sexta-feira, 12 de agosto de 2011

«Jesus quer servir-se de ti, para Me fazer conhecer e amar» (Nossa Senhora à Lúcia).

[cordemaria]

«Fátima é a página mais bela, mais sublime, mais celeste da história de Portugal e das mais belas de toda a História da Humanidade» — assim se expressou, no me­morável Congresso Mariológico Luso-Espanhol, celebrado em Fátima de 12 a 16 de Julho de 1944, o R. Dr. Mons. Manuel Mendes do Carmo [1].

Mas — observou também S. Em. o Sr. Cardial Patriarca de Lisboa, ao encerrar o Congresso Eucarístico de Cam­pinas, no Brasil, a 7 de Setembro de 1946 — «a missão especial de Fátima é a difusão do culto ao Imaculado Cora­ção de Maria. A medida que a perspectiva do tempo nos permitir julgar melhor os grandes acontecimentos de que fomos testemunhas, estou certo que melhor se verá, que Fátima será para o culto do Coração de Maria o que Paray-le-Monial foi para o culto do Coração de Jesus. Fátima, de algum modo, é a continuação, ou melhor, a conclusão de Paray. Reúne aqueles dois Corações que o mesmo Deus uniu na obra divina da redenção dos homens» [2].

O Coração Imaculado de Maria
á luz de Fátima

Sua Santidade Pio XII sintetizou com toda a autori­dade da Sua palavra: «às mil homenagens que vos ditou o amor filial e reconhecido, juntastes aquela preciosa coroa, e com ela cingistes a fronte de Nossa Senhora de Fátima, aqui neste oásis bendito impregnado de sobrenatural, onde mais sensível se experimenta o seu prodigioso patrocínio; onde todos sentis mais perto o Seu Coração Imaculado a pulsar de imensa ternura e solicitude materna por vós e pelo mundo» [3].

Foi a consoladora revelação que se ocultou ao público até ao 252 aniversário das aparições, como parte integrante do segredo confiado aos videntes. Assim o dispôs a Divina Providência, porque primeiro importava, que a realidade das aparições de Fátima se impusesse como verdade in­concussa. Era o trabalho árduo dos primeiros decénios. Convencido o mundo sensato de que na verdade Nossa Senhora apareceu na Cova da Iria, chegava o momento oportuno para mais clara e completamente compreender­mos os Seus desígnios.

— E Vossemecê que me quer? — perguntava invariavelmente a Lúcia, nas diferentes aparições da Senhora.

Hoje não há dúvida: o que nos quis a Virgem Mãe acima de tudo, com as suas manifestações, naquela Cova ditosa, foi revelar ao mundo o Seu Imaculado Coração, como o meio especial reservado por Deus para esta hora aflitiva e trágica. Quem a esta luz lê e medita as pági­nas incomparáveis da vida de Jacinta e do Francisco, compreende melhor, como afinal o Céu vinha encami­nhando tudo para este resultado final.

Primeiramente, antes que se revele esse segredo, faz Deus dos três afortunados Pastorinhos, modelos perfeitos da verdadeira devoção ao Imaculado Coração de Maria.

Já quando na primavera de 1916, na Loca do Cabeço, lhes aparece o Anjo, fixa desde logo a atenção dos peque­ninos nos Corações Santíssimos de Jesus e de Maria, mos­trando-lhes como esses Divinos Corações atendem às suas súplicas inocentes.

— Não temais — diz— sou o Anjo da Paz. Orai comigo.

E ajoelhando em terra — conta a Lúcia — curvou a fronte até ao chão. Levados por um movimento sobrena­tural, imitámo-lo e repetimos as palavras que lhe ouvimos pronunciar: — «Meu Deus, eu creio, adoro, espero e amo-Vos. Peço Vos perdão para os que não crêem, não ado­ram, não esperam e Vos não amam». Depois repetiu isto três vezes, ergue-se e disse: — «Orai assim; os Corações de Jesus e Maria estão atentos à voz de vossas súplicas» [4].

Aí está um dos elementos mais importantes na devo­ção ao Coração de Maria, tal qual a deseja Deus: oração de corações limpos, em espírito de expiação e reparação pela conversão dos pecadores.

