terça-feira, 17 de maio de 2011

Tomás responde: o sacramento da Eucaristia confere a graça?

sumateologica

 
Simon Ushakov (1626-1686), A Última Ceia (1685)
Parece que este sacramento não confere a graça:

1. Com efeito, a Eucaristia é alimento espiritual. Ora, o alimento só se dá a um ser vivo. Portanto, uma vez que a vida espiritual se constitui pela graça, este sacramento só convém a quem está em graça. Por isso, por ele não se confere a graça a quem ainda não a tem. De igual modo, nem serve para aumentá-la, pois o aumento da graça é próprio do sacramento da crisma. Logo, por este sacramento não se confere a graça.
2. Além disso, a Eucaristia é recebida como uma refeição espiritual. Ora, a refeição espiritual parece antes pertencer à utilização da graça do que à sua obtenção. Logo, parece que este sacramento não confere a graça.
3. Ademais, como se viu acima (q.74, a. 1), na Eucaristia se oferece o corpo de Cristo pela salvação do corpo e o sangue pela salvação da alma. Ora, o corpo não é sujeito da graça, mas só a alma, como se tratou na Parte II. Logo, pelo menos para o corpo este sacramento não confere a graça.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, o Senhor diz: “O pão que eu darei é a minha carne, dada para que o mundo tenha a vida” (Jo 6, 52). Ora, a vida espiritual é dada pela graça. Logo, este sacramento confere a graça.

O efeito deste sacramento deve ser considerado a partir do fato de que:
1. Antes de tudo e principalmente, Cristo está presente neste sacramento. Ele, ao vir visivelmente ao mundo, trouxe-lhe a vida da graça, como se diz no Evangelho de João: “A graça e a verdade vieram por Jesus Cristo” (Jo 1, 17) Destarte, ao vir ao homem de maneira sacramental, produz a vida da graça, como bem se diz ainda em João: “Aquele que comer de mim viverá por mim” (Jo6, 58). Por isso, Cirilo afirma: ‘O Verbo de Deus vivificante, ao unir-se à sua carne, fê-la vivificadora. Convinha-lhe, pois, unir-se, de certo modo, aos nossos corpos por meio de sua carne sagrada e seu precioso sangue, que recebemos sob a forma de pão e vinho depois da bênção da consagração vivificante”.
2º. A partir do fato de que por este sacramento é representada a paixão de Cristo, como já se disse (q. 74, a. 1; q. 76, a. 2). Desta sorte, este sacramento produz no homem o mesmo efeito que a paixão produziu no mundo. Crisóstomo, ao comentar o texto: “E imediatamente saiu sangue e água”, diz: “Porque daí os santos mistérios tiram o seu princípio, então, ao te aproximares do temível cálice, faze-o como se tu te aproximasses para beber do lado de Cristo”. Por isso, o Senhor diz: “Isto é o meu sangue, derramado por vós para o perdão dos pecados” (Mt 26, 28).
3º. A partir do fato de que ele nos é dado em forma de comida e bebida. Destarte, este sacramento produz em relação à vida espiritual o efeito que a comida e a bebida materiais produzem a respeito da vida material, a saber, sustentam, aumentam, restauram e deleitam. Por isso, Ambrósio ensina: “Este é o pão da vida eterna, que fortifica a substância de nossa alma”. Crisóstomo, comentando o Evangelho de João, proclama: “Ele se apresenta a nós que desejamos tocá-lo, comer dele e abraçá-lo”. Por isso, o próprio Senhor diz: “Pois minha carne é verdadeira comida e o meu sangue verdadeira bebida” (Jo 6, 56).
4º. A partir do fato de que ele nos é dado sob as espécies. Por isso, Agostinho, comentando esse mesmo texto, observa: “Nosso Senhor ofereceu-nos seu corpo e sangue nesses elementos que, em sendo muitos, convergem para uma única realidade. Assim um, isto é, o pão, se constitui uma só massa feita de muitos grãos; o outro, o vinho, de muitos bagos torna-se uma única bebida”. Por isso, a mesmo Agostinho exclama: “Oh sacramento da piedade! Oh sinal da unidade! Oh vínculo da caridade!”.
E porque Cristo e a sua paixão são a causa da graça e porque a refeição espiritual e a caridade não podem existir sem a graça, e de tudo o que se acaba de dizer, é claro que este sacramento confere a graça.
Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:
1. O sacramento da Eucaristia tem por si mesmo o poder de conferir a graça. Ninguém tem a graça antes de recebê-lo a não ser pelo desejo do mesmo, ou tido por si mesmo, no caso dos adultos, ou tido pela Igreja, no caso das crianças. Por esta razão, por causa da eficácia de seu poder, até pelo desejo dele, alguém alcança a graça pela qual é espiritualmente vivificado. Segue-se, pois, que a graça cresce e a vida espiritual aumenta, toda vez que se recebe realmente este sacramento. Diferente é o caso do sacramento da confirmação. Nele se aumenta e se aperfeiçoa a graça para que se resista aos assaltos exteriores dos inimigos de Cristo. Na Eucaristia, porém, cresce a graça e aprimora-se a vida espiritual para que o homem seja perfeito em si mesmo pela união com Deus.
2. Este sacramento confere espiritualmente a graça com a virtude da caridade. Por isso, Damasceno compara-o à brasa da visão de Isaías: “A brasa não é simplesmente madeira, mas está unida ao fogo, assim também o pão da comunhão não é simples pão, mas está unido à divindade”. Gregório, de maneira semelhante, prega numa homilia na festa de Pentecostes: “O amor de Deus não é ocioso; se está presente, opera grandes coisas”. Assim, este sacramento, enquanto depende de seu próprio poder, não só nos confere o hábito da graça e da virtude, mas também nos move à ação, como diz Paulo: “O amor do Cristo nos impele” (2Cor 5, 14). Destarte, pelo poder deste sacramento a alma se refaz espiritualmente, ao deleitar-se, de certa maneira, ao inebriar-se da doçura da bondade divina, segundo as palavras do Cântico dos Cânticos: “Comei, companheiros; bebei, inebriai-vos, queridos!” (5, 1).
3. Os sacramentos realizam a salvação que eles significam. Portanto, por certa semelhança pode-se dizer que neste sacramento o corpo de Cristo se oferece pela salvação do nosso corpo e o sangue pela da alma, ainda que ambos atuem em benefício da salvação do corpo e da alma. Pois, sob ambos está Cristo inteiro. Embora o corpo não seja sujeito imediato da graça, desde a alma redunda o efeito da graça sobre ele; assim na vida presente “oferecemos os nossos membros a Deus como armas de justiça”, como diz Paulo (Rm 6, 13), e no futuro, o nosso corpo gozará da incorruptibilidade e glória da alma.

Fonte: ST,P3Q79A1

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