[cordemaria]
Até ao século XVII todos os tributos de piedade e doutrina católica, argumentos muito embora explícitos acerca do Coração de Maria, deixam ainda esse tesouro apenas restrito ao culto privado.
Os primeiros vestígios do culto público no sentido vulgar da palavra encontramo-los em Nápoles com a instituição da Confraria do Coração de Maria, na igreja de Santa Maria do Pórtico, no borgo di Chiaga, pelo P. Vicente Guinigi, fundador da Congregação dos Clérigos regulares da Madre de Deus, o qual compôs para os confrades os «Exercícios piedosos do Coração de Maria». A Confraria foi canonicamente erecta em 1640 [1].
Culto público do Coração Imaculado de Maria
Cabe porém incontestavelmente a S. João Eudes a glória de principal Arauto, Apóstolo e Teólogo deste culto público. Precisamente nesta época se lança ele fervorosamente à empresa de dar a conhecer ao mundo esse tesoiro escondido; sentia-se chamado expressamente por Deus a tão salutar missão. Não se poupou por isso, a esforços e indústrias e dedicou a propaganda do culto dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria o melhor do seu talento e da sua alma ardente. Deixou entre outros escritos a obra clássica a que já nos referimos «O Coração Admirável da Santíssima Mãe de Deus», onde estuda os fundamentos desta devoção. Compôs hinos e vários ofícios do Coração Imaculado de Maria. Já em 1643 conseguiu para os dois Institutos religiosos de que é fundador, Ordem de Nossa Senhora da Piedade, para o sexo feminino, e Congregação de Jesus e Maria, para Sacerdotes, licença de celebrar a 20 de Outubro a primeira festa em honra do puríssimo Coração de Maria, dia que até 1646 ficou marcado para a dita solenidade [2].
A 8 de Fevereiro de 1648, no fim duma missão pregada pelo Santo, em Autum, realizava-se já solene e publicamente essa festa: o ofício aprovado por 56 Arcebispos e Bispos e pelo Cardeal Vendôme então Legado a latere de Sua Santidade em França, compusera-o S. João Eudes, assim como a Missa.
Solicita-se de Roma aprovação mais ampla e apesar da resposta negativa, non expedire, sucedem-se umas após outras as aprovações particulares dos Bispos.
Os resultados do zelo desse Apóstolo e devoto de Maria foram estes: no momento em que deixava esta vida mortal, em 1680, a devoção ao Coração de Maria vicejava pujante em umas vinte dioceses de França; multiplicavam-se as imagens e os altares em Sua honra; pululavam as confrarias enriquecidas com indulgências pelos Sumos Pontífices; cunhavam-se medalhas; publicavam-se livros e exercícios devotos. E aí ficavam as duas Famílias religiosas fundadas pelo Santo a garantir ao Coração da Virgem Mãe vivo amor e perpétua homenagem.
Na Itália uma obra muito celebrada do P. João Pinamonti, S.J., «Il Sacro Cuore di Maria Vergine», preparou o ambiente para o resultado das diligências feitas por S. João Eudes junto da Sagrada Congregação dos Ritos em prol do culto público ao Coração de Maria.
Mais tarde os Frades Menores de França e o P. Gallifet, S.J. trabalharam por instituir oficialmente a festa do Coração Imaculado de Maria, apresentando este em 1726 a Bento XIII um precioso memorial[3]. A primeira aprovação formal deu-a Pio VI, prisioneiro de Napoleão em Florença, em rescrito de 22 de Março de 1799, permitindo ao Clero de Palermo celebrar a festa do Coração de Maria.
Pio VII, em 1805, estendeu aos Clérigos Regulares da Madre de Deus o mesmo favor. Estando na Europa, conseguiu Fr. Velozo, franciscano, em 1807, um Breve em que eram autorizados os seus Irmãos da Província da Imaculada Conceição do Rio de Janeiro a celebrar também a festa do Coração de Maria [4].
O ofício e Missa já muito espalhados, apesar da falta de aprovação suficiente, foram finalmente aprovados com ligeiras modificações pela Sagrada Congregação dos Ritos.
* * *
Além do que acabamos de indicar, poderosos factores concorreram para que até nossos dias se tenha tornado cada vez mais conhecido e popular o culto público do Coração da Mãe de Deus.
