quarta-feira, 20 de julho de 2011

O retrocesso contra o Concílio Vaticano II

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"Perversamente, o Corpo de Cristo vivo foi mudado à imagem e semelhança de uma estrutura burocrática. As necessidades e os desejos dos poucos poderosos e insistentes estão sendo promovidos como as necessidades e os desejos de todos."
A opinião é de David Timbs, publicada no sítio australiano CathNews, 11-03-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Todo domingo à noite, na década de 50, minha família se reunia em torno do rádio para ouvir a voz de um dos maiores comunicadores e apologistas do catolicismo de fala inglesa, o bispo Fulton Sheen (foto).
Um dos nossos confortos permanentes era ouvir, semana após semana, a garantia de que pertencíamos à Igreja que era semelhante a Cristo – "a mesmo ontem, hoje e amanhã".
Essa sensação de mesmice e de imutabilidade era fundamental para a identidade e a confiança católicas.
Uma noite, porém, Dom Sheen contou-nos uma história que nos ofereceu uma pausa para refletir profundamente sobre o que significava ser cristão. Na Confirmação, ele costumava questionar cada criança sobre um trecho do catecismo. Quando uma menina lhe foi apresentada, ele lhe perguntou: "Quem criou você?". Ela respondeu com uma convicção apaixonada: "Eu ainda não estou pronta!".
Talvez João XXIII estava pensando nesse mesmo sentido quando convocou o Concílio Vaticano II. Ele, Paulo VI e os bispos do Concílio apoiaram completamente a ideia de que a Igreja não era um substantivo, mas sim um verbo – não uma entidade estática, mas sim um corpo vivo e em crescimento; não uma burocracia, mas sim o Povo de Deus. O Povo de Deus "ainda não estava pronto".
Muito já foi escrito sobre um "retrocesso" intencionalmente dirigido do Vaticano II, começando com a eleição de João Paulo II. Não é isso que imediatamente me interessa aqui. Ouvimos muito raramente, nestes dias, ataques contra o próprio Concílio. É o chamado "espírito do Vaticano II" que se tornou o foco da atenção dos restauracionistas. Seu comportamento e sua retórica melhor os define.
Os sinais estão aí para todos verem, a partir do não tão sutil desmantelamento da autoridade coletiva das Conferências Episcopais nacionais; o crescente interesse próprio da Cúria, com a apropriação de uma infalibilidade crescente; o extraordinário apoio e favor oferecidos a grupos ricos, secretos e muito militante, como "Los Tres Amigos": Opus Dei, a Legião e os Neocatecúmenos.
Os autoproclamados Arautos do Evangelho agora se juntaram a esses três – repletos de vestes de mosqueteiros e botas de cano alto (que uma pesquisa na Internet irá revelar). A arrogância de todos eles desafia a imaginação.
Então, William Oddie veio em uma onda de júbilo para anunciar que "os mocinhos ganharam" [referindo-se a uma matéria que aborda a aprovação da nova tradução inglesa do Missal Romano, disponível aqui, em inglês]. Não podemos deixar de lembrar a proclamação de George W. Bush, no dia 1º de maio de 2003, no convés do USSLincoln: "Missão Cumprida". Parece que "Dubya" [apelido de Bush] foi um pouco precipitado nesse caso. A paranoia subterrânea de Oddie não escapou a este comentarista: "A fronte praecipitium, a tergo lupi. Nosce inimicum" – "Um precipício na frente, lobos atrás. Conheça o inimigo".
Para ser justo com um Oddie cansado e emotivo, ele não articulou nada de novo ou surpreendente. As pessoas de mesma opinião tem regurgitado esse tipo de retórica há anos. Temos ouvido críticas sobre diversas distorções/abusos institucionais e rituais em nome do "Espírito do Vaticano II".
Elas vêm de algumas pessoas que deveriam conhecer melhor sobre o que falam e de outras que não podem ajudar a si mesmas. Infelizmente, os primeiros são bispos que tentaram nos persuadir da natureza desonrosa, indigna e ímpia da nossa atual linguagem eucarística ao longo dos últimos 40 anos.
Alguns estigmatizaram os textos de "traduções apressadas e inadequadas, facilitadas", referindo-se a eles como "banais", com um estilo "de churrasco, cozinha, rua", que diminuem o sentido do sagrado, do belo e do inefável.
Uma autoridade sugere que a Reforma seria facilitada pela "restauração daquilo que dá suporte à oração, da necessidade de igrejas mais belas com acessórios apropriados, vestimentas e cerimônias da forma como a Igreja as propôs...".
Isso é interessante pela sua superficialidade, mas não vai muito longe daquilo que a Igreja realmente é. Por nossa conta e risco, manipulamos uma eclesiologia ornamentada e ossificada para limitar, controlar e domesticar a Encarnação. Eu acredito que aí se encontra a questão real.
E eu acredito que, perversamente, o Corpo de Cristo vivo foi mudado à imagem e semelhança de uma estrutura burocrática. Isso exige uma reflexão mais aprofundada em outro momento.
Apóstolos leigos autoconvocados aderiram aos hierarcas indicados pela agenda restauracionista em trincheiras sem tréguas contra um ponto de vista diferente. Os tiros são muitos e bem documentados: "dissidentes, conspiradores anticatólicos, desleais, protestantes, padres hippies, missas 'faça-você-mesmo', hereges, pelagianistas, modernistas, antimagistério, sabotadores da Educação Católica e fomentadores da cultura da morte".
Esse tipo de retórica, acima de tudo, destaca a Eucaristia como a linha divisória para os "verdadeiros crentes". E é a própria Eucaristia que agora está sendo diminuída, dessacralizada e transformada em um instrumento de reeducação dogmática e de manipulação política. As necessidades e os desejos dos poucos poderosos e insistentes estão sendo promovidos como as necessidades e os desejos de todos.
E eu acho que a origem de tudo isso pode ser encontrada no Pe. Stephen Somerville, padre de Toronto e ex-membro do ICELInternational Committee on English in the Liturgy, comitê responsável pelos usos do inglês na liturgia. A carta de renúncia de Somerville ao ICEL pode ser lida aqui, em inglês]. Somerville definiu o atual texto vernacular em inglês de "pelagiano"! [1] [
Recentemente, no sítio Cathnews, Francis J. Moloney alertou o leitor, de forma bastante útil, para o legado duvidoso do cardeal Medina Estevez e de sua criação, a Liturgiam Authenticam [instrução para a aplicação da constituição 'Sacrosanctum Concilium', sobre a sagrada liturgia, aprovada no Vaticano II].
No dia 16 de março de 1886, Wilfred Laurier levantou-se para se dirigir à Câmara dos Comuns do Canadá. Ele se pronunciou para condenar um governo colonial, interessado em si próprio, pela execução de Louis Riel, um indígena perturbador da paz,
O que é odioso (...) não é a rebelião, mas sim a disposição que levou à rebelião: o que é odioso não são os rebeldes, mas sim os homens que, ao gozar do poder, não desempenham as obrigações do poder. Eles são homens que, tendo o poder de reparar erros, recusam-se a ouvir os suplicantes que são enviados a eles. Eles são homens que, quando lhes é pedido um pão, dão uma pedra.
Nota:
1. O pelagianismo é uma teoria teológica cristã, atribuída a Pelágio da Bretanha. Sustenta basicamente que todo homem é totalmente responsável pela sua própria salvação e portanto, não necessita da graça divina.

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