Dado que o Espírito Santo procede por modo de amor, do amor pelo qual Deus ama …, e do fato de que amando Deus nós nos assemelhamos a esse amor, dizemos que o Espírito Santo nos é dado por Deus. Por isso o Apóstolo afirma: “O amor de Deus foi espalhado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5, 5).
Por toda a parte onde há obra de Deus, deus deve aí se encontrar a título de autor. Dado que a caridade pela qual amamos Deus se encontra em nós pelo Espírito Santo, é necessário que o Espírito Santo permaneça em nós tão longamente enquanto temos a caridade. Por isso o Apóstolo perguntava (1Cor 3, 16): “Não sabeis que sois o templo de Deus e que o Espírito Santo habita em vós?” Dado que é pelo Espírito Santo que nos tornamos amigos de Deus e que o ser amado, em sua qualidade justamente de ser amado, está presente naquele que o ama, é necessário que o Pai e o Filho habitem também em nós pelo Espírito Santo. É o que diz o Senhor em São João (14, 23): “Viremos a ele e faremos nele nossa morada”; e ainda (1Jo 3, 16): “Sabemos que ele permanece em nós graças ao Espírito que ele nos deu”.
É manifesto que Deus ama no mais alto grau aqueles que ele fez seus amigos pelo Espírito Santo; somente um tão grande amor podia conferir um tal bem. … Ora, uma vez que todo ser amado habita naquele que o ama, é necessário que pelo Espírito Santo não somente Deus habite em nós, mas nós também em Deus. É bem o que diz São João (1Jo 4, 16): “Aquele que permanece na caridade permanece em Deus, e Deus nele”, e “E é por isso que sabemos que permanecemos nele e ele em nós, graças ao Espírito que ele nos deu”.
É próprio da amizade que o amigo revele a seu amigo seus segredos. Uma vez que a amizade cria uma comunidade de afeição e faz por assim dizer de dois corações um só, o que se confia a seu amigo parece não abandonar seu próprio coração. Eis por que o Senhor podia dizer aos seus discípulos (Jo 15, 15): “Eu não vos chamo mais servos, chamo-vos amigos, porque tudo aquilo que eu ouvi do meu Pai eu vos fiz conhecer”. Uma vez que é o Espírito Santo que nos faz amigos de Deus, convém lhe atribuir a revelação aos homens dos mistérios divinos. É o que diz o Apóstolo (1Cor 2, 9): “O que o olho não viu, o que o ouvido não ouviu, o que não subiu ao coração do homem, o que Deus preparou para aqueles que o amam, Deus nos revelou pelo Espírito Santo”; e, uma vez que é a partir daquilo que conhece que o homem pode falar, convém atribuir ao Espírito Santo [o fato de que] o homem possa falar dos mistérios divinos. … Como diz o Símbolo a propósito do Espírito Santo: “Ele falou pelos profetas”.
A amizade não tem por única propriedade fazer conhecer ao amigo seus segredos em razão da unidade de afeição (propter unitatem affectus); essa mesma unidade exige que se comunique a seu amigo o que se possui. Porque um amigo é para um homem “um outro eu”, é necessário vir-lhe em ajuda como a si mesmo dando-lhe tudo o que se tem. Daí essa definição da amizade: “Querer e realizar o bem de seu amigo”. Isso se encontra em 1Jo 3, 17: “Se alguém possui bens desse mundo e vê seu irmão na necessidade, e ele se fecha a toda compaixão, como o amor de Deus permanecerá nele?” Isso se verifica no mais alto ponto em Deus, para quem querer é agir; e por isso convém dizer que todos os dons de Deus nos são dados pelo Espírito Santo.
Para que o homem chegue até aí, é necessário primeiramente que se torne conforme a Deus graças a certas qualidades espirituais, e que ele aja em seguida em conformidade com essa conformidade; assim chegará à bem-aventurança. Ora, os dons espirituais nos vêm pelo Espírito Santo; é, pois, por ele que somos configurados a Deus, por ele ainda nos tornamos aptos a bem agir, por ele sempre a via da bem-aventurança nos é aberta. Três etapas evocadas pelo Apóstolo (2Cor 1, 21-22): “É Deus que nos dá a unção, que nos marcou com seu selo e colocou em nossos corações o penhor do Espírito; e ainda (Ef 1, 13): “Fostes marcados pelo selo do Espírito Santo, penhor de nossa herança”. O selo (signatio) se refere, parece, à semelhança de configuração; a unção (unctio) à aptidão do homem com respeito às obras de perfeição; o penhor (pignus) à esperança que nos orienta para a herança celeste, a bem-aventurança perfeita.
Uma vez que é o Espírito Santo que nos constitui amigos de Deus, é normal que seja por ele que Deus nos perdoe os pecados. Por isso o Senhor disse a seus discípulos: “Recebei o Espírito Santo; aquele a quem perdoardes os pecados, serão perdoados”, e em São Mateus (12, 31) o perdão dos pecados é negado àqueles que blasfemam contra o Espírito Santo, porque não têm em si aquilo por que o homem pode obter o perdão dos seus pecados. Daí decorre também dizermos, do Espírito Santo, que ele nos renova, que ele nos purifica, que ele nos lava.
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