Em primeiro lugar, as revelações de Paray-le-Monial sobre o Coração de Jesus favoreceram muito a devoção ao Coração de Maria; os arautos do Coração do Filho, fizeram-se também arautos do Coração da Mãe.
Vários Institutos surgiram expressamente dedicados a esta tarefa sublime de tornar conhecido e amado este dulcíssimo Coração: as Filhas do Coração de Maria, instituto fundado pelo P. Dicot de Clorivière (1735-1820), a Congregação dos Sagrados Corações de Jesus e Maria instituída pelo P. Coudrin, também chamada de Picpus, cuja missão é propagar a devoção a estes dois Corações e reparar as injúrias contra eles cometidas; a Sociedade de Maria ou Maristas que professou sempre uma especial devoção ao Coração de Maria; a Congregação do Espírito Santo herdou do venerável P. Libermann a terna devoção e amor ao mesmo puríssimo Coração [5]; as Religiosas do Sagrado Coração de Maria, cuja divisa dada pelo Fundador, P. João Gailhac, é: tudo para Jesus por Maria e tem por objectivo especial do seu culto o Sagrado Coração de Maria.
Em Espanha o B. P. António Maria Claret fundava a Congregação de Missionários Filhos do Coração Imaculado de Maria, o qual desejava os membros do seu Instituto tão abrasados nas chamas que ardiam no Coração de Maria que dizia: «Um Filho do Coração de Maria é um homem que arde em caridade e que abrasa tudo por onde passa [6]. Foi divulgador entusiasta da Arquiconfraria do Coração de Maria. Os seus Filhos, cheios de amor e zelo ardente herdado do seu santo Fundador mostram-se por toda a parte ferventíssimos apóstolos do Coração de Maria erguendo-Lhe templos, confrarias; pregando, escrevendo, organizando por meio de editoriais e União Orgânica das Associações Cordimarianas, a propaganda do culto ao Imaculado Coração de Maria em todo o mundo.
Aos Padres Redentoristas e a todos os devotos de Maria deixou Santo Afonso Maria de Ligório um poema magnífico do Coração Imaculado, no seu precioso livro Glórias de Maria. Não é fácil dizer melhor nem tão bem das misericórdias, doçuras e bondades deste Coração Materno.
Em suma e para não nos alongarmos em mais citações, o século XIX viu surgir mais de quinze Institutos religiosos com a denominação de Coração de Maria e com o fim mais ou menos explícito de propagar o seu culto [7].
Não é aqui o lugar de historiarmos tudo o que as antigas Ordens fizeram pela extensão deste culto. Pelo que toca à Companhia de Jesus a que indignamente pertencemos, conta ela nas fileiras de seus escritores, pregadores e missionários, falanges de propagandistas desta devoção e toda a Ordem se entregou solene e oficialmente ao Coração d’Aquela a quem venera como Rainha e Mãe.
* * *
Três factos extraordinários vieram acender ainda mais nos fiéis o amor ao Imaculado Coração da Virgem Maria; o primeiro deu-se em 1830, a 27 de Novembro: é a bem conhecida revelação da Medalha Milagrosa a Santa Catarina Labouré. Orava a Santa com as outras noviças na capela das Irmãs da Caridade, em Paris, às cinco e meia da tarde. De repente vê diante de si Nossa Senhora de estatura mediana, de pé sobre um globo branco. Veste de seda branca e da cabeça desce-lhe até baixo um véu. É um deslumbramento de beleza a linda Senhora; com o pé virginal esmaga a serpente. Nas mãos à altura do Coração, sustenta um pequeno globo representando a Terra que oferece a Deus, tendo no céu fixos os olhos em súplica. Logo começam a brilhar de tamanhos distintos e brilho diferente, nos dedos imaculados, anéis cravejados de pedras preciosas. E a primeira fase da visão.
Desaparecendo suavemente o globo que tinha nas mãos, a Senhora põe os olhos na vidente, abre os braços para o outro globo que lhe serve de escabelo e no qual se via a palavra França. Catarina percebe que este globo representa a Terra inteira, a França e cada indivíduo em particular. Os raios de luz a desprenderem-se intensos das mãos de Maria são as graças derramadas sobre as pessoas que sabem orar.
Pouco a pouco desenha-se ao redor da Virgem um oval com esta legenda: «Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós».
