(IHU) Quando Carla Dal Ponte pediu um encontro com o Papa Ratzinger, os cardeais a rejeitaram com decisão. A magistrada pede que acabe “a proteção dos franciscanos de Herzegovina ao criminoso de guerra croata Ante Gotovina, então fugitivo.
E protesta: “Gotovina foi recebido por Wojtyla, e vocês negam a audiência a mim”. A irrupção de Dal Ponte provocou uma dura nota da Santa Sé à embaixada norte-americana: “Ela foi irritante e mal educada”. Mas é verdade que João Paulo II deu audiência ao homem da limpeza étnica croata? “Não sabemos”, responde o monsenhor que se ocupa da Bósnia: “mas se isso ocorreu foi durante uma das audiências de grupo”.A reportagem é de Gianluca Di Feo e Stefania Maurizi, publicada no jornal La Repubblica, 29-04-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Esse é um dos tantos segredos vaticanos revelados pelos telegramas do Wikileaks, aos quais a revista L’Espresso nas bancas neste sábado dedica um dossiê especial de dez páginas. Os documentos do Departamento de Estado reconstroem outros momentos de crise, como a decisiva intervenção da Casa Branca contra a emissora polonesa Rádio Maria e o seu diretor, acusados de discursos antissemitas, sem que depois o Vaticano se movesse para freá-los.
E descrevem os acordos subterrâneos entre os EUA e a Santa Sé, incluindo a operação concordada há um ano nas Nações Unidas para bloquear uma resolução desejada pelos países islâmicos: o representantes de Obama, Díaz, e o do pontífice dividem as tarefas para mobilizar uma frente contrária. Porque, como destaca o relatório de Hillary Clinton, o Vaticano é a única superpotência mundial que tem relações diplomáticas com 177 nações, incluindo aquelas onde os EUA não são apreciados: “Ele pode ser um poderoso aliado ou um inimigo ocasional”.
Os telegramas evidenciam como Washington, às vésperas do conclave, não apostou em Ratzinger, considerado muito autoritário, enquanto “os bispos estão cheios de serem tratados como crianças pela Cúria Romana“. E, depois das eleições, os EUA temeram que “uma máfia alemã (literalmente) tomasse o posto da máfia polonesa à qual Wojtyla confiou o Vaticano“. Mas depois foram tranquilizados pelos cardeais alemães: “Nós acreditamos nas regras, não nas camarilhas”.
E, em 2009, até os arquivos defendem que, na política estrangeira, o pontífice bávaro tem “muito mais afinidades com Obama do que com Bush“. “A imagem de Ratzinger que se destaca, em contraste com os retratos que o querem autoritário, rígido e ansioso por esmagar as vozes contrárias, é a de ser mais aberto à discussão e ao debate do que é descrito. Um prelado norte-americano que trabalhou por muitos anos ao seu lado nos disse que, quando deve abordar uma questão, ele primeiro pede a opinião da pessoa mais jovem e depois prossegue até ouvir por último a mais importante. Não quer que o grupo se limite a ouvir o prelado mais idoso ou notável e depois repita como papagaios a resposta (uma tática não rara na hierarquia pontifícia). De fato, Ratzinger ouve todas as opiniões e depois formula a sua decisão, que, em não poucas ocasiões, está de acordo com a do membro mais jovem da equipe. Um bispo que foi um estreito colaborador seu nos disse: ‘Ele sabe que irá morrer no trabalho, mas prefere que isso ocorra o mais tarde possível’. Por isso limita ao máximo os compromissos”.
Bento XVI é muito distante do Papa relutante levado às telas por Nanni Moretti: “Ele se jogou no pontificado – como nos referiu DiNoia – como um peixe na água, e parece que o novo cargo lhe agrada”. E é justamente a marcada diferença com Wojtyla que “poderia ser a chave do seu sucesso: a sua habilidade de ser pontífice ao seu modo e ignorar os gigantescos sapatos de pescador que herdou”.
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