Aproveitando o pensamento de grandes teólogos da atualidade, gostaria de fazer algumas observações sobre este tema. (1) Não se pode com tranqüilo desembaraço afirmar que Jesus, no que diz respeito ao Diabo, simplesmente conformou-se à mentalidade do seu tempo: quer dizer, ele falou no Diabo porque as pessoas acreditavam no Diabo, mas o Diabo mesmo não existiria! Ora, nem todos na cultura judaica do tempo de Jesus aceitavam a existência de Satã: é o caso dos saduceus (cf. At 23,8).
Então, se Jesus falou sobre Satã, é porque queria realmente ensinar algo sobre ele e prevenir-nos de sua ação nociva! (2) Comparando o Novo Testamento com o Antigo, podemos ver como que um aumento enorme da ação do Diabo, sobretudo no ministério de Jesus! Por quê? Porque quanto mais o homem está próximo a Deus, tanto mais torna-se realista, lúcido e com mais clareza distingue e experimenta o que é santo; em contrapartida, consegue desmascarar o engano do Diabo: ali, onde ninguém vê o mal porque o mal está mascarado, ele consegue enxergá-lo e desmascará-lo. Ora, é precisamente esta a realidade trazida por Cristo: ele é a Luz; com ele as Trevas são desmascaradas e dissipadas! Por isso manifestam-se em toda a sua força: “É a vossa hora e o poder das Trevas” (Lc 22,53). (3) Para avaliar se alguma doutrina é mais ou menos importante para a fé cristã, é necessário sempre perguntar que relação ela tem com a realização prática da vida de fé do crente. Ou seja, uma verdade de fé que tenha um influxo mais direto no desenvolvimento prático da existência cristã deve ser considerada como parte daquilo que é essencialmente cristão. Ora, a luta de Jesus com as potências demoníacas pertence ao específico caminho religioso do próprio Jesus: os estudiosos atuais reconhecem que Jesus, na sua vida histórica, se considerava vindo ao mundo para destruir o reino de Satanás e instaurar o Reino de Deus na força do Espírito Santo (cf. Mc 3,20-30). É surpreendente que ele, que não aceitava ser um Messias “milagreiro”, considerasse a luta contra o Diabo como parte central de sua missão (cf. Mc 1,35-39) e dos poderes que ele concede aos discípulos (cf. Mc 3,14s). É de tal modo importante como Jesus se refere a tais forças demoníacas e sua luta contra elas, que se retirássemos este aspecto, a missão e o caminho espiritual de Jesus teriam que ser interpretados de um modo totalmente diferente! (4) É necessário também observar de que modo determinadas realidades da Escritura foram acolhidas na fé da Igreja: a Igreja deu-lhes uma importância central ou, mesmo sem negá-las, deu-lhes uma importância menor? No nosso tema, pensemos no Batismo, que é experiência central do ser cristão e sempre foi celebrado na Igreja num contexto de luta contra os demônios (basta ver as orações de exorcismos que ainda hoje são feitas sobre os que vão ser batizados!) e renúncia a Satanás, introduzindo o homem no modo de existência de Cristo, na sua luta e na sua liberdade. Para o Novo Testamento e para a Igreja, a partir do Batismo o cristão deverá apropriar-se do caminho do próprio Senhor, vencendo Satanás como Jesus venceu. Portanto, negar a potência demoníaca implicaria numa radical mudança do modo de conceber o Batismo e sua realização na vida cristã! Neste sentido, é importante que a teologia esteja atenta à experiência dos santos. A experiência deles é a mesma de Jesus: quanto maior é a presença da santidade, menos o diabólico pode esconder-se. É sintomático que o escondimento do demoníaco no mundo atual intensifica-se na mesma proporção do desaparecimento do que é santo! Quanto menos santidade, menos consciência do Diabo e de sua obra - o pecado!
Já afirmei que não devemos negar a existência do Diabo e seus demônios, e expliquei o motivo. É verdade que um sério problema atual é a questão de conciliar a fé com a visão científica e até mesmo materialista do mundo atual. Ora, a fé deve ser continuamente crítica daquilo que muitas vezes aparece para o mundo como certeza absoluta simplesmente porque é moderno e novo. Se é verdade que a fé deve respeitar a ciência e não pode contradizer um conhecimento científico garantido e comprovado, não é menos verdadeiro que ela não pode se mover ao sabor dos gostos e modas mentais de cada época e, particularmente, do mundo atual.
