sexta-feira, 8 de abril de 2011

Os grandes desiludidos pelo Papa Bento XVI.

São alguns dos maiores pensadores tradicionalistas. Haviam apostado nele e agora se sentem traídos. As últimas decepções: o Pátio dos Gentis e o encontro de Assis. A acusação que fazem contra Ratzinger é a mesma que fazem ao Concílio: ter substituído o anátema pelo diálogo.
ROMA, 8 de abril de 2011 – A Santa Sé confirmou oficialmente que no próximo dia 27 de outubro, em Assis, Bento XVI presidirá uma jornada de “reflexão, diálogo e oração” junto a cristãos de outras confissões, expoentes de outras religiões e “homens de boa vontade”.
O encontro se dará vinte e cinco anos depois daquele primeiro que se tornou célebre, desejado por João Paulo II. Joseph Ratzinger, na época cardeal, não participou dele. E já deu a entender que, com ele como Papa, o próximo encontro de Assis será revisado e corrigido, purificado de toda sombra de assimilação da Igreja Católica às outras confissões de fé.
Mas, da mesma forma, os tradicionalistas não o perdoaram. Alguns deles assinaram um apelo crítico. O “espírito de Assis”, segundo eles, é parte da confusão mais geral que está desintegrando a doutrina católica e que teve origem a partir do Concílio Vaticano II.
Uma confusão contra a qual Bento XVI não reagiu como deveria.
* * *
Nestes últimos tempos, no campo tradicionalista, as críticas contra o Papa Ratzinger não diminuíram, mas antes cresceram em intensidade. Refletem uma crescente desilusão com relação às esperanças inicialmente renovadas na ação restauradora do atual pontificado.
As críticas de alguns tradicionalistas se concentram, em particular, no modo com que Bento XVI interpreta o Concílio Vaticano II e o pós-concílio.
Segundo eles, o Papa se equivoca quando limita sua crítica às deteriorações do pós-concílio. Com efeito, o Vaticano II – sempre segundo o juízo deles – não foi apenas mal-interpretado e aplicado: ele mesmo foi portador de erros, o primeiro dos quais a renúncia das autoridades da Igreja a exercer, quando necessário, um magistério de definição e de condenação: isto é, a renúncia ao anátema para privilegiar o diálogo.
No plano histórico, tende a convalidar esta tese o volume recentemente publicado pelo Professor Roberto de Mattei: “Il Concilio Vaticano II. Una storia mai scritta” [O Concílio Vaticano II. Uma história nunca escrita]. Segundo de Mattei, não se pode isolar os documentos conciliares dos homens e das vicissitudes que os produziram: desses homens e dessas manobras, cuja intenção deliberada — muito bem sucedida —  era romper com a doutrina tradicionalista da Igreja Católica, nos pontos mais essenciais.
No plano teológico, um conhecido crítico tradicionalista de Bento XVI é Brunero Gherardini, com 85 anos vigorosamente vividos, cônego da basílica de São Pedro, professor emérito da Pontifícia Universidade Lateranense e diretor da revista de teologia tomista “Divinitas”.
No ano de 2009, Gherardini publicou um volume intitulado: “Concilio Vaticano II. Un discorso da fare” [Concílio Vaticano II. Um debate a se realizar], que concluía com uma “Súplica ao Santo Padre”, na qual pedia que se submetesse a um exame os documentos do Concílio e se esclarecesse, de forma definitória e definitiva, “se, em que sentido e até que ponto” o Vaticano II esteve ou não em continuidade com o magistério anterior da Igreja.
Agora, dois anos depois desse livro, Gherardini lança um novo, intitulado: “Concilio Vaticano II. Il discorso mancato” [Concílio Vaticano II. O debate ausente], no qual lamenta o silêncio com que as autoridades da Igreja responderam a sua publicação anterior. E leva sua crítica mais a fundo.
Escreve Gherardini:
“Se desejam continuar culpando apenas o pós-concílio, podem, de fato, fazê-lo, porque, efetivamente, ele não é absolutamente isento de culpa. Mas seria necessário também não se esquecer que ele é o filho natural do Concílio, e extraiu do Concílio esses princípios sobre os quais, exasperando-os, basearam seus conteúdos mais devastadores”.
Na visão de Gherardini, pelo contrário, predomina nos altos poderes da Igreja uma cega exaltação do Concílio, que “corta as asas da análise crítica” e “impede de ver o Concílio com um olhar mais agudo e menos ofuscado”.
