terça-feira, 9 de agosto de 2011

Liberdade ou libertinagem?

[blogdafamiliacatolica]


Paulo Roberto Campos

Com referência ao que aqui publicamos sobre a questão das drogas, quando procuramos desmistificar a utopia de que maconha é “apenas” uma droga “leve” (utopia pregada por certa mídia e até por certos figurões da política nacional), além de congratulações — que agradeço de coração — recebi três e-mails objetando nossa posição. Eis as afirmações principais de cada um dos signatários:

1) “Você é que está metendo o nariz num assunto que não conhece. O baseado (maconha) não pode ser comparado às drogas pesadas, como a cocaína, heroína, crack e oxi”.

2) “Você, que parece ser católico retrógrado, sabe muito bem que não existe nenhum mandamento de Deus ordenando ‘Não se drogar’”.

3) “A liberdade é um bem, cada um tem a liberdade de se manifestar como quiser e de fazer o que der na telha. O que não se pode é restringir a liberdade de alguém, nem mesmo de uma criança. Os pais devem deixar os filhos crescer livremente sem coibir-lhes em nada”.

Aqui inicio a réplica, concedendo aos três prezados contestadores direito à tréplica.

1) Nosso primeiro contestador certamente conhece o provérbio popular: “Por um simples cravo se perde uma ferradura; por uma ferradura se perde um cavalo; por um cavalo se perde um cavaleiro; por um cavaleiro se perde um exército inteiro”. Por uma simples “tragada” pode-se perder um cavaleiro... Por uma simples fumaça, a desgraça...

Normalmente não se chega ao fundo do poço da desgraça pulando de cabeça diretamente; vai-se escorregando aos poucos, começando pela “droga leve”. Está é a porta de entrada para as “drogas pesadas”.

Em posts anteriores, publicamos diversos depoimentos testemunhando como é comum encontrar drogados inveterados que começaram “apenas” fumando a cannabis — que assim poderíamos definir: maconha é uma erva que aumenta a vontade de fumar... maconha.

Sim, não sou especialista no assunto drogas, mas posso opinar fundamentado naqueles que o são. Foi o que fiz, além de transcrever depoimentos de especialistas. Aliás, aproveito para aqui publicar mais um:
“Nos últimos vinte anos, tenho atuado na repressão a entorpecentes e sou testemunha do flagelo que assola as famílias cujos entes e amigos que se envolveram já não possuem mais futuro. É uma geração devastada pelo caminho sem volta daqueles que decidiram desafiar um inimigo perigoso — o crack. Desafiaram por livre vontade. Para as famílias que têm entes envolvidos com drogas duvido que as palavras ‘liberar’ e ‘descriminalizar’ soem bem. É errado o olhar romântico e vesgo que se dá a usuários de maconha. Ninguém começa com crack. A porta de entrada é a maconha”.
Renato Cabral Maciel
Agente de Polícia Federal
Vila Velha – ES

Amy Winehouse - período normal e período viciada em drogas 
2) Sim, não existe um 11º mandamento de Deus preceituando “Não se drogar”. Mas, assim como não posso atentar contra a vida de outrem — 5º Mandamento, “Não Matar” —, não posso atentar contra a minha própria vida, que não é propriedade minha, mas do Criador de todas as coisas. Ora, se a droga destrói o homem, podendo inclusive levá-lo à morte, quem se droga atenta contra o mandamento divino. Memento cantora inglesa Amy Winehouse, morta, com apenas 27 anos, por overdose. Na foto à direita, ela antes de ter experimentado qualquer tipo de droga. 

Além de infringir o 5º mandamento, transgride-se o 1º dos mandamentos: “Amar a Deus sobre todas as coisas”. Quem não ama a Deus, ama os prazeres da vida sobre todas as coisas e acabará por odiar a Deus. Os homens não somos livres para afrontar as Leis de Deus, mas, pelo contrário, devemos nos submeter a elas, até mesmo para alcançar a verdadeira felicidade. Disso podemos concluir que uma lei humana — como uma eventual legalização da droga — não pode contrariar a Lei divina. E, se porventura for aprovada tal lei, não se é obrigado a respeitá-la, ela é nula, pois, acima de tudo, devemos obediência a Deus.
A cantora inglesa, várias vezes flagrada sob efeito de drogas
   
3) Reafirmo que não nego que a liberdade é um bem e que respeito a “liberdade de expressão” dos contestadores, desde que esta não atente contra a ordem natural e contra as Leis divinas. Não posso forçá-los a aceitar nossa posição, nem impedi-los de meter o nariz onde quiserem, nem mesmo para cheirar as drogas que condenamos. O que não se pode aceitar são a perversão e o abuso da liberdade — por exemplo, como ocorre com a “Marcha pela legalização da maconha”.


