domingo, 15 de maio de 2011

Cristãos do Iraque: a tentação de ir embora

Entrevista com o arcebispo emérito de Mosul 

ROMA, domingo, 15 de maio de 2011 (ZENIT.org) - As raízes cristãs do norte do Iraque têm séculos, mas cerca de 80% dos cristãos da região querem cortá-las e ir embora, atrás de um futuro melhor.  O arcebispo Basile Georges Casmoussa os incentiva a ficar: "Se nós fôssemos estrangeiros no Iraque, iríamos embora. Mas é a terra e o país da nossa história".

O arcebispo emérito sírio católico de Mosul, atualmente bispo em Antioquia, considera o sonho dos jovens de abandonar a região como um problema sério, mas reconhece que é otimismo demais esperar que eles fiquem.

Dom Casmoussa falou sobre o futuro dos cristãos no Iraque para "Deus chora na Terra", programa semanal produzido pela Catholic Radio and Television Network em colaboração com a organização internacional Ajuda à Igreja que Sofre .

-Desde 2004, os cristãos no Iraque vêm sofrendo uma perseguição brutal, com ameaças, sequestros e mortes. Como está a situação hoje?

-Dom Casmoussa: Muito ruim. Dois anos atrás, nós esperávamos que as coisas melhorassem, porque a situação em Bagdá e em outras cidades tinha melhorado. Mas em Mosul, que é a maior cidade do norte do Iraque e que é terra dos cristãos, a situação continua muito ruim, com muitos sequestros e assassinatos. Não nos sentimos bem-vindos nesta cidade, apesar de ser a nossa terra, de ter muitas igrejas e mosteiros. Tem muita história nossa em Mosul e nos arredores de Mosul.

-Existem muitos povoados cristãos ao redor de Mosul?

-Dom Casmoussa: Existem, nas planícies e nas montanhas. Mosul teve a primeira escola dos cristãos, o primeiro jornal, o primeiro hospital cristão do Iraque. Nós estamos em casa em Mosul. Não somos estranhos em Mosul.

-Circulou na internet uma carta de um grupo extremista, Ansar Al Islam, que dizia: "O secretário geral dos membros da brigada islâmica decidiu dar aos infiéis cruzados cristãos de Bagdá e de outras províncias um último aviso para abandonarem o Iraque imediatamente e para sempre. Que se unam a Bento XVI e seus seguidores, que pisotearam os maiores símbolos da humanidade e do Islã... De agora em diante não haverá lugar para os cristãos infiéis... Quem ficar será degolado como os cristãos de Mosul". É com isto que os cristãos têm que conviver todos os dias ou é uma exceção?

-Dom Camoussa: Não, não é exceção, e não é a primeira mensagem desse tipo que nós recebemos. Eu tenho a mensagem em árabe. É difícil ler essas coisas. Muita gente nem sabe dessas mensagens. Mas pior do que isto são os ataques contra a vida das pessoas. Se nós fôssemos estrangeiros no Iraque, iríamos embora, mas é a terra e o país da nossa história. Não temos outro lugar para ir. Esta mensagem é perigosa para o governo central e para os governos regionais e para todo o povo do Iraque. Nós sabemos que esses extremistas não têm poder, mas eles usam o terror para intimidar. Existem muitos pequenos grupos como esse, que são uma ameaça hoje. E hoje para os cristãos, amanhã para os muçulmanos.

-Por quê?

-Dom Casmoussa: Porque os muçulmanos não têm uma filosofia unificada; o islã não tem uma filosofia e uma direção para todas as seitas. A primeira batalha foi entre os muçulmanos sunitas e os xiítas. Destruíram mesquitas e mataram muita gente dos dois lados, brigando pelo poder. Os cristãos não foram as primeiras vítimas e não vão ser as últimas, mas, para nós, que somos uma minoria, é muito difícil, porque somos poucos, e muitos membros da comunidade cristã estão emigrando. 80% dos jovens já estão indo embora ou sonham ir embora, e quando milhares de jovens querem isso, é um problema sério.

-A grande maioria dos muçulmanos não concorda com os extremistas. Tem muçulmanos que protegem os cristãos nessas ondas de violência?