Na segunda Aparição, manifesta o Anjo claramente aos pequeninos, que os Divinos Corações os designam para alta missão de misericórdia e para corresponderem a esses desígnios, hão-de orar e sacrificar-se continuamente em reparação e súplica pela conversão dos pecadores e assim obter a paz do mundo. Missão gigantesca, mas sob o influxo desses divinos Corações que neles têm postos os olhos, tudo será fácil.

Assim nos fala desta Aparição a Lúcia: «A segunda devia ter sido no fim do verão, nesses dias de maior calor, em que íamos com os rebanhos para casa, no meio da manhã, para os tornar a abrir só a tardinha. Fomos pois, passar as horas da sesta à sombra das árvores que cercavam o poço (no Arneiro ao fundo do quintal) já várias vezes mencionado. De repente vimos o mesmo Anjo junto de nós. — Que fazeis? Orai! Orai muito! Os Corações de Jesus e Maria têm sobre vós desígnios de misericórdia. Oferecei constantemente ao Altíssimo orações e sacrifícios.

— Como nos havemos de sacrificar? — perguntei.

— De tudo que puderdes, oferecei sacrifício em acto de reparação, pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores. Atraí assim sobre a nossa Pátria a paz. Eu sou o Anjo da sua guarda, o Anjo de Portugal. Sobretudo aceitai e suportai com submissão o sofrimento que o Senhor vos enviar [5].

Logo a seguir conclui a Lúcia: «Estas palavras do Anjo gravaram-se em nosso espírito, como uma luz que nos fazia compreender quem era Deus, como nos amava e queria ser amado, o valor do sacrifício e como ele Lhe era agradável, como por atenção a ele convertia os pecadores. Por isso, desde esse momento começámos a oferecer ao Senhor tudo o que nos mortificava, mas sem discorrermos a procurar outras mortificações ou penitências, excepto a de passarmos horas seguidas prostrados por terra, repe­tindo a oração que o Anjo nos tinha ensinado».

Na terceira Aparição revela-se, em quadro vivo deslumbrante, um novo elemento da prática da devoção ao imaculado Coração de Maria, que os Pastores já estão vivendo, sem formalmente o advertirem: a Comunhão reparadora. Devia ter sido em Outubro ou fins de Setem­bro. «Passamos da Pregueira (é um pequeno olival per­tencente a meus pais, declara a Irmã Lúcia) para a lapa dando a volta à encosta do monte pelo lado de Aljustrel e Casa Velha. Rezámos aí o Terço e a oração que na pri­meira Aparição nos tinha ensinado. Estando pois aí, nos apareceu pela terceira vez, trazendo na mão um cálice e sobre ele uma Hóstia, da qual caíam dentro do cálice algu­mas gotas de sangue. Deixando o cálice e a Hóstia sus­pensos no ar, prostrou-se em terra e repetiu três vezes a oração: — Santíssima Trindade, Pai, Filho, Espírito Santo, adoro-Vos profundamente e ofereço-Vos o preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, pre­sente em todos os sacrários da Terra, em reparação dos ultrajes, sacrilégios e indiferenças com que Ele mesmo é ofendido. E pelos méritos infinitos do Seu santíssimo Cora­ção e do Coração Imaculado de Maria, peço-Vos a conver­são dos pobres pecadores.

Depois, levantando-se, tomou de novo o cálice e a Hóstia e deu-me a Hóstia a mim e o que continha o cálice deu-o a beber à Jacinta e ao Francisco, dizendo ao mesmo tempo: — Tomai e bebei o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo horrivelmente ultrajado pelos homens ingratos. Reparai os seus crimes e consolai o vosso Deus.

De novo se prostrou por terra e repetiu connosco mais três vezes a mesma oração: Santíssima Trindade etc. e desapareceu» [6].

Neste período das aparições do Anjo, realizam os Pastorinhos o seu noviciado de devotos e apóstolos do Coração Imaculado de Maria, mas noviciado intensamente, austeramente fervoroso. Destaca-se desde já bem em foco a grande razão pela qual nos vai ser revelado o Coração de Maria: a conversão dos pecadores assim como os meios indispensáveis para isso: oração continua em actos de fé: «Meu Deus, eu creio»; actos de adoração: «adoro»; «Santíssima Trindade, Pai, Filho, Espírito Santo, adoro-Vos profundamente»; actos de esperança: «espero»; de amor: «Amo-Vos». Mas oração expiatória e reparadora: «e peço-Vos perdão para os que não crêem, não adoram, não espe­ram e Vos não amam»; oração em união com a Vítima dos altares: «ofereço-Vos o preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, presente em todos os sacrá­rios do mundo»; oração que, para ser ouvida, interpõe par­ticularmente os méritos do Coração de Jesus e de Maria.