Maria Santíssima ordena então a Catarina Labouré que mande cunhar uma medalha segundo aquele modelo e imediatamente lhe mostra o reverso da medalha, pondo-lhe diante dos olhos extasiados o monograma de Maria, um M encimado por uma cruz, com dois travessões sob o M e sob a cruz. Debaixo do M os Sagrados Corações de Jesus e de Maria, o primeiro coroado de espinhos, o segundo trespassado por uma lança; ao redor doze estrelas.
Indagando a Santa vidente, em obediência a ordem recebida, se conviria pôr alguma coisa mais neste reverso da medalha, responde-lhe uma voz interior: «o M e os dois Corações são eloquentes de sobra».
A medalha espalhou-se rapidamente por todo o mundo católico; as graças e milagres por ela obtidos já não cabem em anais e em nossos dias, após a canonização de Catarina Labouré, recrudesceram de um modo assombroso essas graças e esses milagres. Mas a medalha levou ao mesmo tempo a toda a parte a imagem não só do Coração de Jesus, mas também desse outro Coração que indissoluvelmente lhe está unido: o Coração da Imaculada.
O segundo facto que concorreu ainda mais explicitamente, se é possível, para espalhar o culto público ao Imaculado Coração de Maria foi a Instituição da Arquiconfraria do Coração imaculado de Maria, na igreja de Nossa Senhora das Vitórias em Paris, no ano de 1836. Angustiava-se o bom Pároco, P. Des Genettes, com o estado deplorável da sua freguesia. Dezoito mil habitantes e a igreja sempre deserta.
— «Consagra a tua igreja e paróquia ao Santíssimo e Imaculado Coração de Maria» — escuta ele distintamente, quando numa sexta-feira de Dezembro, mais angustiado celebrava a Santa Missa.
Temendo ilusão, esforçou-se por não fazer caso, quando no fim da Missa, durante a acção de graças, ouve outra vez mais distinta e fortemente ainda: «Consagra a tua igreja e paróquia ao Santíssimo e Imaculado Coração de Maria».
Já não pode duvidar. Penetrado de reconhecimento e emoção, conserva-se por longo tempo a orar e resolve redigir quanto antes os estatutos de uma Confraria em honra do Santíssimo e Imaculado Coração de Maria. Leva-os ao Prelado, que não só os aprova, mas ordena até que se estabeleça já no domingo seguinte a delineada Confraria.
Na manhã do domingo, à Missa paroquial, assistida apenas pelas costumadas trinta ou quarenta piedosas mulheres, anuncia o bom Pároco, sem grande confiança no êxito, que à tarde começariam as reuniões da Confraria do Santíssimo e Imaculado Coração de Maria. Contra toda a expectativa, ao entrar à hora marcada na sua igreja, encontra-a literalmente cheia e mais de uma terça parte eram homens. Lêem-se e explicam-se os estatutos; cantam-se no fim as Ladainhas de Nossa Senhora e ao chegar ao versículo: Refugium peccatorum, ora pro nobis», apodera-se de todo o auditório uma emoção extraordinária; prostram-se todos instintivamente de joelhos e repetem três vezes fervorosamente: «Refúgio dos pecadores, rogai por nós».
O Pároco chorava como uma criança; a Confraria estava fundada e começam para logo as prodigiosas conversões. Depressa se foi espalhando por todo o mundo a salvífica Confraria. «Em pouco tempo — escreve o Ven. P. Roothaan, geral dos Jesuítas — tão grandes e admiráveis frutos produziu por todo o orbe que nada de semelhante se encontra nos anais da Igreja em todos os séculos anteriores» [8].
Em Portugal já anteriormente, em 1823, se erigira uma Confraria do Santíssimo Coração de Maria, no Mosteiro da Encarnação das Comendadeiras de Avis e pelo mesmo tempo, outra na Ilha da Madeira; mas como a fundada em Paris foi elevada a Arquiconfraria, a ela se agregaram com as outras oito mil que em 1846 existiam em todo o mundo, a proclamar a glória e a desfrutar dos benefícios do Coração Santíssimo e Imaculado de Maria [9].
Em nossos dias, o facto que veio dar mais decisivo e acelerado impulso ao triunfo do Coração de Maria são as aparições de Fátima, que exigem, pela importância, capitulo à parte.
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[1] Cfr. Corazón de Reina, por el P. Manuel Luna C.M.F., pág. 42, e ss., 2.ª, 1915.
