(IHU) Se Bento XVI tem clareza em alguma coisa é no caráter colegial da Igreja Católica. Ele o demonstrou em inúmeras ocasiões ao longo de sua carreira eclesiástica, desde que era o cardeal prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Seu respeito à autoridade dos bispos sempre foi irrestrita, inclusive em situações difíceis. Mas esse respeito tem um limite, e, se um bispo deve deixar seu posto por ter traído a investidura, a mão do pontífice não treme: aqui vão os exemplos mais recentes.
A nota é de Andrés Beltramo, publicada em seu blog Sacro y Profano, 10-05-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nas últimas semanas, o Vaticano teve que enfrentar casos delicados. Todos incluíam bispos, e todos eram suscetíveis a sanções. Em vários, agiu-se drasticamente, e nos restantes informou-se sobre as medidas a serem tomadas. Assim, o papa já somou várias destituições de prelados em diversas partes do mundo, situação que oferece duas chave de leitura: por um lado, a evidente decisão do bispo de Roma de agir quando necessário e, por outro, uma preocupação sobre a eficácia dos métodos para eleger os pastores.
Mas vamos de frente para trás ou do presente ao passado recente, como se queira. O último episódio ocorreu nesta semana: na segunda-feira passada, a Sala de Imprensa da Santa Sé anunciou a remoção do bispo australiano de Toowoomba, William Morris. Um relatório de duas linhas bastou para informar a determinação, sem mais explicações.
Finalmente se soube (porque na Igreja tudo se sabe) que sua demissão foi consequência de uma investigação vaticana sobre essa diocese, realizada pelo arcebispo norte-americano Charles Chaput. Morris, que se negou a apresentar sua renúncia “por causas de força maior” e por isso foi removido, em uma carta pastoral de 2006, defendeu que, diante da escassez de vocações sacerdotais, a Igreja Católica deveria se abrir “a todas as eventualidades”, incluindo a ordenação sacerdotal de mulheres, de homens casados, a reintegração dos ex-padres e o reconhecimento da validade das celebrações litúrgicas dos anglicanos e luteranos.
Além do escândalo público provocado pelas afirmações do pastor, na realidade, essa não foi a única motivação de sua saída. Outros abusos de autoridade e má gestão obrigaram a Santa Sé a agir.
Outros casos
Nessa mesma semana, o porta-voz da Santa Sé, Federico Lombardi, teve que sair para esclarecer a posição do ex-bispo canadense Raymond Lahey, que se declarou culpado de possuir em seu computador 588 imagens e 60 vídeos de pornografia infantil . Em uma nota, advertiu que o ex-responsável da diocese de Antigonish (Canadá) deverá ser submeter às “apropriadas medidas disciplinares e penais” que o Vaticano lhe imporá. Como para dizer: “Isso ainda não acabou”.
Isso também não acabou para Robert Vangheluwe, ex-bispo de Bruges (Bélgica), que chocou a opinião pública mundial em meados de abril, quando saiu na televisão relatando os abusos sexuais que, durante anos, cometeu contra dois de seus sobrinhos. Suas ações abomináveis o levaram a renunciar antecipadamente ao seu posto eclesiástico em abril de 2010, após reconhecer publicamente suas culpas. Tudo por causa da pressão de um dos sobrinhos abusados, que ameaçou denunciar os ataques sofridos.
Embora Vanghleuwe tenha sido forçado a se retirar a um convento francês e submeter-se a um período de terapia psicológica, ignorou as recomendações e, nesse mesmo claustro, saiu ao vivo para a rede VT4, em uma das aparições televisivas mais repugnantes que um pastor da Igreja Católica foi capaz de realizar.
O estupor diante das palavras do pedófilo invadiu não só os bispos belgas, mas também a Santa Sé. Por isso, imediatamente, a Congregação para a Doutrina da Fé interveio, ordenando a sua reclusão em outro lugar reservado para não provocar mais danos, enquanto termina a sua investigação canônica e se decide a sanção merecida.
Nos casos de Vangheluwe e Lahey, fica clara a necessidade de aplicar medidas corretivas adequadas. A destituição fica curta, e, sem um afã de me levantar como canonista de última hora, o desenlace natural seria a aplicação de sanções que reduzissem esses personagens ao estado laical. Aqui entra em jogo uma regra não escrita do Vaticano: “Jamais se tira a investidura episcopal do bispo”. Não é hora de colocar as coisas em seu lugar, levando em conta a flagrante traição deles ao ministério?
No dia 31 de março passado, o Vaticano também anunciou a remoção (não a renúncia voluntária) de Jean-Claude Makaya Loemb como bispo do Congo-Brazzaville. Nesse caso, não houve explicações oficiais sobre os motivos, mas se soube que a saída se deveu a problemas de gestão pastoral.
Segundo fontes eclesiásticas, a determinação papal teve origem em uma gestão da diocese congolesa “negativa”, inclusive no campo econômico, o que resultou em uma tensão insustentável entre o bispo e seus sacerdotes, que perderam a confiança nele.
Dessa forma, o mito do “bispo intocável” parece cair sob seu próprio peso.
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