-Dom Casmoussa: Tem. No ano passado, quando os cristãos estavam abandonando Mosul depois da explosão e da matança, muitos muçulmanos protegeram as casas deles. Quando os cristãos voltaram, os muçulmanos comemoraram, fizeram festa, convidaram os cristãos para festejar com eles. Teve muita história assim. Os muçulmanos mesmos sofrem com esses extremistas. Tem muita desordem neste novo Iraque. E durante esses anos todos, depois da chegada dos norte-americanos, ninguém foi processado por crimes violentos conforme a constituição iraquiana.

-Então quem comete essas violências não foi julgado?

-Dom Casmoussa: Não foi. Por causa do medo. Isso é um fato no Iraque.

-Não existindo proteção dentro do país, foi feito algum apelo à comunidade internacional? E se foi, por que houve silêncio na comunidade internacional?

-Dom Casmoussa: Na minha opinião, existem muitos interesses tanto na comunidade internacional como dentro do Iraque. Temos petróleo e o nosso petróleo é uma das nossas grandes calamidades ou castigos. Há muitos interesses entre o Ocidente e o Iraque.
Em segundo lugar, quando se fala de proteção militar, eu acho que não é disso que precisamos. Não existe paz depois da guerra, da destruição e da morte. Se a comunidade internacional e as Nações Unidas podem pressionar o governo central para colocar o império da lei em primeiro lugar, seria um grande passo para construir um país com um governo nacional. Não um país baseado em interesses religiosos ou políticos, nem interesses curdos, cristãos, xiítas ou sunitas, mas um país que defenda os interesses de todo o povo.

O problema e a verdadeira luta agora é a rivalidade entre os partidos políticos baseados em grupos religiosos ou nacionalistas, que não é do interesse do país. A eleição dos ministros deveria se basear em qualidades e não em partidos religiosos ou nacionalistas; então, poderíamos construir um novo país, um novo Iraque. Pedimos à ONU e à comunidade internacional que ajudem-nos a buscar e descobrir gente qualificada. Vemos que este pedido para em determinado ponto, devido ao interesse egoísta de pessoas muito influentes.

-Há esperança?

-Dom Casmoussa: Eu sou de natureza otimista. Espero que possamos fazer algo. Não nego que também é nossa terra, nosso país e temos de reconstruí-lo. Há muitas soluções. Minha esperança é que nós, cristãos, possamos permanecer aqui com nossa liberdade e nossos direitos; que possamos permanecer em nossas regiões históricas no norte e no centro de Bagdá, com nossos direitos culturais e políticos, para ser capazes de governar a nós mesmos. Quando tentamos construir nossas escolas ou centros, temos de solicitar ao governo central, e é muito difícil construí-los inclusive nas nossas áreas históricas.

O Estado é o dona da situação e muitos funcionários estão contra nós. Não podem dizer abertamente, mas não impõem dificuldades. Por exemplo, queríamos ter um museu cultural. Tínhamos já a aprovação, mas após a ocupação americana, o novo governo cancelou a permissão, citando cinco razões para isso. Se tivéssemos auto-governo, poderíamos fazê-lo. Pedimos a construção de uma universidade cristã dentro da área cristã. Temos 1.300 estudantes do mesmo lugar. Não é um número pequeno e, se incluirmos os cristãos das planícies de Nínive, poderíamos ter 3.000 estudantes, com outros 500 ou 600 professores que vivem em nossas cidades.

-Se tivesse de dizer duas palavras aos católicos do mundo, o que pediria?

-Dom Casmoussa: Os cristãos devem ficar no Iraque. Têm de nos ajudar a ficar, pressionando o governo central do Iraque, para que respeite nossos direitos, nossa presença e liberdade. Também peço ajuda para projetos que permitam aos cristãos iraquianos ficar no Iraque.

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Esta entrevista foi realizada por Mark Riedemann para "Deus chora na terra", um programa rádio-televisivo semanal produzido por ‘Catholic Radio and Television Network', (CRTN), em colaboração com a organização católica Ajuda à Igreja que Sofre.
Mais informação em www.aisbrasil.org.br, www.fundacao-ais.pt.
 
 

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