A esta oração há de unir-se inseparavelmente o sacrifício contínuo.

* * *

Mais explicitamente porém, é nas aparições de Nossa Senhora, de 13 de Maio a 13 de Outubro de 1917, que o Imaculado Coração de Maria nos patenteia os seus desígnios de amor e misericórdia.

Desde a primeira vez que se mostra aos Pastores vem esse Coração de Mãe numa ânsia de unir a Si almas inocentes e generosas, para que A ajudem a aplacar a ira de Deus muito ofendido com os pecados do mundo.

— «Quereis oferecer-vos a Nosso Senhor para aceitar de boa vontade todos os sofrimentos que Ele vos quiser enviar, em reparação de tantos pecados com que a Divina Majestade é ofendida, para obter a conversão dos pecadores e em desagravo das blasfémias e ultrajes feitos ao imaculado Coração de Maria?» — interrogava Nossa Senhora.

Responde por todos três a Lúcia sem hesitação: — Sim, queremos!

Neste dizer prontamente que sim, há uma consagra­ção e entrega sem condições a Nossa Senhora — elemento essencial na devoção ao Imaculado Coração de Maria.

A Virgem Santíssima aceitou a oblação dos peque­ninos e profetiza-lhes:

— «Ides pois, ter muito que sofrer, mas a graça de Deus será o vosso conforto».

Ao pronunciar estas palavras — escreve mais tarde a Irmã Lúcia, quando já religiosa de Santa Doroteia — abriu as mãos, comunicando-nos uma luz muito intensa, como um reflexo que delas expedia, penetrando-nos no peito e no mais íntimo da alma e fazendo-nos ver a nós mesmos em Deus, que era essa luz, mais claramente do que nos vemos num espelho. Então por um impulso íntimo tam­bém comunicado, caímos de joelhos e repetimos, intimamente: «Ó Santíssima Trindade, eu Vos adoro, meu Deus, meu Deus, eu Vos amo no Santíssimo Sacramento» [7].

Em seguida pede-lhes Nossa Senhora a prática que Lhe é tão cara ao Seu Coração: — «Rezai o Terço todos os dias para alcançar a paz para o mundo e o fim da guerra».

As crianças começam desde logo a viver esta entrega total a Nossa Senhora e a cumprir à letra tudo o que lhes pediu.

— Hoje não quero brincar— avisava no dia seguinte à tarde a Jacinta.

— Porquê? — interroga a prima Lúcia.

— Porque estou a pensar que aquela Senhora nos disse para rezarmos o Terço e fazermos sacrifícios pela conversão dos pecadores. Agora quando rezarmos o Terço, temos que rezar a Ave Maria e o Padre Nosso inteiros. E os sacrifícios, como havemos de fazer?

Podemos dar a nossa merenda às ovelhas — sugeriu o Francisco.

E a proposta foi aceita [8] e começou para aquelas crianças, ainda de tão tenra idade, uma vida de heroísmo no sacrifício, digna dos Santos da Tebaida.

A 13 de Junho dá-se, como anunciara Maria Santíssima, a segunda Aparição, importantíssima para o ponto de vista que nos ocupa.

Logo que a Senhora poisou sobre a azinheirinha, pergunta a Lúcia:

— Vossemecê mandou-me vir aqui, faz favor de dizer o que me quer?

— Quero que venhais aqui no dia 13 do mês que vem e que rezeis o Terço intercalando entre os mistérios a jaculatória: «Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno; levai as alminhas todas para o céu, principal­mente as que mais precisarem».

Neste momento revela a Virgem à Lúcia que Nosso Senhor a escolhia para apóstola do Seu Imaculado Cora­ção: foi quando a pastorinha suplicou que a levasse para o Céu:

«— Queria pedir-lhe para nos levar para o Céu!

