domingo, 28 de agosto de 2011

Uma reflexão sobre decisão da Arquidiocese de Boston de publicar os nomes dos padres acusados


[IHU]


28/8/2011  

Na tarde da última quinta-feira, a Arquidiocese de Boston anunciou que havia compilado uma lista de todos os clérigos da arquidiocese que haviam sido acusados de abusar sexualmente de crianças e a está colocando em um local de fácil acesso em sua página eletrônica.
A análise é de Michael Sean Winters, publicado no sítio National Catholic Reporter, 26-08-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Um total de 159 clérigos estão listados no novo sítio e inclui todos os clérigos que foram acusados e condenados por tribunais penais ou eclesiásticos, todos clérigos que foram acusados e laicizados, ou que foram acusados mas posteriormente exonerados.
As duas únicas categorias de clérigos contra os quais foram feitas acusações públicas que não foram incluídos nas listas são clérigos que pertencem a ordens religiosas e que haviam morrido até o momento em que as acusações foram feitas. Os clérigos que já morreram mas estavam vivos na época das acusações estão incluídos na lista.
Tenho certeza de que essa decisão vai abrir algumas feridas que tinham começado a curar. Estou certo de que alguns vão criticar o cardeal Sean O'Malley por ter "empurrado os padres para debaixo do ônibus" e outros vão se queixar de que as novas revelações não irão chegar suficientemente longe.