Biblicamente falando, é inegável a convicção da existência de forças demoníacas. Também é inegável que tais forças são apresentadas e denominadas de modo muito variável na Escritura. Ora, o problema de sua existência não pode ser resolvido com um simples sopro de desmitização: não basta argumentar que o Diabo e seus demônios são apenas frutos de uma linguagem própria de uma cultura pré-científica e supersticiosa e apenas simbólica e que anjos e demônios não têm uma existência individual concreta! O modo verdadeiro de o homem se libertar do Diabo não é negando sua existência, mas sim se colocando debaixo do senhorio do Cristo, que vence o mal e as trevas! Por outro lado, é preciso superar aquela visão do Diabo e dos demônios ligadas a um modo de ver o mundo naquela época, como, por exemplo, responsabilizar os demônios pelas doenças, pelos males psíquicos e por todos os problemas da vida ou falar em “potências dos ares” (cf. Ef 2,2). É ridículo e vergonhoso o uso que as seitas pentecostais fazem do Diabo, com prática de falsos exorcismos e outras bobagens! Que os grupos católicos tenham cuidado para não colocarem o Diabo em tudo e verem o Diabo em tudo e em todos. A Igreja não é uma seita nem curral de fanáticos ignorantes!
Uma questão muito interessante é a seguinte: o Diabo é um ser pessoal? O melhor é responder assim: o Diabo é um ser individual, um ser com vontade e inteligência, mas não é um ser pessoal. Por quê? Que significa isso? Vejamos! Que é uma pessoa? É um ser capaz de profunda coerência interior e capacidade de ter relação construtiva com os outros, numa autêntica dimensão de relação eu-tu, no diálogo, na comunicação e na responsabilidade construtiva. Quem é incapaz de amar, de doar-se e de fazer comunhão, vai se despersonalizando! Assim, “pessoal” indica algo de exigência de amor, de construtivo, não sendo uma realidade neutra, mas pressupondo um verdadeiro encontro. Como, então falar do Diabo como pessoa? Ele é “homicida desde o princípio e não permaneceu na verdade porque nele não há verdade: quando ele mente, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8,44). Então, podemos fazer as seguintes observações:
(1) Satanás é um ser dotado de capacidade de conhecimento e vontade que, porém, não lhe servem para conhecer a verdade e desejar o bem, de modo que o seu agir é profundamente condicionado pela vontade de destruição. Na sua essência puramente espiritual aparece o quanto o mal não é somente privação do bem, mas também um agir ativo contra o bem: o Diabo não é somente uma coisa má; ele é malvado, “Maligno”, no dizer de Jesus, que nos ensinou a pedir: “Livra-nos do Maligno” (Mt 6,13)! Portanto, o bem e o mal, do ponto de vista teológico, só podem ser definidos em relação a Deus, isto é como uma falta diante de Deus ou perversão da relação com ele. Malvada é aquela criatura dotada de liberdade que não reconhece o sentido do seu ser de criatura e quer ser ela mesma seu deus. Ora, o sentido do ser contra Deus somente pode ser encontrado no ser Ninguém: Satanás é Ninguém, mas não é nada! Assim, o mal de Satanás e seus anjos constitui-se na livre negação de Deus e do seu plano salvífico em Jesus Cristo. O mal, portanto, não é simples privação do bem, mas privação de Deus até à perversão de si mesmo, do seu ser criatural: o Diabo é dobrado sobre si mesmo, fechado, endurecido, não pelo seu próprio ser criado, mas por livre decisão sua, de modo que ele subverte seu próprio ser e anula sua própria liberdade como capacidade de bem, de resposta positiva ao Criador, de tal sorte que ele é o Maligno, de um modo que não é possível encontrar nenhuma comparação com tal situação na esfera criada. Dramaticamente, sua essência é o não estar jamais contente consigo mesmo na sua obra de destruir, desejando destruir sempre mais! Por tudo isso, o Maligno é contraditório, perverso, esquizofrênico, totalmente alienante, absurdo, desorganizado, destrutivo e caótico.