— Sim — responde a Virgem Maria — à Jacinta e ao Francisco levo-os em breve, mas tu ficas cá mais algum tempo. Jesus quer servir-se de ti para Me fazer conhecer e amar. Ele quer estabelecer no mundo a devoção ao Meu imaculado Coração. A quem a abraçar prometo a salvação; estas almas serão predilectas de Deus, como flores por Mim colocadas no Seu trono.

— Fico cá sozinha? — perguntou um pouco assustada.

— Não, filha. E tu sofres muito com isso? Eu nunca te deixarei. O meu Imaculado Coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá a Deus.

Foi no momento que disse estas palavras — conti­nua a Irmã Lúcia — que a Virgem abriu as mãos e nos comunicou pela segunda vez o reflexo da luz imensa que A envolvia. Nela nos vimos como submergidos em Deus. A Jacinta e o Francisco pareciam estar na parte que se elevava para o Céu e eu na que se espargia sobre a Terra. A frente da palma da mão direita de Nossa Senhora estava um Coração cercado de espinhos que nele se cravavam. Compreendemos que era o Coração Imaculado de Maria, ultrajado pelos pecados da Humanidade, que queria re­paração». [9]

Como se vê, este dia 13 de Junho [10] ocupa um lugar de destaque: é a Aparição formal do Imaculado Coração de Maria. Precisamente 242 anos antes, também no mês de Junho, e se não no dia 13, muito perto dele, entre os dias 13 e 21, dava-se em Paray-le-Monial a grande reve­lação do Coração Santíssimo de Jesus a Santa Margarida Maria. Também lá se manifestou o Coração do Salvador rodeado de espinhos significativos dos ultrajes e ingratidões dos homens; também lá pediu reparação e amor e um culto especial a esse Coração amante tão ferido.

Ao aparecer pela terceira vez em Julho, Nossa Senhora, sobre a azinheira, põe-se-nos mais em evidência a urgente necessidade que tem o mundo do Coração Imacu­lado de Maria. «Só Ela lhe pode valer».

«— Vossemecê que me quer? — indaga como sempre a Lúcia.

— Quero que voltem aqui no dia 13 do mês que vem, que continuem a rezar o Terço todos os dias em honra de Nossa Senhora do Rosário, para obter a paz do mundo e o fim da guerra, porque só Ela lhes poderá valer» — responde a Virgem Santíssima.

Insiste depois na necessidade de sacrifício pela salvação dos pecadores.

«— Sacrificai-vos pelos pecadores e dizei muitas vezes, em especial sempre que fizerdes algum sacrifício: ó Jesus, é por vosso amor, pela conversão dos pecadores e em reparação pelos pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria».

Agora vem o que há de mais trágico nestas aparições de Fátima. «Ao dizer estas palavras — continua a Lúcia — abriu de novo as mãos como nos dois meses anteriores. O reflexo que elas expediam pareceu penetrar a terra e vimos como um mar de fogo e mergulhados nesse fogo os demónios e as almas, como se fossem brasas transparentes e negras ou bronzeadas, com forma humana, que flutuavam no incêndio levadas pelas chamas que delas mesmas saíam, juntamente com nuvens de fumo, caindo para todos os lados assim como o cair das faúlhas nos grandes incêndios, sem peso nem equilíbrio, entre gritos e gemidos de dor e desespero, que horrorizavam e faziam estremecer de pavor. Os demónios distinguiam-se por formas horríveis e asquerosas de animais espantosos e desconhecidos, mas transparentes como negros carvões em brasa».

As criancinhas ficaram aterradas e a Lúcia deu um grito de pavor que os circunstantes ouviram: «Ai! Nossa Senhora!»

Desvanecido este espectáculo horroroso, prosseguiu a Virgem: — «Vistes o inferno, para onde vão as almas dos pobres pecadores. Para as salvar, Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração. Se fizerem o que Eu vos disser, salvar-se-ão muitas almas e terão paz.

E continuou: — «A guerra vai acabar, mas se não deixarem de ofender a Deus, começará outra pior. Quando virdes uma noite alumiada por uma luz desconhecida, sabei que é o grande sinal que Deus vos dá, de que vai punir o mundo dos seus crimes por meio da guerra, da fome e da perseguição à Igreja e ao Santo Padre. Para a impedir, virei pedir a consagração da Rússia ao meu Imaculado Coração e a Comunhão reparadora dos primeiros sábados. Se atenderem ao meu pedido, a Rússia se con­verterá e terão paz; se não, espalhará os seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à. Igreja: os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas; por fim o meu Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre consagrar-Me-à a Rússia, que se converterá e será concedido ao mundo algum tempo de paz. Em Portugal conservar-se-á sempre o dogma da Fé. Isto não o digais a ninguém; ao Francisco podeis dizê-lo».