[2] Note-se que a festa do Coração de Jesus só em 1684 se começou a celebrar em Paray.
[3] Já em 1731 apareceu em nossa língua a tradução do Devocionário composto em honra do Imaculado Coração de Maria, pelo P. Gallifet.
Em 1756 publicavam-se dois Novenários, um da autoria duma freira de Lorvão, outro das freiras do Louriçal. Em 1767 era editada uma novena para celebrar na Ermida do Coração de Maria do Campo Grande (cfr. Estudos Marianos, Fátima, pág. 176).
[4] Revista Eclesiástica Brasileira, vol. V, pág. 72.
[5] O que nos distingue, escreveu o Venerável P. Libermann, é uma consagração muito especial da nossa Congregação, de cada um de seus membros, de todos os seus trabalhos e empreendimentos ao Santíssimo Coração de Maria…» (Estudos Marianos, Fátima, 1945, pág. 89).
[6] Autobiografia, 2.ª ed., II p. c. 34 cit. por José Puigdessens, C. M.F. em Espiritu del Ven. P. Antonio Claret, p. 482, Barcelona, 1928.
[7] Cfr. A Alma devota do Coração de Maria, pág. 34, Lisboa, 1944.
[8] Epist. Praep. Gen. III, pág. 25, ed. 1909 (Rollarii).
[9] Não devem passar-se em claro outros factos que vieram a contribuir poderosamente para a extensão deste culto. Em 1840 o Escapulário Verde com a imagem do Coração de Maria trespassado por urna espada e rodeado da inscrição: «Coração Imaculado de Maria, rogai por nós pecadores agora e na hora da nossa morte», revelado a Sor Bisqueyburu, no noviciado das Irmãs da caridade. São numerosos os prodígios alcançados por este impropriamente chamado escapulário, ou imagem do Imaculado Coração.
No ano de 1876, em Pellevoisin, Maria veio afirmar, depois de um milagre retumbante, o Seu poder sobre o Coração de Seu Filho e a sua bondade ao mesmo tempo: «Eu sou toda misericórdia e Senhora de meu Filho… O Seu Coração tem tanto amor ao meu que não pode recusar nenhum dos meus pedidos... Por mim tocará os corações mais endurecidos». Cfr. Mensageiro de Maria, 1938, pág. 36.
Os primeiros vestígios do culto público no sentido vulgar da palavra encontramo-los em Nápoles com a instituição da Confraria do Coração de Maria, na igreja de Santa Maria do Pórtico, no borgo di Chiaga, pelo P. Vicente Guinigi, fundador da Congregação dos Clérigos regulares da Madre de Deus, o qual compôs para os confrades os «Exercícios piedosos do Coração de Maria». A Confraria foi canonicamente erecta em 1640 [1].
Culto público do Coração Imaculado de Maria
Cabe porém incontestavelmente a S. João Eudes a glória de principal Arauto, Apóstolo e Teólogo deste culto público. Precisamente nesta época se lança ele fervorosamente à empresa de dar a conhecer ao mundo esse tesoiro escondido; sentia-se chamado expressamente por Deus a tão salutar missão. Não se poupou por isso, a esforços e indústrias e dedicou a propaganda do culto dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria o melhor do seu talento e da sua alma ardente. Deixou entre outros escritos a obra clássica a que já nos referimos «O Coração Admirável da Santíssima Mãe de Deus», onde estuda os fundamentos desta devoção. Compôs hinos e vários ofícios do Coração Imaculado de Maria. Já em 1643 conseguiu para os dois Institutos religiosos de que é fundador, Ordem de Nossa Senhora da Piedade, para o sexo feminino, e Congregação de Jesus e Maria, para Sacerdotes, licença de celebrar a 20 de Outubro a primeira festa em honra do puríssimo Coração de Maria, dia que até 1646 ficou marcado para a dita solenidade [2].
A 8 de Fevereiro de 1648, no fim duma missão pregada pelo Santo, em Autum, realizava-se já solene e publicamente essa festa: o ofício aprovado por 56 Arcebispos e Bispos e pelo Cardeal Vendôme então Legado a latere de Sua Santidade em França, compusera-o S. João Eudes, assim como a Missa.
Solicita-se de Roma aprovação mais ampla e apesar da resposta negativa, non expedire, sucedem-se umas após outras as aprovações particulares dos Bispos.