(2) O poder das trevas se manifesta, mas jamais se revela: o Diabo esconde-se a qualquer identificação: ele é o “Príncipe das Trevas”, agindo sempre no escuro... e aqui reside a fonte da incompreensibilidade do Maligno: único na sua essência, múltiplo no seu aparecer, nada e ao mesmo tempo extremamente destrutivo, pessoal e ao mesmo tempo irreconhecível, transfigurado em anjo de luz! Por isso mesmo, ele é a negação de pessoa e da personalidade: ele age de um modo que dissolve a pessoa, deformando o homem em uma massa, uma multidão sem personalidade, sem moral e sem forma, que pensa que se acha livre de toda a responsabilidade pessoal. É o que se esconde por trás das modas do mundo, por trás dos poderes anônimos dos meios de comunicação, dos mercados financeiros e das potências políticas... O Diabo não tem cara, não tem identidade! É aqui que aparece a característica do demoníaco: a sua ausência de fisionomia, o seu ser anônimo, impessoal: ele é não-pessoa, a desagregação, a dissolução do ser pessoa, o sem-face, de modo que sua irreconhecibilibade é sua verdadeira força. Assim, ele é uma potência real, ou melhor, um concentrado de potências e não uma simples soma de “eu” humanos. Daqui é possível compreender como a força anti-demoníaca por excelência seja o Santo Espírito do Ressuscitado: ele é o laço de Amor no qual Pai e Filho se constituem numa só coisa; nele o cristão encontra a unidade com Deus em Cristo e, através de Cristo, com os irmãos; nele, no Santo Espírito, somos muitos, mas formamos um só corpo; ele é unidade que respeita a diversidade e diversidade que gera unidade! Por isso mesmo o cristianismo terá sempre uma missão de exorcismo: não aqueles exorcismos ridículos das seitas pentecostais, mas sim o verdadeiro exorcismo: desmascarar e expulsar o demoníaco que se esconde no anonimato das modas e ideologias de cada época e no nosso próprio coração. O primeiro e mais importante exorcismo é descobrir, com a luz de Cristo, nossos demônios e expulsá-los em nome do Senhor ressuscitado... expulsá-los também das realidades e estruturas pecaminosas do mundo!
(3) Estas reflexões mostram que o ser pessoal do Diabo revela aspectos coletivos, a tendência de mascaramento, a intenção de enganar e o caráter de anonimato: “o mundo é assim mesmo... se todo mundo faz assim, pensa assim, então o certo é assim...” – pensar e viver deste modo são diabólicos! O Diabo é não-pessoa, manifestando-se em estruturas tipicamente a-pessoais, dissolvidas na massa. É exatamente aqui que os cristãos receberam de Cristo a missão de exorcizar Satanás e seus demônios: é dever dos discípulos de Cristo desmascarar e denunciar o mal, exorcizando-o em nome do Ressuscitado: a “inocência” diabólica da Xuxa, a “bondade” pagã do Gugu, a gracinha maléfica do Papai Noel, a “paz” do carnaval, a “liberdade” que os sexólogos defendem e que não passa de vulgar egoísmo e irresponsabilidade... Este exorcismo não se constitui simplesmente numa renúncia ao mal, “humanamente correta”, mas numa invocação do poder daquele Cristo Senhor, que recebeu toda autoridade no céu e na terra: somente na sua graça e com sua força o homem poderá vencer e expulsar o Maligno do seu coração e do coração do mundo!
Já vimos que é de fé da Igreja a convicção da existência dos anjos e, conseqüentemente, dos demônios. Também vimos que não se deve ver o demônio em tudo! O Pe. Oscar Quevedo, no seu livro “Antes que os demônios voltem” procura exatamente acabar como esta mania de demônios que muita gente possui. No entanto, o Pe. Quevedo exagera na direção contrária, afirmando que os demônios não agem no mundo. Isso não é verdade e, para sermos bem francos, fere a fé católica! Com prudência e bom senso, analisemos as três formas de ação dos demônios no mundo:
1. A tentação. Aqui o demônio procura colocar o ser humano à prova. Não podendo conhecer o íntimo do homem (só Deus nos conhece até o íntimo!), o demônio procura descobrir nossos pontos fracos, sugerindo pensamentos e afetos que possam despertar nossos vícios e más tendências. Quando o demônio tenta, não pode determinar nossa vontade nem ferir nossa liberdade: a tentação é uma sugestão e o homem pode refutar tal sugestão maléfica. Jesus ensinou-nos a pedir que o Pai não nos deixe cair na tentação, mas nos livre do Maligno! A tentação, em si, não é pecado. O pecado começa quando a pessoa começa a deleitar-se com aquela sugestão, consentindo que ela volte sempre e permaneça na mente e no coração. O deleite torna-se, finalmente, consentimento, e aí se passa à ação pecaminosa! A tentação é possível devido à nossa natureza humana ferida pelo pecado, tornada tão contraditória. Note-se que a ciência (psicologia, psiquiatria, parapsicologia) jamais poderá discernir a ação do demônio, porque ele age de modo mascarado na e através da nossa estrutura psíquica. Como se vence a tentação? Pela prática dos sacramentos, pela escuta da Palavra de Deus, pela oração, pela penitência e pela perseverança na prática do bem! Aí a tentação torna-se ocasião de mérito e crescimento para nós. O demônio, então, perde a batalha!