É riquíssima em dados sobre a devoção ao Imaculado Coração de Maria esta Aparição. Revela-se-nos a finalidade, que Deus tem em vista ao querer que ela se estabeleça: a salvação dos pecadores; os frutos serão a salvação de muitos, se cumprirem as condições postas por Nossa Senhora; para a Rússia em particular, virá a sua conversão e para o mundo todo a paz. Lembram-se também os imensos males que se evitariam, se a tempo esta devo­ção fosse espalhada e cumpridas as condições postas por Nossa Senhora.

Na Aparição de Agosto, a 19, manifesta outra vez Maria Santíssima a contínua preocupação do Seu Coração Imaculado: os pecadores que vão para o inferno e a necessidade de almas que se sacrifiquem por eles, para os salvar:

«— Rezai, rezai muito e fazei sacrifícios pelos pecadores, pois vão muitas almas para o inferno por não haver quem se sacrifique e peça por elas».

«Estas palavras — escreve o R. P. Marchi — despertavam nos pequenos uma verdadeira fome de mortificações e de sofrimentos que somente nos é dado encontrar em poucas almas extraordinárias, nos Santos que com­preendem o inefável mistério do Crucifixo». [11]

As aparições de Setembro e Outubro não fazem mais do que inculcar os pontos em que mais tem insistido Nossa Senhora: que rezem o Terço; «que se emendem dos seus pecados e peçam perdão deles a Nosso Senhor». «Não ofendam mais a Nosso Senhor que já está muito ofendido».

Pede finalmente que construam ali uma capela à Senhora do Rosário, porque «Eu sou a Senhora do Rosário».

Mais tarde a Jacinta que escutou todas estas revela­ções e teve outras em particular, antes de ir para o hos­pital há-de dizer a Lúcia: 1) Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao Imaculado Coração de Maria; 2) que a Lúcia é a encarregada de o dizer; 3) que Deus nos con­cede todas as graças pelo Imaculado Coração de Maria; 4) que o Coração de Jesus quer que a Seu lado se venere o Coração de Sua Mãe; 5) que é no Coração de Maria que está a paz do mundo. Eis as suas palavras citadas pela. Irmã Lúcia: «Já falta pouco para ir para o Céu. Tu ficas cá para dizeres que Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao Imaculado Coração de Maria. Quando fores para dizeres isso, não te escondas, diz a toda a gente que Deus nos concede as graças por meio do Coração Imaculado de Maria, que lhas peçam a Ela, que o Coração de Jesus quer que a Seu lado se venere o Coração Imaculado de Maria. Que peçam a paz ao Imaculado Coração de Maria, que Deus lha entregou a Ela. Se eu pudesse meter no coração de toda a gente o lume que tenho cá dentro do peito a queimar-me e a fazer-me gostar tanto do Coração de Jesus e do Coração de Maria!»

Em visão profética viu a pequenina um dia a reali­zação deste desejo do Senhor:

— Não viste o Santo Padre? — pergunta ela à prima, sua confidente.

— Não.

— Não sei como foi: eu vi o Santo Padre numa casa muito grande, de joelhos diante duma mesa, com as mãos na cara a chorar; fora da porta da casa estava muita gente a atirarem-lhe pedras, outros rogavam-lhe pragas e diziam-lhe muitas palavras feias. Coitadinho do Santo Padre, temos de pedir muito por Ele!

E noutra ocasião: — «Ó Lúcia, não vês tanta estrada, tantos caminhos e campos cheios de gente a chorar com fome e não tem nada de comer? E o Santo Padre numa igreja diante do Imaculado Coração de Maria a rezar e tanta gente a rezar com ele»?...

Estas visões proféticas parecem traduzir bem os tre­mendos momentos em que Sua Santidade Pio XII consa­grou o mundo ao Imaculado Coração de Maria.