Os resultados do zelo desse Apóstolo e devoto de Maria foram estes: no momento em que deixava esta vida mortal, em 1680, a devoção ao Coração de Maria vicejava pujante em umas vinte dioceses de França; multiplicavam-se as imagens e os altares em Sua honra; pululavam as confrarias enriquecidas com indulgências pelos Sumos Pontífices; cunhavam-se medalhas; publicavam-se livros e exercícios devotos. E aí ficavam as duas Famílias religiosas fundadas pelo Santo a garantir ao Coração da Virgem Mãe vivo amor e perpétua homenagem.
Na Itália uma obra muito celebrada do P. João Pinamonti, S.J., «Il Sacro Cuore di Maria Vergine», preparou o ambiente para o resultado das diligências feitas por S. João Eudes junto da Sagrada Congregação dos Ritos em prol do culto público ao Coração de Maria.
Mais tarde os Frades Menores de França e o P. Gallifet, S.J. trabalharam por instituir oficialmente a festa do Coração Imaculado de Maria, apresentando este em 1726 a Bento XIII um precioso memorial[3]. A primeira aprovação formal deu-a Pio VI, prisioneiro de Napoleão em Florença, em rescrito de 22 de Março de 1799, permitindo ao Clero de Palermo celebrar a festa do Coração de Maria.
Pio VII, em 1805, estendeu aos Clérigos Regulares da Madre de Deus o mesmo favor. Estando na Europa, conseguiu Fr. Velozo, franciscano, em 1807, um Breve em que eram autorizados os seus Irmãos da Província da Imaculada Conceição do Rio de Janeiro a celebrar também a festa do Coração de Maria [4].
O ofício e Missa já muito espalhados, apesar da falta de aprovação suficiente, foram finalmente aprovados com ligeiras modificações pela Sagrada Congregação dos Ritos.
* * *
Além do que acabamos de indicar, poderosos factores concorreram para que até nossos dias se tenha tornado cada vez mais conhecido e popular o culto público do Coração da Mãe de Deus.
Em primeiro lugar, as revelações de Paray-le-Monial sobre o Coração de Jesus favoreceram muito a devoção ao Coração de Maria; os arautos do Coração do Filho, fizeram-se também arautos do Coração da Mãe.
Vários Institutos surgiram expressamente dedicados a esta tarefa sublime de tornar conhecido e amado este dulcíssimo Coração: as Filhas do Coração de Maria, instituto fundado pelo P. Dicot de Clorivière (1735-1820), a Congregação dos Sagrados Corações de Jesus e Maria instituída pelo P. Coudrin, também chamada de Picpus, cuja missão é propagar a devoção a estes dois Corações e reparar as injúrias contra eles cometidas; a Sociedade de Maria ou Maristas que professou sempre uma especial devoção ao Coração de Maria; a Congregação do Espírito Santo herdou do venerável P. Libermann a terna devoção e amor ao mesmo puríssimo Coração [5]; as Religiosas do Sagrado Coração de Maria, cuja divisa dada pelo Fundador, P. João Gailhac, é: tudo para Jesus por Maria e tem por objectivo especial do seu culto o Sagrado Coração de Maria.
Em Espanha o B. P. António Maria Claret fundava a Congregação de Missionários Filhos do Coração Imaculado de Maria, o qual desejava os membros do seu Instituto tão abrasados nas chamas que ardiam no Coração de Maria que dizia: «Um Filho do Coração de Maria é um homem que arde em caridade e que abrasa tudo por onde passa [6]. Foi divulgador entusiasta da Arquiconfraria do Coração de Maria. Os seus Filhos, cheios de amor e zelo ardente herdado do seu santo Fundador mostram-se por toda a parte ferventíssimos apóstolos do Coração de Maria erguendo-Lhe templos, confrarias; pregando, escrevendo, organizando por meio de editoriais e União Orgânica das Associações Cordimarianas, a propaganda do culto ao Imaculado Coração de Maria em todo o mundo.
Aos Padres Redentoristas e a todos os devotos de Maria deixou Santo Afonso Maria de Ligório um poema magnífico do Coração Imaculado, no seu precioso livro Glórias de Maria. Não é fácil dizer melhor nem tão bem das misericórdias, doçuras e bondades deste Coração Materno.
