quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Uma análise das Jornadas Mundiais da Juventude: ''São os evangélicos, cara!''


[IHU]

25/8/2011  

"Se os liberais querem dialogar com a pós-modernidade, os evangélicos querem convertê-la – mas nenhum dos dois busca um retorno a um “status quo ante”, escreve John L. Allen, vaticanista americano, que cobriu seis Jornada Mundiais da Juventude, em artigo publicada no National Catholic Reporter, 19-08-2011.
Segundo ele, "muitos católicos evangélicos realmente dão as boas-vindas à secularização, porque ela força a religião a ser uma escolha consciente, ao invés de ser uma herança passiva".
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o artigo.

Ontem, o Papa Bento XVI chegou a Madri para aquela que será oficialmente a 26 ª edição da Jornada Mundial da Juventude, um total que inclui eventos organizados, pelo menos em teoria, em nível diocesano nos anos sem as jornadas. Contando apenas os encontros internacionais em massa encabeçados pelo papa, Madri é a 12ª Jornada Mundial da Juventude desde que João Paulo II lançou a tradição em Roma, em 1985.

Coletivamente, esses encontros geraram multidões de mais de 15 milhões de pessoas, tornando a Jornada Mundial da Juventude os Jogos Olímpicos da religião do mundo: o maior evento religioso internacional realizado regularmente do planeta.

A "Jornada Mundial da Juventude" é, naturalmente, um daqueles encantadores traços do vocabulário católico que persistem apesar de ter sobrevivido minuciosamente à sua precisão. Foi um único dia de 1985, mas se transformou em um "jamboree" [encontro internacional de escoteiros] de uma semana, composta por peregrinação e devoção, catequese, liturgias e sacramentos, e até mesmo festivais pop do estilo Lollapalooza (o setlist inclui a PriestBand, um septeto composto apenas por sacerdotes associados com a Comunidade Emmanuel, que só se apresenta nas Jornadas Mundiais da Juventude. Onde mais você pode encontrar sete homens de clergyman cantando e tocando como Bon Jovi, enquanto apresentam músicas como "We Sing for Jesus"?).

De um ponto de vista midiático, o instinto é olhar para o que há de novo em torno de uma Jornada Mundial da Juventude em particular, para o qual a única resposta honesta é "não muita coisa". Até agora, o modelo está muito bem definido; o que muda não é tanto o show, mas sim o público.

Dito isso, há algumas histórias interessantes desta vez.

Por um lado, a Jornada Mundial da Juventude 2011 ocorre enquanto o mundo flerta com apocalipse financeiro, e a crise bancária da Espanha e a taxa impressionante de desemprego formam uma das linhas de frente. Isso gerou polêmica em torno ao custo do evento, embora os organizadores insistem que ele está sendo coberto por meio de doações privadas e taxas dos participantes, em vez de fundos públicos. No entanto, cerca de 150 grupos, incluindo ateus e esquerdistas seculares, organizaram um protesto sob o lema "Visita papal, não com os meus impostos!". Isso poderia oferecer uma espécie de teatro de rua. Na quarta-feira, artigos midiáticos indicaram que a polícia espanhola havia prendido um jovem mexicano que aparentemente estava planejando lançar gás lacrimogêneo contra as brigadas antipapais.

Por outro lado, esta é a primeira viagem de Bento XVI à Espanha naquela que agora é claramente uma era pós-Zapatero. Por uma década, o primeiro-ministro socialista José Luis Rodríguez Zapatero lutou contra a Igreja em todas as frentes imagináveis, tornando-o o bicho-papão da imaginação católica europeia. No entanto, enfraquecido pela implosão econômica e pelas percepções de corrupção, Zapatero anunciou que não vai se candidatar para um terceiro mandato e convocou eleições para novembro, aludindo a uma possível reformulação das guerras culturais da Espanha (e talvez da Europa).

Aqui, quero me focar na floresta que a Jornada Mundial da Juventude representa, ao invés de suas árvores individuais. O quadro geral é o seguinte: a Jornada Mundial da Juventude oferece a prova mais clara possível de que o movimento evangélico que percorre todo o catolicismo hoje não é simplesmente um fenômeno "de cima para baixo", mas também uma forte força "de baixo para cima".