* * *

Passados anos teve a mais velha dos Pastorinhos, já religiosa, a seguinte visão por ela mesma descrita em terceira pessoa: «Dia 10-12-1925, apareceu-lhe a Santíssima Virgem e ao lado, suspenso em uma nuvem luminosa, um Menino. A Santíssima Virgem pôs-lhe no ombro a mão, mostrando-lhe ao mesmo tempo um coração que tinha na outra cercado de espinhos; ao mesmo tempo disse o Menino: — Tem pena do Coração de tua Santíssima Mãe que está coberto de espinhos que os homens ingratos a todos os momentos lhe cravam, sem haver quem faça um acto de reparação para os tirar!

«Em seguida a Santíssima Virgem: — Olha, minha filha, o meu Coração cercado de espinhos que os homens a todos os momentos Me cravam com blasfémias e ingratidões. Tu ao menos vê se me consolas e diz que pro­meto assistir na hora da morte, com as graças necessárias para a salvação a todos os que no primeiro sábado de cinco meses seguidos, se confessarem, receberem a Sagrada Comunhão, rezarem o Terço, Me fizerem quinze minutos de companhia, meditando nos quinze mistérios do Rosário, com o fim de Me desagravarem».

«Até 1926 ficou isto em silêncio, segundo ordem expressa de Nossa Senhora — escreve a Irmã Lúcia em carta de 2 de Dezembro de 1940 — No dia 15-12-1926, apareceu-lhe de novo o Menino Jesus. Perguntou se já tinha espa­lhado a devoção a Sua Mãe? Ela (continua a mesma Irmã Lúcia, falando sempre em terceira pessoa) expôs-Lhe as dificuldades que tinha o Confessor, e que a Madre Superiora estava pronta a propagá-la, mas que o confessor tinha dito, que ela só nada podia. Jesus respondeu: — É ver­dade que a tua Superiora só nada pode, mas com a minha graça pode tudo...»

«No dia 17-12-1927, foi junto do Sacrário perguntar a Jesus como satisfaria o pedido que lhe era feito, se a origem da devoção ao Imaculado Coração de Maria estava encerrada no segredo que a Santíssima Virgem lhe tinha confiado? — Jesus com voz clara fez-lhe ouvir estas pala­vras: — Minha filha, escreve o que te pedem e tudo o que te revelou a Santíssima Virgem, na aparição em que te falou desta devoção escreve-o também; quanto ao resto do segredo continua o silêncio» [12].

Como se vê, era chegado o momento de Lúcia cum­prir a missão a que a destinava a Providência; e pouco a pouco começou a constar destas revelações; muitos dos que tiveram conhecimento do facto, deram-se para logo a praticar a devoção ao Coração de Maria segundo as indicações da Irmã Lúcia. «Mas só a 13 de Setembro de 1939 — escreve ela — Sua Ex.a Rev.ma o Sr. Bispo de Leiria se dignou em Fátima tornar público este pedido de Nossa Senhora. Em 1929, Nossa Senhora, por meio de outra aparição, pediu a consagração da Rússia ao Seu Imaculado Coração, prometendo por este meio impedir a propagação de seus erros e a sua conversão. Algum tempo depois dei conta ao Confessor do pedido de Nossa Senhora; Sua Rev.a empregou alguns meios, para que se realizara, fazendo-o chegar ao conhecimento de Sua Santidade Pio XI».

Ainda na carta de 2 de Dezembro de 1940, significava a vidente o desejo da Consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria, pois Nosso Senhor prometia em retorno «abreviar os dias da tribulação, com que tem determinado punir as nações de seus crimes...»

* * *

É sabido como Pio XII na radiomensagem em língua portuguesa, por ocasião da conclusão do jubileu de Fátima, a 31 de Outubro de 1942, Consagrou o mundo ao Imaculado Coração de Maria, consagração que depois foi renovada solenemente na basílica de São Pedro, na festa da Imaculada Conceição, a 8 de Dezembro.

O movimento para a consagração do género humano ao Coração de Maria vinha de há quase um século. Parece ter-se inspirado nas aparições de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré. Desde então começaram a dirigir-se em variadíssimas circunstâncias pedidos à Santa Sé, para que se tributasse à. Rainha do Céu e da Terra este preito de amor. O mesmo Sumo Pontífice Pio XII recebeu de outras origens pedidos insistentes para que se dignasse fazer esta consagração [13].

