sábado, 17 de setembro de 2011

''Apelo à desobediência'' sacode a Igreja austríaca


[IHU]


17/9/2011  

Pe. Helmut Schüller
Ele não tem a aparência de um Martinho Lutero, o monge rebelde que arrastou meia Europa na Reforma. Com seus olhos azuis e uma silhueta jovem, o Pe. Helmut Schüller (59 anos) poderia ser, ao contrário, o genro ideal da Áustria.
A reportagem é de Joëlle Stolz, publicada no jornal Le Monde, 14-09-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

No entanto, o "apelo à desobediência" que ele divulgou no dia 19 de junho, acolhido até hoje por 400 padres e diáconos austríacos, para apoiar mudanças radicais dentro da Igreja Católica – particularmente o fim da regra do celibato e a possibilidade de abrir o sacerdócio às mulheres – provoca agitação. Sobretudo pela escolha da palavra "desobediência", percebida pelos conservadores como uma perigosa provocação.
Esse texto (www.pfarrer-initiative.at) ganhou ressonância até mesmo no México e no Brasil, sem falar da Irlanda e dos Estados Unidos, onde o jornal Catholic Reporter se admira que ainda não tenha provocado sanções. O próprio Papa Bento XVI, quando recebeu, no início de setembro, o vice-chanceler austríaco Michael Spindelegger, líder do Partido Democrata Cristão ÖVP, mencionou essa revolta.
A razão é que a Áustria, país de 8 milhões e meio de habitantes, onde ainda são contados 5 milhões e meio de católicos, é há quase meio século um teste decisivo muito sensível dos debates que agitam o catolicismo. De acordo com uma pesquisa publicada no dia 10 de setembro, a menos de duas semanas da visita do papa à Alemanha, 54% dos católicos austríacos (e 45% dos que vão à igreja regularmente) aprovariam a ordenação de mulheres, o ponto mais debatido inserido na lista preparada pelos reformadores.
"Não somos nós que queremos nos separar da Igreja. São os bispos que devem se perguntar se não estão se separando do povo de Deus", explica Helmut Schüller ao Le Monde. Ele enfatiza a necessidade de "passar de um sistema absolutista, organizado em torno do poder romano, a uma forma de democracia tal como é praticada há muito tempo nas comunidades religiosas cristãs".
Sentado em um café vienense a dois passos da catedral de Santo Estêvão, cuja cúpula gótica domina a velha cidade, Helmut Schüller, ex-vigário-geral da capital, hoje comprometido com uma modesta paróquia da periferia, não se incomodou com o clamor repentino que irritou a hierarquia.
Apelo do próprio coração da Igreja
"Se ele persistir em um desacordo sobre questões de fundo, ele deverá se perguntar como poderá continuar em um caminho comum na Igreja e em seu cargo de padre", disse o cardeal Christoph Schönborn, arcebispo de Viena, ao jornal liberal Standard. Essas palavras soam quase como uma ameaça de expulsão, embora ele tenha recebido os contestadores no dia 10 de agosto.
O conflito Schönborn-Schüller encarna o confronto entre as correntes reformadoras e o Vaticano. Os dois homens haviam sido próximos, antes que o arcebispo removesse do cargo o seu vigário-geral e ex-diretor da Cáritas no início de 1999. Também foi o momento em que o movimento de democratização da Igreja, iniciado depois do escândalo em torno de Herman Groer, arcebispo de Viena acusado de abusos sexuais, marcou o passo. Muitas das 500 mil pessoas que assinaram um abaixo-assinado pedindo reformas na primavera de 1995 perderam a esperança.
Em 2010, 84 mil católicos austríacos abandonaram a Igreja: em 15 anos, a hemorragia dobrou. A novidade do apelo no dia 19 de junho, diz o teólogo Paul Zulehner, é que ele provém "do próprio coração da Igreja, daqueles que têm a confiança da população". Seus promotores dizem que irão adotar publicamente práticas toleradas por inúmeros bispos, como a Eucaristia para os divorciados em segunda união; confiarão aos leigos a homilia dominical, um fato aceito pela hierarquia, contanto que a celebração da missa seja reservada ao padre. Também expressam solidariedade aos padres casados que tiveram que voltar ao estado laical, assim como àqueles que continuam desempenhando suas funções pastorais, "embora vivam em casal". De acordo com uma pesquisa realizada em 2010 por Paul Zulehner, 29% dos 4.144 padres austríacos estão envolvidos em uma "relação estável".
Os manifestantes rejeitam o reagrupamento das paróquias, em que os párocos têm que viajar por imensos territórios, em detrimento do acompanhamento pessoal dos fiéis. "Sacrificam-se assim os sacramentos em nome da regra do celibato", constata o Pe. Udo Fischer, um dos promotores do apelo. "Na verdade – diz –, nós somos os verdadeiros conservadores, porque queremos preservar a vida da Igreja".
Sementes de divisão
Mas os seus adversários não querem se deixar encerrar em um debate doutrinário. Na segunda-feira, 12 de setembro, o bispo de Sankt-Pölten (Baixa Áustria), Klaus Küng, membro do Opus Dei, alertou contra o risco de danos graves, ou seja, de ruptura na Igreja por parte dos padres rebeldes: eles deveriam "renunciar às palavras de choque e ao populismo".
A equipe do cardeal Schönborn lança sinais pacificadores. Esses descontentes "continuam sendo declaradamente católicos; não vejo o perigo de um cisma", afirma o seu porta-voz, Michael Prüller – cuja irmã, a teóloga Veronika Prüller-Jagenteufel, é a primeira mulher a dirigir a formação pastoral em Viena.
O conceito de desobediência, no entanto, contém as sementes de uma divisão da Igreja, ainda mais que as questões levantadas (do modo de tratar os divorciados à ordenação de mulheres e de homens casados) são de natureza muito diferente. "O papel das mulheres é um assunto objeto de um debate teológico que não pode ser resolvido com as pesquisas", lembra Prüller.
Essa revolta indica o declínio do catolicismo liberal, o da geração do Concílio Vaticano II? Os novos sacerdotes, afirma Zulehner, são aqueles que colocam menos em dúvida a disciplina eclesiástica, com o risco de acentuar o divórcio com a base dos fiéis. "É verdade, os jovens estão muitas vezes em uma linha intransigente", admite o Pe. Fischer. "Eles também são menos numerosos: em três anos, na nossa diocese de Sankt-Pölten, apenas um padre foi ordenado".

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