Definindo o catolicismo evangélico


"Catolicismo evangélico" é um termo que está sendo usado para capturar a versão católica de uma política da identidade do século XXI, refletindo a transição histórica de longo prazo no Ocidente do cristianismo como uma maioria formadora de cultura ao cristianismo como subcultura, mesmo que grande e influente. Eu defino o catolicismo evangélico em termos de três pilares:

- Uma forte defesa da identidade católica tradicional, ou seja, o apego aos marcadores clássicos do pensamento católico (ortodoxia doutrinária) e da prática católica (tradição litúrgica, vida devocional e autoridade).

- Robusta proclamação pública do ensino católico, com ênfase na missão “ad extra” do catolicismo, transformando a cultura à luz do Evangelho, ao invés de “ad intra”, na reforma interna da Igreja.

- A fé vista como uma questão de escolha pessoal, em vez de herança cultural, o que, entre outras coisas, implica que, em uma cultura altamente secular, a identidade católica nunca pode ser dada por óbvia. Ela sempre tem que ser provada, defendida e manifestada.

Eu uso conscientemente o termo "evangélico" para capturar tudo isso em vez de "conservador", embora reconhecendo que muitas pessoas experimentam o que eu acabei de esboçar como um impulso conservador. Fundamentalmente, no entanto, tem a ver com outra coisa: com a fome de identidade em um mundo fragmentado.

Historicamente, o catolicismo evangélico não é realmente "conservador", porque restou muito pouco do catolicismo cultural nos dias de hoje a ser conservado. Pela mesma razão, ele não é tradicionalista, embora ponha um galardão sobre a tradição. Se os liberais querem dialogar com a pós-modernidade, os evangélicos querem convertê-la – mas nenhum dos dois busca um retorno a um “status quo ante”. Muitos católicos evangélicos realmente dão as boas-vindas à secularização, porque ela força a religião a ser uma escolha consciente, ao invés de ser uma herança passiva. Como disse o falecido cardeal Jean-Marie Lustiger, de Paris, na definição de dicionário de um católico evangélico, "nós realmente estamos no alvorecer do cristianismo".

Paradoxalmente, essa ânsia de lançar o catolicismo ortodoxo como o prato principal mais satisfatório do bufê espiritual pós-moderno, usando as ferramentas e as táticas de uma aldeia global saturada midiaticamente, torna o catolicismo evangélicos tradicional e contemporâneo ao mesmo tempo.

Evangélico de baixo para cima

O "catolicismo evangélico" tem sido a força dominante no nível da definição de políticas da Igreja Católica desde a eleição do Papa João Paulo II em 1978. Se você quiser entender o oficialismo católico hoje – por que as decisões estão sendo tomadas da forma em que estão sendo tomadas no Vaticano, ou na Conferência dos Bispos dos EUA, ou em um número cada vez maior de dioceses –, essa é facilmente a tendência mais importante que envolve a sua mente.

No entanto, você vai entender o catolicismo evangélico muito equivocadamente se você pensar nele exclusivamente como um movimento de cima para baixo. Há também um forte componente de baixo para cima, que é mais palpável entre um determinado segmento da população católica mais jovem católico.

Não estamos falando sobre a grande massa de católicos de 20 ou pouco mais de 30 anos, que estão por todas as partes do mapa em termos de crenças e valores. Ao contrário, estamos falando sobre aquele núcleo interno de jovens católicos ativamente praticante, que mais provavelmente irão discernir uma vocação à vida sacerdotal ou religiosa, mais provavelmente irão se matricular em cursos de graduação de teologia, e mais provavelmente irão seguir uma carreira na Igreja como leigos – ministros da juventude, coordenadores da vida paroquial, ministros litúrgicos, autoridades diocesanas, e assim por diante. Nesse subsegmento da população católica mais jovem de hoje, há uma energia evangélica tão espessa que você pode cortá-la com uma faca.

É desnecessário dizer que os grupos que eu acabei de descrever constituem a futura liderança da Igreja.

Uma vez, a ideia de que a geração mais jovem de católicos intensamente comprometidos era mais "conservadora" pertencia ao campo das impressões anedóticas. Agora, essa é uma certeza empírica folheada a ferro.