Mas tem-se a impressão que foi Fátima a dar o impulso mais eficaz a esta realização.

O Mensageiro de Maria referia-se assim ao grande acontecimento, em Crónica de Roma: «A radiomensagem foi escutada por toda a colónia portuguesa de Roma (cerca de 60 pessoas), numa sala do Vaticano, onde em seguida o Santo Padre nos deu audiência, o que foi uma deferência, não só pelo caso em si, mas ainda por se realizar já noite fechada, o que é contra todos os protocolos do Vati­cano. Claro está que o melhor foi a Consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria, tão inesperada, que quando a começamos a ouvir, nos perguntamos, se aquilo seria a valer e oficialmente.

As dúvidas foi o próprio Papa quem as dissipou, pois a primeira coisa que fez, ao entrar na sala da audiência, foi perguntar-nos se estávamos satisfeitos com a Consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria, que acabava de ter lugar em cumprimento do pedido feito por Nossa Senhora de Fátima [14]».


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[1] Estudos Marianos, pág. 16, Fátima, 1945.

[2] Mensageiro do Coração de Jesus, Agosto de 1947, Braga, pág. 368.

[3] Radiomensagem pontificia na coroação de Nossa Senhora de Fátima, a 13 de Maio de 1946.

[4] Dr. Galamba de Oliveira JACJNTA, ed. 1943, pág. 62.

[5] Ib. págs. 63-64.

[6] Ib. pág. 65.

[7] Cfr. Era Uma Senhora Mais Brilhante que o Sol, de P. João Machi, I.M.C., pág. 59, 1.ª ed.

[8] Ib. pág. 67.

[9] Ib. pág. 69.

[10] É curiosa a coincidência de que a 13 de Junho de 1912 tenha Pio X aprovado a prática dos primeiros sábados em honra e desagravo do Coração Imaculado de Maria, como veremos mais adiante.

[11] Obr. cit. pág. 139.

[12] Cópia de documento escrito pela própria vidente.

[13] Em 1850, OS Bispos reunidos em Concilio provincial, em Albi, Aix, Bourges, Sens, consagram as suas dioceses ao Sagrado Coração de Jesus e ao Santíssimo Coração de Maria (prelúdio da Consagração da França pelo Episcopado, a 13 de Dezembro de 1914, ao Coração Imaculado de Maria). Em 1891 surge em Itália um Vasto movimento chefiado pelos cardeais de Milão e de Turim para a consagração das dioceses ao Coração de Maria.

A partir de 1900, o P. Deschamps, S.J. começou a recolher as petições para obter do Papa a Consagração do género humano ao Imaculado Coração de Maria. Em 1906, sob os auspícios do Card. Richard, partiu a segunda petição de Nossa Senhora das Vitórias e levou a Roma 707.845 assinaturas. Em 1908 e 1912 O R. P. Doré, Superior Geral dos Padres Eudistas, apresentou duas listas. O P. Lintelo S J. faz nova petição em 1914 e nesse mesmo ano o Congresso Eucarístico de Lourdes dirigiu oficialmente a Pio X a mesma petição e consta que Pio X estava resolvido a aquiescer a este pedido, se não fora a guerra e a morte do mesmo Pontífice. Em 1920 outra vez o Geral dos Eudistas recolhe mais 700.000 assinaturas. São estes também os votos dos múltiplos Congressos Marianos de Lião (1900), Friburgo (1902), Einsiedeln (1906), Paris (1927), Chartres (1927), Lourdes (1930), Boulogne-sur-Mer (1938), Saragoça (1940).

Em 1938, os Prelados Portugueses, reunidos em Fátima para cumprir o voto nacional pela protecção alcançada de Nossa Senhora, numa das horas mais difíceis da história nacional, não só renovaram a Consagração de Portugal ao Imaculado Coração de Maria, mas pediram em corpo gesto ao Santo Padre Pio XI se dignasse também con­sagrar o mundo todo ao mesmo amantíssimo Coração da Rainha do Céu. (Cfr. Mensageiro de Maria, 1938, pág. 172, onde se lê o texto do pedido feito ao Papa).

[14] Mensageiro de Maria, Fevereiro de 1943, transcrevendo «A Defesa» de 26-12-942. 
 

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