sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Julio Lois, Teologia da Libertação tornada vida

[IHU]

26/8/2011   
 “Docência teológica, compromisso social, educação popular, trabalho cívico e de vizinhança, em síntese harmônica, sem contradição nem dualismos, sem esquivar o conflito, mas assumindo-o com todas as suas consequências: é a melhor herança que Julio Lois Fernández nos deixa”, escreve o teólogo espanhol Juan José Tamayo, em artigo publicado no jornal El País, 25-08-2011. A tradução é do Cepat.
Juan José Tamayo é secretário-geral da Associação de Teólogos e Teólogas João XXIII e diretor da Cátedra de Teologia e Ciências das Religiões Ignacio Ellacuría na Universidade Carlos III de Madri.

Eis o artigo.


Após conviver serenamente com a doença durante um ano e meio, na segunda-feira faleceu, aos 76 anos, em La Coruña o sacerdote e teólogo pontevedrense Julio Lois Fernández, que fez da marginalização seu lugar social, da opção pelos pobres sua opção ético-evangélica e da Teologia da Libertação seu horizonte intelectual nos diferentes cenários em que levou sua vida. Primeiro na Universidade de Santiago, onde se licenciou em Direito. Teria sido um excelente defensor das causas perdidas que outros afamados juristas rechaçaram. Mas em sua orientação profissional valeram mais sua militância na Ação Católica e sua vocação ao sacerdócio.
O segundo cenário vital foi a Pontifícia Universidade de Salamanca, onde estudou teologia em pleno transcurso do Concílio Vaticano II. Ali leu os teólogos europeus que foram responsáveis pelas profundas transformações levadas a cabo durante as sessões conciliares: presença da Igreja no mundo, reforma interna da Igreja, liberdade religiosa, diálogo multilateral do cristianismo com a modernidade, com as religiões cristãs e com as tradições religiosas não cristãs, aplicação do método histórico-crítico ao estudo da Bíblia, etc.
O novo cenário que o marcou pelo resto da vida e representa um antes e um depois em seu itinerário humano e cristão foi a Bolívia, onde trabalhou de 1966 a 1970 como formador e professor no Seminário de Cochabamba, assessor do Movimento Operário Cristão e colaborador em uma paróquia de periferia. Foi ali que descobriu sua vocação teológica, que exerceu ininterruptamente durante 40 anos de maneira lúcida e criativa, e seguiu de perto o nascimento do novo paradigma da Teologia da Libertação, com o qual se identificou desde o começo e introduziu na Espanha no seu retorno da Bolívia.
O principal cenário de sua atividade acadêmica foi o Instituto Superior de Pastoral, da Pontifícia Universidade de Salamanca, onde deu aulas de teologia, seguidas por centenas de leigos, religiosos, religiosas e sacerdotes de todo o mundo, que se enriqueceram com suas contribuições sempre interpelantes e levaram à prática em seu trabalho pastoral e em seu compromisso político.
Três foram os temas nos quais abriu novos horizontes hermenêuticos desde uma perspectiva crítica: a Teologia da Libertação, a figura de Jesus de Nazaré e a relação dialética entre fé e política. Em cada um deles imprimiu um selo indelével, que ficar registrado em três de suas obras maiores: Fé e Política (1977), onde coloca a dimensão pública do cristianismo, respeitando a laicidade das realidades temporais, e o compromisso político dos cristãos, sem cair na confessionalidade; Teologia da Libertação. Opção pelos pobres (1986), sua tese de doutorado dirigida por nosso amigo e mestre comum Casiano Floristán; Jesus de Nazaré, o Cristo Libertador (1996), em sintonia com as principais cristologias europeias e latino-americanas, que recuperam o Jesus histórico e sua práxis libertadora.
Em coerência com sua orientação libertadora de sua teologia, em meados dos anos 1970 mudou de cenário de vida: abandonou o bairro de Argüelles e foi morar em Vallecas, onde exerceu o sacerdócio profeticamente, foi a consciência crítica da sociedade, participou de maneira ativa no movimento de bairro e trabalho na educação de adultos. Era a Teologia da Libertação feita vida.
Julio Lois ajudou na criação e coordenação do movimento cristão de base, que acompanhou vital e teologicamente com extraordinária generosidade. Foi, sem dúvida, o cenário onde mais a gosto se encontrava exercendo a dupla função de animador religioso e de teólogo itinerante. Não menos importante para ele era a Associação de Teólogos e Teólogas João XXIII, da qual foi um dos membros mais ativos desde a sua função e presidente de 2005 a 2009. A ela nos dedicamos os dois com verdadeira paixão e com generosa entrega durante 30 anos. Vamos recordá-lo especialmente no 31º Congresso de Teologia, que realizaremos de 8 a 11 de setembro.
Docência teológica, compromisso social, educação popular, trabalho cívico e de vizinhança, em síntese harmônica, sem contradição nem dualismos, sem esquivar o conflito, mas assumindo-o com todas as suas consequências: é a melhor herança que Julio Lois Fernández nos deixa.

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