Em suma e para não nos alongarmos em mais citações, o século XIX viu surgir mais de quinze Institutos religiosos com a denominação de Coração de Maria e com o fim mais ou menos explícito de propagar o seu culto [7].
Não é aqui o lugar de historiarmos tudo o que as antigas Ordens fizeram pela extensão deste culto. Pelo que toca à Companhia de Jesus a que indignamente pertencemos, conta ela nas fileiras de seus escritores, pregadores e missionários, falanges de propagandistas desta devoção e toda a Ordem se entregou solene e oficialmente ao Coração d’Aquela a quem venera como Rainha e Mãe.
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Três factos extraordinários vieram acender ainda mais nos fiéis o amor ao Imaculado Coração da Virgem Maria; o primeiro deu-se em 1830, a 27 de Novembro: é a bem conhecida revelação da Medalha Milagrosa a Santa Catarina Labouré. Orava a Santa com as outras noviças na capela das Irmãs da Caridade, em Paris, às cinco e meia da tarde. De repente vê diante de si Nossa Senhora de estatura mediana, de pé sobre um globo branco. Veste de seda branca e da cabeça desce-lhe até baixo um véu. É um deslumbramento de beleza a linda Senhora; com o pé virginal esmaga a serpente. Nas mãos à altura do Coração, sustenta um pequeno globo representando a Terra que oferece a Deus, tendo no céu fixos os olhos em súplica. Logo começam a brilhar de tamanhos distintos e brilho diferente, nos dedos imaculados, anéis cravejados de pedras preciosas. E a primeira fase da visão.
Desaparecendo suavemente o globo que tinha nas mãos, a Senhora põe os olhos na vidente, abre os braços para o outro globo que lhe serve de escabelo e no qual se via a palavra França. Catarina percebe que este globo representa a Terra inteira, a França e cada indivíduo em particular. Os raios de luz a desprenderem-se intensos das mãos de Maria são as graças derramadas sobre as pessoas que sabem orar.
Pouco a pouco desenha-se ao redor da Virgem um oval com esta legenda: «Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós».
Maria Santíssima ordena então a Catarina Labouré que mande cunhar uma medalha segundo aquele modelo e imediatamente lhe mostra o reverso da medalha, pondo-lhe diante dos olhos extasiados o monograma de Maria, um M encimado por uma cruz, com dois travessões sob o M e sob a cruz. Debaixo do M os Sagrados Corações de Jesus e de Maria, o primeiro coroado de espinhos, o segundo trespassado por uma lança; ao redor doze estrelas.
Indagando a Santa vidente, em obediência a ordem recebida, se conviria pôr alguma coisa mais neste reverso da medalha, responde-lhe uma voz interior: «o M e os dois Corações são eloquentes de sobra».
A medalha espalhou-se rapidamente por todo o mundo católico; as graças e milagres por ela obtidos já não cabem em anais e em nossos dias, após a canonização de Catarina Labouré, recrudesceram de um modo assombroso essas graças e esses milagres. Mas a medalha levou ao mesmo tempo a toda a parte a imagem não só do Coração de Jesus, mas também desse outro Coração que indissoluvelmente lhe está unido: o Coração da Imaculada.
O segundo facto que concorreu ainda mais explicitamente, se é possível, para espalhar o culto público ao Imaculado Coração de Maria foi a Instituição da Arquiconfraria do Coração imaculado de Maria, na igreja de Nossa Senhora das Vitórias em Paris, no ano de 1836. Angustiava-se o bom Pároco, P. Des Genettes, com o estado deplorável da sua freguesia. Dezoito mil habitantes e a igreja sempre deserta.
— «Consagra a tua igreja e paróquia ao Santíssimo e Imaculado Coração de Maria» — escuta ele distintamente, quando numa sexta-feira de Dezembro, mais angustiado celebrava a Santa Missa.
Temendo ilusão, esforçou-se por não fazer caso, quando no fim da Missa, durante a acção de graças, ouve outra vez mais distinta e fortemente ainda: «Consagra a tua igreja e paróquia ao Santíssimo e Imaculado Coração de Maria».
Já não pode duvidar. Penetrado de reconhecimento e emoção, conserva-se por longo tempo a orar e resolve redigir quanto antes os estatutos de uma Confraria em honra do Santíssimo e Imaculado Coração de Maria. Leva-os ao Prelado, que não só os aprova, mas ordena até que se estabeleça já no domingo seguinte a delineada Confraria.
