sábado, 30 de julho de 2011

Questão irlandesa no Vaticano: mais política do que espiritual

30/7/2011  


[IHU]

Não é uma declaração de guerra, mas é uma indicação do aborrecimento do Vaticano com o governo irlandês.
A reportagem é de Paddy Agnew, publicada no jornal The Irish Times, 26-07-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A decisão da Santa Sé de convocar o núncio papal Giuseppe Leanza a Roma é uma clara indicação de até que ponto o Vaticano foi pego de surpresa e ficou muito irritado com o ataque sem precedentes do Taoiseach [primeiro-ministro] no Dáil [parlamento].
O fato de o núncio ser chamado a retornar a Roma nas atuais circunstâncias é perfeitamente normal, mas tal ordem seria normalmente feita silenciosamente e sem alarde. Neste caso, porém, a Santa Sé anunciou o recall sem precedentes em um comunicado, sabendo muito bem que isso atrairia a atenção da mídia mundial.
Dificilmente essa foi uma declaração de guerra, um passo que, historicamente, foi muitas vezes precedido pela retirada de um embaixador, mas ainda é uma indicação do aborrecimento do Vaticano com o governo.
Em particular, acredita-se que a Santa Sé sente que o criticismo do Relatório Cloyne ao Vaticano, relacionado com uma carta de 1997 do então núncio, Luciano Storero, está baseado em uma interpretação errônea de uma carta de 14 anos atrás e que certamente não seria redigida nesses termos se fosse escrita hoje.
A caracterização do Vaticano, ou de partes dele, como "desconectado, disfuncional e elitista" parece ter tocado um nervo muito exposto.
Embora o vice-porta-voz do Vaticano, Pe. Ciro Benedettini, tenha assinalado que era lógico que o núncio seria convocado a Roma, a fim de ajudar na preparação da resposta formal ao Relatório Cloyne solicitada pelo governo, esse continua sendo um passo altamente incomum.
O próprio porta-voz do Vaticano indicou a gravidade do momento, quando, em uma entrevista informal com jornalistas, falou de "uma certa sensação de surpresa e de decepção [da Santa Sé] perante algumas das reações excessivas [ao Relatório Cloyne]".
O Pe. Benedettini não indicou quais reações ele tinha em mente, mas é lógico concluir que ele estava se referindo aos comentários do Taoiseach no Dáil na semana passada.
Comentaristas experientes do Vaticano se esforçaram ontem à noite para lembrar a última vez que a Santa Sé havia chamado de volta um núncio em tais circunstâncias. Essa medida sugere claramente que até a Santa Sé decidiu que a questão irlandesa não é mais uma questão "espiritual", relacionada ao governo irresponsável da Igreja irlandesa pelos seus próprios clérigos, mas se tornou uma questão "política", referente às relações entre a Irlanda e a Santa Sé.
O porta-voz papal sublinhou que a "principal razão" para a convocação do núncio a Roma foi para que ele pudesse se "consultar" com a Secretaria de Estado e com outros departamentos do Vaticano envolvidos na preparação da resposta formal ao Relatório Cloyne. O Pe. Benedettini acrescentou: "Dado que o chamado de um núncio é uma medida da qual a Santa Sé raramente faz uso, isso indica a seriedade da situação, assim como a vontade da Santa Sé de enfrentá-la com objetividade e determinação, apesar de uma certo nota de surpresa e de decepção perante algumas reações excessivas".
Não ficou claro na noite passada quem ordenou a medida, mas fontes indicam que ela não exigiria necessariamente a aprovação do Papa Bento XVI, que atualmente está de férias em Castelgandolfo, mas poderia ter sido tratada pela Secretaria de Estado.
Uma indicação pequena mas não irrelevante do humor da Santa Sé chegou no fim de semana passado, quando o Mons. Gianfranco Girotti, número dois da Penitenciaria Apostólica, disse ao jornal Il Foglio que a Santa Sé nunca aceitaria a legislação irlandesa que poderia tentar romper o selo da confissão, dizendo: "A Irlanda pode aprovar todas as leis que quiser, mas deve entender que a Igreja nunca vai aceitar a obrigação de um confessor de denunciar às autoridades civis […] Mesmo no caso dos crimes mais abomináveis, como a pedofilia, ele é obrigado a absolver o pecador, se este está convencido de estar realmente arrependido. A notificação dos casos aos magistrados, a prisão e as sanções previstas pelas leis de um Estado são uma coisa completamente diferente".

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