Caso em questão: um estudo de 2009 realizado pelo Centro de Pesquisa Aplicada no Apostolado da Georgetown University e patrocinado pela Conferência Nacional das Vocações Religiosas dos EUA, encontrou um forte contraste entre os novos membros das ordens religiosas nos EUA de hoje (a geração anos 2000) e a velha guarda. Em geral, religiosos mais jovens, tanto homens quanto mulheres, são mais propensos a primar pela fidelidade à Igreja e escolher uma ordem religiosa com base na sua reputação de fidelidade. Estão mais interessados em usar o hábito e em modos tradicionais de expressão espiritual e litúrgica. E estão muito mais positivamente inclinados à autoridad

Para perceber por onde os ventos estão soprando, consideremos as ordens femininas. O estudo constatou que entre aquelas que pertencem à Leadership Conference of Women Religious, considerado o grupo mais "liberal", apenas 1% têm pelo menos dez novos membros. Entre aquelas que pertencem ao Council of Major Superiors of Women Religious, visto como o grupo mais "conservador", robustos 28% têm pelo menos dez novos membros.

Em grande parte, é um erro diagnosticar essa tendência em termos ideológicos, como se tivesse a ver com a política de esquerda ou de direita. Para os católicos mais jovens de hoje, é mais uma questão de experiência geracional. Eles não cresceram em uma Igreja sufocante e totalmente controladora, e por isso não se rebelam contra ela. Em vez disso, estão se rebelando contra um mundo secular sem raízes, tornando-os ávidos por abraçar marcadores de identidade e fontes de significado claros.

Entre os jovens, o catolicismo evangélico usualmente se torna ideológico somente se a geração mais velha coloca-os contra a parede, exigindo-lhes que escolhem um lado nas batalhas internas da Igreja. Essa tendência, infelizmente, parece igualmente pronunciada na esquerda e na direita.

Catolicismo evangélico e a JMJ


Sem dúvida, nem todos os jovens reunidos em Madri nesta semana são evangélicos. Eu já cobri cinco JMJs, e a minha observação é de que é possível identificar três grupos em geral: um núcleo central fanático; uma parte mais morna, que não pensa tanto sobre religião, mas que ainda vai à missa e vê a fé como algo positivo; e aqueles que estão apenas por causa da viagem, talvez porque seus pais pagariam a ida à JMJ, mas não para as férias no Cabo (geralmente, estes são as crianças que jogam bola e tomam sorvete durante os encontros de catequese).

Pastoralmente, eu sempre pensei que o objetivo era levar alguns jovens desse segundo grupo para o primeiro, e do terceiro grupo para o segundo.

Dito isso, os evangélicos claramente definem o tom. A JMJ talvez seja o único evento internacional em que ser fiel e energicamente católico significa a escolha do estilo de vida "da moda". Para ser claro, essa paixão não é artificialmente fabricada por ideólogos partidários e impingida sobre jovens impressionáveis, como os comícios de Nüremberg ou as brigadas da Guarda Vermelha de Mao: é algo que esses jovens crentes já sentem, e a JMJ simplesmente providencia uma vazão.

Nesse sentido, a JMJ é o principal lembrete de uma verdade fundamental sobre o catolicismo no início do século XXI. Dado o duplo golpe do catolicismo evangélico tanto como a ideia fixa da classe dirigente da Igreja, quanto a força motriz entre o núcleo interno dos fiéis mais jovens, ele está destinado a moldar a cultura da Igreja (especialmente no norte global, ou seja, na Europa e nos EUA) para o futuro previsível. Pode-se discutir seus méritos, mas não o seu poder de permanência.

No mundo real, a disputa pelo futuro católico não é, portanto, entre os evangélicos e algum outro grupo – digamos, os reformistas liberais. Ela está dentro do movimento evangélico, entre uma ala aberta e otimista comprometida com a "ortodoxia afirmativa", isto é, enfatizando o que a Igreja afirma, em vez do que ela condena, e um grupo mais defensivo, comprometido com a promoção da guerra cultural.

Será interessante acompanhar como essa tensão irá se dar entre a safra de líderes da Igreja de hoje. Mas talvez ainda mais decisivo será ver qual instinto irá prevalecer entre as centenas de milhares de jovens católicos na Espanha nesta semana e qual geração evangélica eles representam.

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