Na manhã do domingo, à Missa paroquial, assistida apenas pelas costumadas trinta ou quarenta piedosas mulheres, anuncia o bom Pároco, sem grande confiança no êxito, que à tarde começariam as reuniões da Confraria do Santíssimo e Imaculado Coração de Maria. Contra toda a expectativa, ao entrar à hora marcada na sua igreja, encontra-a literalmente cheia e mais de uma terça parte eram homens. Lêem-se e explicam-se os estatutos; cantam-se no fim as Ladainhas de Nossa Senhora e ao chegar ao versículo: Refugium peccatorum, ora pro nobis», apodera-se de todo o auditório uma emoção extraordinária; prostram-se todos instintivamente de joelhos e repetem três vezes fervorosamente: «Refúgio dos pecadores, rogai por nós».
O Pároco chorava como uma criança; a Confraria estava fundada e começam para logo as prodigiosas conversões. Depressa se foi espalhando por todo o mundo a salvífica Confraria. «Em pouco tempo — escreve o Ven. P. Roothaan, geral dos Jesuítas — tão grandes e admiráveis frutos produziu por todo o orbe que nada de semelhante se encontra nos anais da Igreja em todos os séculos anteriores» [8].
Em Portugal já anteriormente, em 1823, se erigira uma Confraria do Santíssimo Coração de Maria, no Mosteiro da Encarnação das Comendadeiras de Avis e pelo mesmo tempo, outra na Ilha da Madeira; mas como a fundada em Paris foi elevada a Arquiconfraria, a ela se agregaram com as outras oito mil que em 1846 existiam em todo o mundo, a proclamar a glória e a desfrutar dos benefícios do Coração Santíssimo e Imaculado de Maria [9].
Em nossos dias, o facto que veio dar mais decisivo e acelerado impulso ao triunfo do Coração de Maria são as aparições de Fátima, que exigem, pela importância, capitulo à parte.
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[1] Cfr. Corazón de Reina, por el P. Manuel Luna C.M.F., pág. 42, e ss., 2.ª, 1915.
[2] Note-se que a festa do Coração de Jesus só em 1684 se começou a celebrar em Paray.
[3] Já em 1731 apareceu em nossa língua a tradução do Devocionário composto em honra do Imaculado Coração de Maria, pelo P. Gallifet.
Em 1756 publicavam-se dois Novenários, um da autoria duma freira de Lorvão, outro das freiras do Louriçal. Em 1767 era editada uma novena para celebrar na Ermida do Coração de Maria do Campo Grande (cfr. Estudos Marianos, Fátima, pág. 176).
[4] Revista Eclesiástica Brasileira, vol. V, pág. 72.
[5] O que nos distingue, escreveu o Venerável P. Libermann, é uma consagração muito especial da nossa Congregação, de cada um de seus membros, de todos os seus trabalhos e empreendimentos ao Santíssimo Coração de Maria…» (Estudos Marianos, Fátima, 1945, pág. 89).
[6] Autobiografia, 2.ª ed., II p. c. 34 cit. por José Puigdessens, C. M.F. em Espiritu del Ven. P. Antonio Claret, p. 482, Barcelona, 1928.
[7] Cfr. A Alma devota do Coração de Maria, pág. 34, Lisboa, 1944.
[8] Epist. Praep. Gen. III, pág. 25, ed. 1909 (Rollarii).
[9] Não devem passar-se em claro outros factos que vieram a contribuir poderosamente para a extensão deste culto. Em 1840 o Escapulário Verde com a imagem do Coração de Maria trespassado por urna espada e rodeado da inscrição: «Coração Imaculado de Maria, rogai por nós pecadores agora e na hora da nossa morte», revelado a Sor Bisqueyburu, no noviciado das Irmãs da caridade. São numerosos os prodígios alcançados por este impropriamente chamado escapulário, ou imagem do Imaculado Coração.
No ano de 1876, em Pellevoisin, Maria veio afirmar, depois de um milagre retumbante, o Seu poder sobre o Coração de Seu Filho e a sua bondade ao mesmo tempo: «Eu sou toda misericórdia e Senhora de meu Filho… O Seu Coração tem tanto amor ao meu que não pode recusar nenhum dos meus pedidos... Por mim tocará os corações mais endurecidos». Cfr. Mensageiro de Maria, 1938, pág. 36.
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