Mas espero que os críticos primeiro leiam a carta do cardeal O'Malley que anuncia a sua decisão [disponível aqui em inglês].
A carta não tem precedentes na forma como o arcebispo compartilha o seu próprio processo de tomada de decisão sobre essas difíceis questões. Quer você concorde ou discorde das suas decisões de divulgar essa informação de forma tão pública, é difícil não admirar a sua disposição de compartilhar com as pessoas afetadas o processo de reflexão que levou às decisões.
Decisões angustiantes
O Pe. Richard Erikson, vigário-geral da arquidiocese, me disse que essa foi "uma das decisões que mais angustiaram o cardeal nos cinco anos em que eu trabalho com ele".
E é fácil perceber o porquê. As pessoas têm direito à sua reputação. Essa não é uma preocupação moral pequena. As pessoas também têm o direito de serem tratadas como inocentes até que se prove o contrário e que sejam enfrentadas com os seus acusadores. Esses são princípios legais que distinguem a nossa sociedade como uma sociedade civilizada.
Por outro lado, a cultura de ofuscação clerical e hierárquica que tornou um escândalo sexual em um escândalo de responsabilidade exige abertura e também responsabilidade se a Igreja quer mesmo recuperar a sua credibilidade. Como equilibrar essas preocupações morais igualmente prementes e facilmente conflitantes?
Eu suspeito que grande parte das críticas de fora da Igreja irão se focar sobre o fato de que alguns padres não foram listados. Como observado acima, o direito de enfrentar quem acusa é um princípio duramente conquistado na subida da nossa civilização na montanha da justiça. Ainda estamos subindo, na verdade, mas o fim da Star Chamber [corte especial para pessoas proeminentes do império inglês] foi uma coisa boa.
Entre as razões da alegria nos rostos do povo da Líbia, está a esperança de que eles, também, nunca terão que enfrentar um sistema legal excêntrico em que tais direitos básicos são negados. A decisão do cardeal O'Malley de não publicar os nomes dos padres que haviam morrido antes de que quaisquer alegações fossem feitas honra esse princípio de justiça.
Por outro lado, por que publicar os nomes de qualquer um daqueles que morreram? Afinal, eles não estão aqui para defenderem junto ao cardeal que não se faça mais publicidade em torno dos seus nomes e, mais ainda, eles obviamente já não representam qualquer ameaça para as crianças. Mas uma das razões de publicar os nomes é porque outras vítimas, que podem nunca ter sido capazes de sequer discutir o que aconteceu com elas, podem ver um nome na lista e dizer: "Eu não fui o único", e assim se pronunciarem e encontrarem a cura para si mesmas e dar credibilidade às acusações de outras vítimas.
Ordens religiosas
A decisão de não publicar os nomes dos acusados de abuso que pertencem a ordens religiosas é ainda mais controversa. Aqui está o problema: mesmo que esses padres religiosos estivessem trabalhando em Boston quando abusaram de um menor, qualquer investigação canônica das acusações seria conduzida por sua ordem religiosa, e não pela arquidiocese. Se uma acusação é feita contra um padre de uma ordem religiosa em Boston, as autoridades são notificadas imediatamente. Isso acontece com todas essas acusações e acontece mesmo antes que tenha havido qualquer determinação se a acusação tem credibilidade “prima facie”.
A arquidiocese, depois, remove as faculdades do sacerdote da ordem religiosa e remete o assunto à ordem religiosa, para investigação. Assim, cada ordem religiosa tem a responsabilidade de determinar suas próprias políticas referentes à divulgação dos nomes. Publicar esses nomes seria tanto infringir os direitos das ordens religiosas, quanto, em certo sentido, tornar a arquidiocese responsável pela credibilidade das investigações conduzidas pelas ordens religiosas. Mas, como se pode ver, a questão é complicada, e esse é o tipo de complicações que deixam nervosos alguns observadores externos.
Outra decisão controversa foi publicar uma lista distinta daqueles padres contra os quais foram feitas acusações públicas, mas que foram exonerados por uma investigação civil ou canônica. Há uma narrativa em alguns círculos de que os bispos estão querendo "empurrar os padres para debaixo do ônibus" para preservar a sua própria reputação como "homens durões".
Nesse caso, o oposto também é válido. Erikson explicou que, pesquisando no sítio da arquidiocese, você pode, às vezes, encontrar o anúncio da acusação original contra o padre e o anúncio de que ele estava sendo removido do ministério durante a investigação, mas que o sítio pode não incluir a informação sobre a sua exoneração.
"Uma das razões de publicar os nomes daqueles que foram exonerados é ajudá-los a limpar os seus nomes", disse-me Erikson.
A arquidiocese não depende apenas dos seus próprios registros para determinar quais padres haviam enfrentado acusações públicas, embora, desde que a arquidiocese adotou as Normas de Dallas em 2002, qualquer padre contra o qual foi feita uma acusação credível foi removido do ministério, e esse fato foi publicado pela arquidiocese.
A lista atual também inclui os nomes de qualquer padre listado no sítio BishopAccountability.org e em quaisquer outros sítios de defensores das vítimas.
É difícil avaliar como equilibrar as demandas da justiça nesses casos. Fazer isso de uma forma pastoral que traga a cura só contribui para a dificuldade.
Abusadores falecidos
Tomemos uma das questões mais espinhosas, sobre a qual certamente alguns estão desapontados: a decisão de não listar aqueles padres que morreram antes de que quaisquer acusações fossem feitas.
"Eu enfatizo que a nossa decisão de não listar os nomes dos padres falecidos que não haviam sido acusados publicamente e daqueles sobre os quais não havia sido realizado ou concluído nenhum processo canônico (a maioria foi acusada muito tempo depois de sua morte) não significa, de modo algum, que a arquidiocese não considera que as reivindicações dos sobreviventes particulares que acusaram esses padres falecidos sejam confiáveis ou convincentes", escreveu O'Malley.
"De fato, em muitos desses casos, a arquidiocese já procedeu para compensar o sobrevivente e oferece aconselhamento e cuidado pastorais aos indivíduos".
É muito importante validar a experiência dos outros em tais casos e, até mesmo aqui, em uma decisão que irá desapontar alguns, a sensibilidade pastoral de O'Malley acerta no alvo.
Então, por que tomar decisão de publicar todos os nomes em um só lugar? Responsabilidade. Abertura.
"Boston tem uma responsabilidade específica, porque foi aí que a crise dos abusos sexuais começou", disse Erikson.
Naturalmente, nós agora sabemos que a crise dos abusos sexuais começou em muitos outros lugares nas décadas de 1970 e 1980, quando a maioria dos abusos realmente aconteceu. O que aconteceu em Boston em 2002 foi uma crise diferente, uma crise de autoridade moral episcopal.
O que aprendemos em 2002 foi que os bispos tinham sido informados sobre as coisas horríveis que haviam ocorrido e que eles não reagiram com horror. Eles reagiram com estratégias legais e apologias comedidas e, mais infelizmente, em alguns casos, eles reagiram com esforços continuados de encobrir os crimes que haviam sido cometidos.
Não em Boston. Em Boston, desde que o cardeal O'Malley chegou, a resposta foi direta. O'Malley já se encontrou com dezenas de vítimas.
Ao contrário de algumas dioceses que têm combatido os esforços de elevar o estatuto das limitações, em Boston, esses estatutos, assim como aqueles que fornecem imunidade para organizações sem fins lucrativos, têm sido acolhidos nas negociações de ressarcimentos.
Em Boston, ao contrário de algumas outras dioceses, as Normas de Dallas foram implementadas e seguidas. Em Boston, o Conselho de Revisão inclui vítimas. Em Boston, cerca de 300 mil crianças receberam treinamento de ambiente seguro, e 175 mil adultos foram treinados sobre como reconhecer e denunciar suspeitas de abuso.
E, agora, Boston se torna a maior arquidiocese do país a publicar os nomes daqueles que foram publicamente acusados em um só lugar.
Por que isso? Porque, se essa lista mais acessível ajudar mesmo que uma única vítima a se pronunciar e a encontrar a cura, reabrindo a ferida que tem afligido a arquidiocese por tanto tempo, terá valido a pena. Porque a Igreja não pode curar a menos que as vítimas do seu clero sejam curadas. Porque a Igreja não pode se seguir em frente enquanto ela está atolada nas formas secretas e evasivas do passado. Porque o povo de Deus tem o direito de ter bispos em quem possa confiar, e os bispos têm a responsabilidade de serem tão abertos e responsáveis quanto possam, se quiserem restaurar a confiança rompida.
Porque essa é a coisa certa a fazer.


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