao ócio, o maior de todos os pecados. A pregação de Baxter está examinada por Max Weber no livro A ética protestante e o espírito do capitalismo.
A mudança radical que a Reforma introduziu na vivência religiosa dos que a ela aderiram encontra-se no fato de que colocam em primeiro plano a responsabilidade individual.
Agora os crentes não têm a quem recorrer para obter perdão pelos seus pecados. Incumbe-lhes avaliar a própria conduta ascultando a consciência.
Para tornar real essa possibilidade, os convertidos devem ser instruídos pois terão que escolher pessoalmente os ensinamentos da fé. Tais ensinamentos encontram-se diretamente na Bíblia.
Resumo
As divergências que levaram à ruptura com o Papado, em Roma, e à organização de igrejas independentes – movimento que passou à história com o nome de Reforma Protestante – dizia respeito à prática do cristianismo, efetivada pela Igreja Católica. A hierarquia da Igreja estava absorvida por questões tais como a suntuosidade dos palácios do Vaticano ou com
alianças políticas que assegurassem a sua sobrevivência como Estado. Pareceu a um sacerdote alemão que a vida interior dos cristãos estava relegada ao abandono. E, para expressar seu descontentamento, rebelou-se contra a venda de indulgências, efetivada por Roma para atender a seus gastos, que levava a supor que aos contribuintes estava assegurada a felicidade
na vida eterna. Chamava-se Martim Lutero (1483/1546). Roma reagiu de forma violenta. A iniciativa de Lutero aglutinou o descontentamento de grande número de principados alemães, que formaram uma coalizão militar em seu apoio. A disputa degenerou em conflito bélico, depois da morte de Lutero, que terminou pelo reconhecimento da liberdade religiosa (Paz de
Augsburg, 1555). Os súditos eram entretanto obrigados a seguir a Igreja que o príncipe tivesse escolhido, podendo emigrar os que a isto não desejassem submeter-se.
Os seguidores de Lutero fundaram a Igreja Luterana. Ainda durante a vida desse primeiro monge rebelde surge outro grande reformador (Jean Calvino, 1503/1564), que dá origem à Igreja Presbiteriana. Na Inglaterra, a igreja tornada independente de Roma, denominado-se Anglicana, aderiu ao calvinismo. Na própria Inglaterra, contudo, surgem
outras confissões. Assim, a Reforma Protestante não deu origem a uma Igreja única.
A questão central que estava em jogo era o denominado tema da predestinação. A escolha para a salvação seria um desígnio insondável da Providência. Na terra, os homens têm o dever de cumprir a lei moral e de erigir uma obra digna da glória de Deus. Lutero defende tal princípio em uma de suas obras capitais (De Servo Arbítrio). Calvino o desenvolveu na Instituição da Religião Cristã.
O princípio em causa levou à procura da identificação daquilo que poderia significar indício de salvação. O grande e bem sucedido pregador inglês Richard Baxter (1615/1691) indicou que o sucesso na obra, o enriquecimento, constituiria indicação do beneficiado encontrar-se entre os eleitos, desde que a riqueza não o levasse ao relaxamento e ao ócio, o maior de todos os pecados. A pregação de Baxter está examinada por Max Weber no livro A ética protestante e o espírito do capitalismo.
A mudança radical que a Reforma introduziu na vivência religiosa dos que a ela aderiram encontra-se no fato de que colocam em primeiro plano a responsabilidade individual.
Agora os crentes não têm a quem recorrer para obter perdão pelos seus pecados. Incumbe-lhes avaliar a própria conduta ascultando a consciência.
Para tornar real essa possibilidade, os convertidos devem ser instruídos pois terão que escolher pessoalmente os ensinamentos da fé. Tais ensinamentos encontram-se diretamente na Bíblia.
VI. O FUNDO MÍSTICO DO ATEÍSMO CONTEMPORÂNEO
Resumo
A fonte da irreligiosidade dos últimos dois séculos é a tradição messiânica que encontrou sua expressão na tese do frade calabrês Joaquim de Fiori, segundo a qual, a história do mundo subdividia-se em três épocas distintas, respectivamente as Idades do Pai, do Filho e do Espírito. Na Idade do Espírito todos os homens serão seres morais e haverá paz e
abundância. Essa crença alastrou-se e acabou por penetrar fundo em doutrinas aparentemente sofisticadas, fenômeno amplamente documentado na obra clássica A posteridade espiritual de Joaquim de Fiori, de Henri de Lubac. Essa posteridade inclui nomes como Hegel, Saint-Simon, Comte e Marx.
Esse caminho trilhado pela crença no paraíso terrestre, desde suas origens mais remotas, acha-se reconstituído no texto de Walter Rehfeld, tomando como exemplo, de seu desfecho contemporâneo, a obra de Marx. Aqui vamos nos limitar ao texto de Joseph Hoffner, na época cardeal de Colônia (Alemanha), intitulado "A religião do materialismo dialético". O cardeal
Hoffner sintetiza as seis afirmações (ou teses) básicas daquela doutrina e as refuta. Segundo o materialismo dialético, a religião seria proveniente das condições econômicas existentes na sociedade; da impotência do homem frente às forças da natureza e de achar-se subjugado aos exploradores; não passaria de uma invenção fantasiosa tomando a si mesmo como reflexo; desaparecerá na sociedade comunista; a era da religião será substituída pelo perfeito naturalismo e humanismo e, finalmente, na fase de transição para o comunismo (vivida pela União Soviética) sobreviverão resquícios de religiosidade, considerados transitórios.
