segunda-feira, 13 de junho de 2011

Católicos de Botsuana: doar mais que receber

Entrevista com o jovem bispo de Gaborone 

ROMA, domingo, 12 de junho de 2011 (ZENIT.org) - Com apenas 44 anos e dois de experiência episcopal, Dom Valentine Tsamma Seane carrega nos ombros uma grande responsabilidade.
O bispo de Gaborone, Botsuana, propõe um novo desafio para a Igreja no país: ensinar os católicos a não apenas receber, mas a doar, como explica nesta entrevista ao programa de televisão Deus chora na Terra, da Catholic Radio and Television Network em colaboração com Ajuda à Igreja que Sofre.
-Botsuana é um dos países mais estáveis da África e tem a democracia pluripartidarista mais duradoura do continente. E o cristianismo, como está no país?
-Dom Seane: Botsuana é um país cristão. A Igreja católica representa 5% a 6% do povo. Outras Igrejas cristãs, protestantes, pentecostais, espirituais e independentes somam 67%. Podemos dizer que é um país cristão.
-A Igreja católica é uma minoria?
-Dom Seane: Sim, mas se você olhar cada igreja uma por uma, como a anglicana ou a luterana, a Igreja católica é a maior denominação cristã. Mas as outras igrejas agrupadas formam a maior parte da população.