Parece que esse terceiro contestador está confundindo “liberdade” com “libertinagem”, pois não se tem a liberdade de fazer o que “dá na telha” — por exemplo, a liberdade de cometer um estupro porque “deu na telha”; ou meter a mão da carteira de alguém porque “deu na telha”. Pensando como refutar esse falso conceito de liberdade, lembrei-me de um artigo que redigi para a revista "Catolicismo" (edição de outubro/1999), que parece responder à questão. (Segue sua transcrição).

É preciso saber dar e negar
Falso conceito de liberdade leva à escravidão aos vícios.
Liberdade: direito de se fazer tudo que a lei de Deus permite.

Paulo Roberto Campos

A matéria publicada na edição de agosto, ressaltava como certa pedagogia dita moderna se equivocou ao querer inculcar nos pais de família uma atitude excessivamente indulgente: nunca proibir, jamais dizer não aos impulsos dos filhos. Ou seja, a aplicação apenas da primeira parte do axioma em epígrafe, É preciso saber dar..., — dar aos filhos tudo quanto exijam, ceder sempre, conceder-lhes uma liberdade sem fronteiras. Em contraposição, apresentamos então o que ensina a pedagogia tradicional, norteada nos princípios da Santa Igreja: é preciso saber dar, mas também, quando necessário, saber negar, proibindo aos filhos aquilo que os levariam a adquirir maus hábitos.
*      *      *
Em continuidade, mostraremos agora que tal pedagogia liberal é caolha ao ver apenas um lado da questão. Pois, baseando-se num falso conceito de liberdade, ensina que as crianças, para serem felizes, devem viver inteiramente livres, fazendo o que “der na veneta” e que não se deve coibir-lhes em nada suas espontaneidades.
Isso devido a uma falsa intelecção de liberdade. Permitindo fazer tudo o que pede a imaginação, as más tendências levam o homem a ceder a seus próprios caprichos e às más paixões, e logo ao pecado. Daí a expressão “escravo do pecado”.

Liberdade e “liberdade”
Iniciamos a exposição do tema por uma explicitação feita pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira [ao lado, desenho à mão livre] a respeito do exato sentido de liberdade:
“A doutrina católica sobre a liberdade humana ensina que esta consiste, não no direito ou na faculdade de fazer tudo quanto aprouver aos sentidos e à imaginação, mas em seguir os ditames da razão, por sua vez ilustrada e amparada pela fé. O que constitui precisamente o contrário da doutrina de Freud e da maior parte das escolas psicológicas e psiquiátricas que surgiram depois dele.
“Ora, nestas condições, a sujeição a uma disciplina voltada a impedir que o homem se ponha em ocasiões de ser arrastado pelo bramido irracional e turbulento dos instintos, constitui, não um vínculo ou uma algema para a liberdade, mas uma preciosa proteção para ela.
“Assim, proibir a um jovem que freqüente ambientes onde se fume maconha não é limitar a liberdade dele, mas garantir essa liberdade contra a tirania do vício, para o qual uma tentação sutil ou torrencial pode atraí-lo de um momento para outro”(1).

Liberdade? Sim, para o bem; não, para o mal
Na conhecida Encíclica de Leão XIII, Libertas Praestantissimum, de 20 de junho de l888, (ver quadro abaixo, em azul) o Pontífice denuncia como distorção e abuso da liberdade permitir-se fazer tudo o que passa pela cabeça, inclusive o mal; liberdade não consiste na espontaneidade instintiva, mas em seguir a reta consciência, pois, a verdadeira noção de liberdade está na prática da virtude e não na faculdade de pecar, que seria escravidão.
Assim, uma criança obedecendo aos pais, não é tolhida em sua liberdade, mas dá provas de ser livre aceitando ser por eles orientada naquilo que é bom e evitando o mal.
O santo pedagogo Pe. Champagnat soube, na educação dos meninos nos colégios maristas por ele fundados, harmonizar extraordinariamente o saber dar e o saber negar. Segundo ele, para conciliar disciplina e liberdade é necessário gravar os princípios religiosos na alma da criança e formar-lhe a vontade, mas desde os primeiros anos. Se já crescidas, seria como querer endireitar um grande arbusto – ao dobrá-lo, ele se quebra. Ao passo que, sendo ele pequenino, facilmente é endireitado.
Quando ainda criança, os bons princípios imprimem-se com facilidade no espírito e no coração da criança, ela adquire o gosto na prática da virtude, convencida de que esta é o bem que a torna verdadeiramente feliz, mesmo neste mundo, e que o pecado é o pior dos males.
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Leão XIII: Adesão a um bem falso = defeito da liberdade