E os primeiros responsáveis por esta exaltação acrítica seriam justamente os últimos Papas: desde João XXIII, passando por Paulo VI até João Paulo II. Quanto ao pontífice reinante – observa Gherardini –, “até agora não corrigiu nem um ponto nem uma vírgula dessa ‘Vulgata’ que foi patrocinada pelos predecessores”: ele, que também “como outros poucos oficiais católicos rugiram realmente contra as deformações do pós-concílio, jamais deixou nem de entoar o hosana ao Concílio nem de afirmar a continuidade com todo o magistério anterior a ele”.
* * *
A principal obra de Radaelli é o ensaio “Ingresso alla bellezza”, de 2007, tendo nestes dias publicado a edição – no momento “pro manuscripto” e impressa em pouquíssimas cópias – de um segundo ensaio, também notável, intitulado: “La bellezza che ci salva”.
O subtítulo do novo ensaio de Radaelli sintetiza assim o conteúdo:
“A força do ‘Imago’, o segundo nome do Unigênito de Deus, que com o ‘Logos’ pode dar vida a uma nova civilização, fundada na beleza”.
E, com efeito, é este o coração do ensaio, como enfatiza no prefácio Antonio Livi, sacerdote do Opus Dei e filósofo metafísico de primeiro nível, docente na Pontifícia Universidade Lateranense.
Porém, nas cultas e vibrantes páginas de seu novo livro, Radaelli não deixa de submeter à crítica, em sua quase totalidade, a atual hierarquia da Igreja Católica, inclusive o Papa.
As decepções pelas ações de Bento XVI deriva – para Radaelli como para outros tradicionalistas – não só por ter convocado um novo encontro interreligioso em Assis, ou por ter dado vida ao “Pátio dos Gentis”, ambas iniciativas julgadas como fonte de confusão.
A maior culpa apontada ao Papa Ratzinger é a de ter renunciado a ensinar com “a força de um cetro que governa”. Em vez de definir a verdade e condenar os erros, “colocou-se dramaticamente disponível a ser também criticado, não pretendendo nenhuma infalibilidade”, como escreveu ele mesmo no prefácio de seus livros sobre Jesus.
Conseqüentemente, Bento XVI teria também ele se dobrado ao erro capital do Vaticano II: a renúncia às definições dogmáticas, em prol de uma linguagem “pastoral” e, portanto, inevitavelmente equívoca.
* * *
De Mattei, Gherardini e Radaelli não estão sós.
O livro de Gherardini, de 2007, tem o prefácio do Arcebispo de Colombo, hoje Cardeal, Albert Malcolm Ranjith. E outro bispo, Mario Oliveri, de Albenga-Imperia, escreveu que teve de se unir “toto corde” à súplica ao Papa, com a qual termina o volume, para reexaminar os documentos do Vaticano II.
Radaelli escreve em “L’Osservatore Romano”. E tanto Gherardini como de Mattei tomaram a palavra, em dezembro passado, em um congresso, a poucos passos da basílica de São Pedro, “para uma justa hermenêutica do Concílio à luz da Tradição da Igreja”.
Neste congresso discursaram também o Cardeal Velasio de Paolis, o bispo Luigi Negri, de San Marino e Montefeltro, e Monsenhor Florian Kolfhaus, da Secretaria de Estado vaticana.
E outro bispo muito estimado, o auxiliar de Astana, no Cazaquistão, Athanasius Schneider, concluiu sua intervenção com a proposta ao Papa de elaborar um “Syllabus” contra os erros doutrinais de interpretação do Concílio Vaticano II.
Mas Dom Schneider, assim como quase todos os participantes do congresso de dezembro, organizado pelos Franciscanos da Imaculada, não considera que nos documentos do Vaticano II haja efetivos pontos de ruptura com a grande tradição da Igreja.
A hermenêutica com a qual [Dom Scheneider] interpreta os documentos do Concílio é a definida por Bento XVI em seu memorável discurso à cúria romana de 22 de dezembro de 2005: “a hermenêutica da reforma, da renovação na continuidade do único sujeito-Igreja”.
É uma hermenêutica seguramente compatível com o apego à tradição da Igreja. E é também a única capaz de vencer a contrariedade de alguns tradicionalistas acerca das “novidades” do Concílio Vaticano II, como Francesco Arzillo mostra na seguinte nota [leia a nota em espanhol aqui].
Com efeito, a linguagem “pastoral” do Vaticano II, precisamente por sua natureza não definitória, exige, com maior razão, ser compreendida à luz da tradição da Igreja, tal como o fez o próprio Bento XVI no discurso supracitado, a respeito de uma das “novidades” conciliares mais impopulares para muitos tradicionalistas, a da liberdade de religião.

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