-Por que os protestantes superam os católicos em número?
-Dom Seane: Os protestantes foram os primeiros a chegar como missionários, e durante muitos anos eles convenceram os chefes das tribos a não permitir a entrada da Igreja católica no país. Isso foi até 1928. As igrejas protestantes já tinham se estabelecido quando nós chegamos.
-O senhor é um bispo jovem. Uma das primeiras coisas que escreveu foi: “Sou um Valentim de grande coração”. Por quê?
-Dom Seane: Eu adoro trabalhar com as pessoas, acho que por causa da minha franqueza e da minha paixão por trabalhar e servir às pessoas. A minha personalidade e o meu coração contribuem para isso: entrega aos outros, serviço à Igreja de Cristo.
-Além de Valentim, o senhor tem outro nome também, não tem?
-Dom Seane: Muitos me conhecem também como Tsamma, que significa bastão para caminhar. O meu avô me deu esse outro nome porque eu caminhava com ele e ele dizia que eu era o bastão dele. O nome ficou.
-Por que o senhor se ordenou padre?
-Dom Seane: Eu queria ser advogado... Mas quando veio um padre novo na minha paróquia eu pensei que também podia servir às pessoas como padre. Depois entrei no seminário e descobri que era a minha vocação, servir ao povo de Deus como sacerdote.
-A vocação sacerdotal não é fácil...
-Dom Seane: Não é, é muito exigente... E é um dom de Deus. Foram oito anos no seminário. A vida espiritual é o que nos ajuda nessa viagem, uma viagem de serviço. É difícil e exige entrega o tempo todo.
-As pessoas mais importantes de Botsuana estiveram presentes na sua ordenação. Por quê?
-Dom Seane: Bom, nós temos que lembrar que muita gente, inclusive muitos católicos, nunca tinham assistido a uma ordenação. O meu predecessor foi bispo durante 27 anos, a maioria das pessoas não tinha assistido à ordenação dele. Foram 15.000 pessoas, incluindo visitantes de países vizinhos como a África do Sul. Eu trabalhei como padre em Pretória. Vieram bispos de Botsuana e da África do Sul, e muitas celebridades, empresários, membros do governo... Foi um acontecimento nacional!
-Choveu durante a ordenação e isso foi considerado um sinal especial. Por quê?
-Dom Seane: Botsuana é um país muito árido, a chuva é muito valiosa para nós. Inclusive, a nossa moeda se chama pula (chuva). A chuva traz vida. Como a chuva é tão rara, cada vez que chove é uma bênção. Na minha família, nas ocasiões especiais, se chove é considerado uma bênção. Aquele dia começou ensolarado. Nem tinha nuvens, mas no fim do dia choveu. Foi uma ocasião especial. Deus estava contente. Os antepassados estavam contentes, todos estavam contentes!
-O senhor escreveu também que experimentou o amor de Deus. De que forma?
-Dom Seane: A minha vida inteira! Nós crescemos assim. Somos cinco irmãos, dois irmãos e três irmãs. Eu experimentei a mão invisível de Deus durante toda a minha vida, desde a infância, no colégio, nas diversas mudanças durante o meu crescimento. Como você disse, eu fui ordenado com 27 anos e as pessoas se assombravam com a minha idade. Aconteceu de novo quando eu fui ordenado bispo. Quando fui ordenado bispo, só existiam dez bispos mais jovens do que eu no mundo inteiro. Na nossa conferência eu sou o bispo mais jovem. Então eu continuo experimentando hoje o amor de Deus e isso me ajuda a seguir adiante no serviço da Igreja.
-Qual é o seu lema?
-Dom Seane: “Deus caritas est – Deus é amor”. Li a encíclica do Papa, que me tocou o coração. A minha vida gira em torno do amor de Deus. A mão invisível de Deus, esse amor, é o que me guia. Eu agradeço a Deus por isso. Isso me ajuda a tentar fazer o meu trabalho.
-O senhor recebeu muito. O que quer dar à sua diocese?
-Dom Seane: Eu quero fomentar as vocações locais ao sacerdócio e à vida religiosa. Quero que o povo daqui seja capaz de discernir e responder ao chamado de Deus para que a Igreja fique nas mãos de gente local, que entende a cultura do povo. Isso é promissor, porque temos 16 jovens no seminário maior. O futuro é promissor. Como novo bispo, eu já ordenei três sacerdotes. A segunda coisa é promover a propagação e a autossuficiência da Igreja.
-Que significa isso?
-Dom Seane: Significa que as pessoas têm de estar dispostas a participar da edificação da Igreja, economicamente e de outras maneiras. Apesar de serem pobres, podem contribuir de outras formas: seu tempo, suas capacidades e recursos para o benefício da Igreja. As pessoas sabem que durante uma época estiveram recebendo, e agora é o momento de dar. Quando eu vir que a Igreja se sustenta por si mesma e se propaga com seus próprios meios, serei feliz.
-A Aids/SIDA é um problema. Qual é a resposta a esta chaga?
-Dom Seane: Não estamos de acordo com o governo no aspecto educativo. O governo, por exemplo, promove o uso de preservativos. Enfatizamos o programa “Educação para a Vida”.  Ainda que o governo faça o possível para ajudar as pessoas com remédios, declara que tem de haver um ataque em todas as frentes, incluindo a distribuição de preservativos, que nós não promovemos. A Igreja promove a “Educação para a Vida”.
-Os jovens estão dispostos a escutar esta mensagem da Igreja?
-Dom Seane: Sim, os jovens estão. Trata-se de formar as consciências das pessoas. Em último termo, a escolha é delas, mas só podem se basear em seus conhecimentos se forem informadas. O que fazemos é dar às pessoas conhecimentos e informação e, depois, deixar-lhes que façam sua escolha, porque a consciência é o “tribunal de apelação mais alto”. Em última instância, sua consciência terá de escolher: podemos escolher o que a cultura diz, podemos escolher o que o Estado promove, ou podemos escolher o que a Igreja diz.
-Como é a relação entre a Igreja e o governo sobretudo agora que o senhor é bispo?
-Dom Seane: Felizmente o governo de Botsuana tem uma história de boas relações com a Igreja, porque, quando a Igreja começou a trabalhar no país, em 1928, o governo da época não podia construir escolas nem clínicas, e os missionários fizeram isso. Sempre houve colaboração. É por isso que se compreende que a Igreja está também para ajudar a pessoa humana não só espiritualmente, mas também em seu conjunto.
-Qual é sua esperança para o futuro da Igreja Católica em Botsuana?
-Dom Seane: Minha esperança é que a Igreja continue crescendo em Botsuana – em vocações ao sacerdócio e à vida religiosa, em autossustentação, e ver mais famílias católicas, mais gente que se casa na Igreja, o fortalecimento dos fundamentos da vida familiar. A tudo isso acrescentaria que nossa nação seja um país melhor para todos.
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Esta entrevista foi realizada por Marie-Pauline Meyer para "Deus chora na terra", um programa rádio-televisivo semanal produzido por ‘Catholic Radio and Television Network', (CRTN), em colaboração com a organização católica Ajuda à Igreja que Sofre.
Mais informação em www.aisbrasil.org.br, www.fundacao-ais.pt.

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