"A liberdade, portanto, é, como temos dito, herança daqueles que receberam a razão ou a inteligência em partilha; e esta liberdade, examinando-se a sua natureza, outra coisa não é senão a faculdade de escolher entre os meios que conduzem a um fim determinado. É neste sentido que aquele que tem a faculdade de escolher uma coisa entre algumas outras, é senhor de seus atos. ....
"Assim como o poder enganar-se, e enganar-se realmente, é uma falta que acusa a ausência da perfeição integral na inteligência, assim também aderir a um bem falso e enganador, ainda que seja um indício do livre arbítrio, constitui contudo um defeito da liberdade, como a doença o é da vida. 
Igualmente a vontade, só pelo fato de que depende da razão, desde que deseja um objeto que se afaste da reta razão, cai num vício radical que não é senão a corrupção e o abuso da liberdade. Eis por que Deus, a perfeição infinita, que, sendo soberanamente inteligente e a bondade por essência, é também soberanamente livre, não pode de nenhuma forma querer o mal moral. E o mesmo sucede com os bem-aventurados do Céu, graças à intuição que têm do soberano bem. ....
"O Doutor Angélico ocupou-se frequente e longamente desta questão; e da sua doutrina resulta que a faculdade de pecar não é uma liberdade, mas uma escravidão”. 
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(Leão XIII, Encíclica Libertas Praestantissimum, Documentos Pontifícios, Nº. 9, Vozes, Petrópolis, 1961, 4a. ed., pp. 6 a 8).
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Para a boa formação, aliar firmeza com bondade

São Marcelino Champagnat [pintura ao lado] ensina que, para a formação da vontade das crianças, é preciso impor disciplina, mas sem exigências desnecessárias; advertir, mas com doçura; castigar, mas sem aterrorizar.
A seguir, alguns de seus conselhos nesse sentido:
“Realizar trabalho de educação é formar a vontade da criança, ensinando-a a obedecer. A grande chaga deste nosso século é a independência. Cada um quer fazer a sua vontade e se crê mais capaz de mandar do que obedecer.
“A criança recusa submissão aos pais; os subordinados revoltam-se contra seus chefes; a maior parte dos cristãos desprezam as leis de Deus e da Igreja. Numa palavra, por toda parte reina a insubordinação. Portanto, presta-se bom serviço à Religião, à Igreja, à sociedade, à família e, sobretudo, à própria criança, orientando-lhe a vontade, ensinando-a a obedecer. Ora, para formar a criança à obediência, é preciso:
1o.) Jamais mandar o que não seja justo e razoável. Nada exigir dela que repugne à razão ou revele injustiça, tirania ou capricho: ordens deste tipo só perturbam o espírito da criança, inspiram-lhe profundo desprezo;
2o.) Evitar mandar ou proibir muitas coisas de uma só vez. A multiplicidade de ordens ou proibições gera a confusão, leva ao desânimo e faz a criança esquecer ou desprezar boa parte das ordens ou proibições. Aliás, qualquer pressão desnecessária tem como resultado fazer desanimar ou semear o mau espírito;
3o.) Jamais ordenar coisas muito difíceis ou impossíveis, porque exigências exorbitantes irritam as crianças, tornando-as teimosas ou rebeldes em vez de torná-las dóceis;
4o.) Exigir a execução total do que se ordenou dentro do justo e razoável; pois dar ordens ou impor deveres, castigos e não exigir o cumprimento é favorecer a desobediência às ordens e proibições que se deu;
5o.) Estabelecer boa disciplina e exigir que se cumpra o regulamento. Essa disciplina é de molde a fortalecer a vontade da criança e dar-lhe energia, habituá-la à obediência e a uma certa violência que é preciso impor-se para lutar contra as paixões e praticar a virtude. Essa disciplina exercita a vontade por meio das renúncias freqüentes que ela enseja; obriga a criança a refrear sua dissipação, ficar em silêncio, conservar-se no recolhimento, prestar atenção às lições do professor, manter a compostura, reprimir suas impaciências, chegar em tempo, estudar as lições, cumprir as tarefas, mostrar-se respeitosa com os professores, leal e obsequiosa com os colegas e ajustar seu caráter a uma porção de coisas que a contrariam. Pois esta série de atos de obediência e uma seqüência de pequenas vitórias sobre si mesma e seus defeitos constituem o meio privilegiado de lhe formar a vontade, torná-la forte e dócil a um tempo e dar-lhe a constância no bem”(2).
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Notas:
1) Plinio Corrêa de Oliveira, Guerreiros da Virgem, Editora Vera Cruz Ltda., São Paulo, 1985, pp. 122 a 124
2) Ensinamentos do Bem-Aventurado Champagnat (Excertos de “Avis, leçons, sentences et instructions”), por Ir. João Batista Furet, FMS. Ed. Educa, Curitiba, 1987, pp. 228-229.

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