2. A obsessão. Também é chamada de infestação, e é dividia em infestação local e infestação pessoal. A infestação local é o influxo do demônio sobre determinado lugar, podendo causar efeitos extraordinários e fazer mal a plantas e animais. A infestação pessoal atua no corpo ou no psiquismo da pessoa, provocando distúrbios neuro-psquícos. O demônio, de modo bizarro, molesta sua vítima com a produção de sons, de vozes e imagens, além de provocar tentações que são diferentes das comuns pela violência, pelo modo repentino e pela continuidade. Aqui é necessário discernimento, porque muitas vezes tudo não passa de problemas naturais mesmo! O nosso povo tem a tendência de atribuir doenças nervosas e psíquicas ao sobrenatural. Está errado! É necessário discernimento. Nestes casos deve-se procurar um padre de bom senso (nada de pastores, pais-de-santo ou médiuns espíritas!). Seria bom o sacerdote escutar algum médico, psicólogo ou psiquiatra para completar bem o seu julgamento sobre a questão. O padre verificará e, percebendo que realmente pode haver algo mais que uma realidade simplesmente natural, é aconselhável naquele lugar fazer algumas orações. Por exemplo: pode, de estola roxa, convidar as pessoas à oração, rezar o salmo 90, ler algum texto do Evangelho que narre um exorcismo e, de modo espontâneo, fazer uma oração ao Pai, pelo Filho no Espírito, suplicando que Deus afaste daquele lugar ou daquela pessoa todo o mal, todo o pecado e toda a possível influência do Maligno. Não seria necessário dirigir-se diretamente ao demônio. Ao final aspergiria o local ou a pessoa com a água benta, rezaria o Pai-nosso, a Ave-Maria ou o Sub tuum praesidium e daria a bênção final. Em se tratando de uma possível infestação pessoal mais grave, poderia usar o exorcismo do Papa Leão XIII. Pode fazê-lo sem a permissão do Bispo. O que não deve é dar show, mas ter bom senso, ser reservado e evitar incentivar ver o demônio em tudo! Seria muito errado um padre fazer essas orações por qualquer doença ou qualquer fenômeno psíquico! Por sua vez é errado o fiel católico não seguir a orientação do padre e querer, por fim da força, ver o demônio onde não há ação do demônio, a não ser na teimosia do leigo impressionado!
3. A possessão. É a forma mais grave de influxo do demônio sobre o ser humano. Trata-se de um domínio que o demônio exerce diretamente sobre o corpo e indiretamente sobre a alma de uma pessoa. Aqui é preciso ser claro: se é verdade que boa parte dos teólogos afirma a possessão e o magistério da Igreja também fala da sua possibilidade, por outro lado, não há nenhuma afirmação dogmática da Igreja que nos obrigue a aceitar a possessão. Pode ser prudente aceitar que exista a possessão, mas não é contra a fé católica negar que ela exista! Em todo o caso, somente um padre encarregado pelo Bispo poderá averiguar se a possessão é real e, somente com a ordem do bispo poderá proceder ao exorcismo de acordo com o ritual da Igreja. Recorde-se, porém, que pelas leis da Igreja nem ao Bispo é permitido autorizar um exorcismo sem antes ter ouvido médicos, psicólogos, psiquiatras e parapsicólogos. Somente após verificar todas as possibilidades naturais é que deve pensar na possibilidade de autorizar um exorcismo.
Concluímos aqui nossa apresentação sobre os anjos e demônios. Espero que estas reflexões tenham ajudado a compreender melhor estas realidades da nossa fé. Que saibamos louvar a Deus pelos nossos irmãos, os anjos que, como nós, foram criados para Deus e o glorificam sem cessar e nos ajudem a combater os demônios e nossos demônios interiores. Mas, este combate é sem superstições grosseiras e sem cair numa domonomania: parafraseando o Pe. Quevedo, quem faz de toda besteira um demônio, faz do demônio uma besteira! O centro de nossa fé e de nossa atenção é o Cristo, morto e ressuscitado, vencedor do mal e da morte! Estando unidos a ele nada temeremos! Uma última e insistente observação: afirmar a existência dos anjos e demônios não autoriza os cristãos a uma concepção mítica da realidade nem a uma interpretação ingênua e grosseira dos textos evangélicos! Já bastam as seitas nascidas do protestantismos para fazerem esse papelão que leva ao ridículo a fé cristã!
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