A característica comum a essas teses reside no fato de que não há em Marx, Engels, Lenine ou Stalin nenhum empenho de prova-las. As religiões são consideradas em bloco; em vão procurar-se-á na obra dos marxistas qualquer análise histórica concreta dessa ou daquela religião. Não lhes ocorre que nem todas as religiões acham-se associadas à magia e ao
fetichismo.
A tese de que a religião judaica reflete a contradição entre o bem estar dos patriarcas bíblicos e a ausência de direitos políticos para a massa popular, de proveniência marxista, atesta bem a pobreza de suas teses. Será que somente entre os judeus verificou-se a mencionada "contradição"? Sendo, ao contrário, situação existente em toda parte, porque ali surgiu religião da grandeza do Velho Testamento?
A verdade é que nenhuma ideologia conseguiu preencher o vazio deixado pela perda de sentido da existência. A frustração existencial estava presente nos países comunistas.
A experiência histórica mostra que o paraíso terrestre é uma utopia. O marxismo não passa de uma pseudo religião secularizada. Ao mesmo tempo, a esperança num futuro Reino de Deus não impede o cristão de aspirar por um futuro terrestre mais justo.
Acrescente-se, ao que indicou o Cardeal Hoffner, que os setenta anos de União Soviética demonstraram cabalmente que a religião não depende das condições sociais. Seu preconizado desaparecimento não se deu, nem mesmo com a pressão da propaganda materialista. Esta, se dissesse de fato algo à pessoa humana, teria levado as novas gerações de soviéticos à definitiva adesão ao ateísmo, o que não ocorreu.
Resumo
A fonte da irreligiosidade dos últimos dois séculos é a tradição messiânica que encontrou sua expressão na tese do frade calabrês Joaquim de Fiori, segundo a qual, a história do mundo subdividia-se em três épocas distintas, respectivamente as Idades do Pai, do Filho e do Espírito. Na Idade do Espírito todos os homens serão seres morais e haverá paz e
abundância. Essa crença alastrou-se e acabou por penetrar fundo em doutrinas aparentemente sofisticadas, fenômeno amplamente documentado na obra clássica A posteridade espiritual de Joaquim de Fiori, de Henri de Lubac. Essa posteridade inclui nomes como Hegel, Saint-Simon, Comte e Marx.
Esse caminho trilhado pela crença no paraíso terrestre, desde suas origens mais remotas, acha-se reconstituído no texto de Walter Rehfeld, tomando como exemplo, de seu desfecho contemporâneo, a obra de Marx. Aqui vamos nos limitar ao texto de Joseph Hoffner, na época cardeal de Colônia (Alemanha), intitulado "A religião do materialismo dialético". O cardeal
Hoffner sintetiza as seis afirmações (ou teses) básicas daquela doutrina e as refuta. Segundo o materialismo dialético, a religião seria proveniente das condições econômicas existentes na sociedade; da impotência do homem frente às forças da natureza e de achar-se subjugado aos exploradores; não passaria de uma invenção fantasiosa tomando a si mesmo como reflexo; desaparecerá na sociedade comunista; a era da religião será substituída pelo perfeito naturalismo e humanismo e, finalmente, na fase de transição para o comunismo (vivida pela União Soviética) sobreviverão resquícios de religiosidade, considerados transitórios.
A característica comum a essas teses reside no fato de que não há em Marx, Engels, Lenine ou Stalin nenhum empenho de prova-las. As religiões são consideradas em bloco; em vão procurar-se-á na obra dos marxistas qualquer análise histórica concreta dessa ou daquela religião. Não lhes ocorre que nem todas as religiões acham-se associadas à magia e ao
fetichismo.
A tese de que a religião judaica reflete a contradição entre o bem estar dos patriarcas bíblicos e a ausência de direitos políticos para a massa popular, de proveniência marxista, atesta bem a pobreza de suas teses. Será que somente entre os judeus verificou-se a mencionada "contradição"? Sendo, ao contrário, situação existente em toda parte, porque ali surgiu religião da grandeza do Velho Testamento?
A verdade é que nenhuma ideologia conseguiu preencher o vazio deixado pela perda de sentido da existência. A frustração existencial estava presente nos países comunistas.
A experiência histórica mostra que o paraíso terrestre é uma utopia. O marxismo não passa de uma pseudo religião secularizada. Ao mesmo tempo, a esperança num futuro Reino de Deus não impede o cristão de aspirar por um futuro terrestre mais justo.
Acrescente-se, ao que indicou o Cardeal Hoffner, que os setenta anos de União Soviética demonstraram cabalmente que a religião não depende das condições sociais. Seu preconizado desaparecimento não se deu, nem mesmo com a pressão da propaganda materialista. Esta, se dissesse de fato algo à pessoa humana, teria levado as novas gerações de soviéticos à definitiva adesão ao ateísmo, o que não ocorreu.
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