[fratres in unum]
Na festa de São Pio X, pedimos a intercessão de tão insígne Pontífice para que imitemos o seu exemplo de caridade e zelo.
Desde sua primeira encíclica, Pio X urgia
por caridade mesmo para com “aqueles que se nos opõe e persegue,
vistos, talvez, como piores do que realmente são”. Esta caridade não era
um sinal de fraqueza, mas estava fundamentada na esperança: “a
esperança”, escreveu o Papa, “de que a chama da caridade Cristã,
paciente e afável, dissipará as trevas de suas almas e trará a luz e a
paz de Deus”.
Os testemunhos que citaremos o provarão
de maneira incontestável. Mas Pio X fez mais: discretamente deu
assistência financeira a alguns deles ou lhes arranjou outros ofícios;
em outros casos, mostrou-se prudente antes de condená-los. Era esta
generosidade, nada excepcional, incompatível com sua determinação na
luta contra o modernismo? Como pode o mesmo homem que impõe sanções,
depõe clérigos, excomunga, simultaneamente mostrar-se caridoso e
contido? Durante o processo de beatificação, o Promotor da Fé apresentou
uma série de objeções; uma delas era: “Sejamos francos: a questão, a
única questão que, a meu ver, parece se levantar neste grande inquérito,
é saber se Pio X, em sua luta contra o modernismo, ultrapassou as
fronteiras da prudência e da justiça, particularmente em seus últimos
anos…” [Novae Animadversiones, citado em Conduite de s. Pie X, p. 14]
A isso, o Postulador da Causa respondeu com um volumoso dossiê de mais
de 300 páginas no qual mostrava que Pio X era “firme em seus princípios,
correto em suas intenções e paciente e afável com aqueles com quem
lidava, mesmo se tivesse razões justas para expressar sua angústia por
causa deles”. [Ibid., p. 20]
Voltamo-nos a esta questão da atitude
pessoal de Pio X para com os modernistas e citaremos vários casos. Os
contemporâneos de Pio X talvez desconhecessem esses gestos de caridade e
justiça da parte do Pontífice. No dia seguinte à morte do Papa, Mons.
Mignot, que era próximo dos modernistas, repreendeu o falecido nos
seguintes termos: “Pio X era um santo, com um desinteresse raro para um
italiano, mas suas idéias absolutas paralisavam seu coração… Ele esmagou
muitas almas, a quem um pouco de ternura teria mantido no caminho
correto”. [Carta de Mons. Mignot a Hügel, 9 de setembro de 1914, citado por Poulat, Histoire, dogma et critique, p. 480]
Os historiadores do modernismo não mencionam os gestos de caridade ou
justiça de Pio X, ou o fazem apenas de passagem. O número e a
consistência destes atos mostram, todavia, que não foram resultados de
decisões excepcionais de sua parte, mas manifestavam uma disposição
intelectual e uma atitude espiritual. Na luta contra o fenômeno
do modernismo, todos os métodos eram usados, e sem piedade, pois Pio X
considerava que a fé dos fiéis estava em perigo e que o futuro da Igreja
estava em jogo; por outro lado, quando se tratava da sorte dos modernistas, Pio X, sabendo-o, fazia grande esforço para ser o mais justo, prudente e caridoso possível.
Um exame das relações de Pio X com Loisy,
o mais famoso dos modernistas, dá-nos uma boa idéia de seus profundos
sentimentos. Como já vimos, quando Loisy manifestou sua disposição de se
submeter, Pio X exigia, insistia que o exegeta francês devesse fazer
uma completa e sincera submissão “com seu coração”. Loisy, que persistiu
em seus erros após a Pascendi, acabou excomungado. Viveu em
retiro em Ceffonds, Haute-Marne, e logo seria eleito para o Collège de
France. No entanto, Pio X não o via como um filho perdido da Igreja. Em
1908, recebendo o novo bispo de Châlons, Dom Sevin, Pio X recomendou-lhe
Loisy (a quem ele havia excomungado há pouco tempo). As palavras do
Papa foram relatadas pelo próprio Loisy: “O senhor será o bispo do Pe.
Loisy. Se tiver a oportunidade, trate-o com gentileza; e se ele der um
passo em sua direção, dê dois na direção dele”. [Loisy, Mémoires,
vol. III, p. 27. Pe. Lagrange dá outra versão destas palavras, versão
que ouviu da boca de Dom Sevin; quando o bispo de Châlons perguntara ao
Papa que atitude deveria adotar com relação a Loisy se este demonstrasse
arrependimento, o Papa respondeu: Recebei-o de braços abertos. Digo ao
senhor que ele, meu filho, irá voltar” (Lagrange, M. Loisy et le modernisme, p. 138)]
Outro caso é o do Pe. Murri. Como
veremos, a Liga Nacional Democrática que fundara foi condenada pelo
Papa. Ele tinha conhecidos laços com modernistas. Em abril de 1907, no
despertar de uma série de artigos nos quais Murri amargamente criticava a
política do Vaticano na França, Pio X enviou uma carta ao bispo da
diocese deste líder democrático, instruindo-o a informar a este último
que estava suspenso a divinis. Quando, alguns meses depois, a Encíclica Pascendi
estava prestes a ser publicada, havia uma certa expectativa de que
Murri fosse imediatamente excomungado, dado que estava absolutamente
claro que o turbulento líder democrata cristão se oporia à Encíclica. O
problema foi colocado a Pio X, que preferiu ser paciente. Em 25 de
agosto de 1907, escreveu à Congregação do Santo Ofício: “Se tudo estiver
em ordem com o celebret do Pe. Romolo Murri, ele não pode, sem
grave injustiça, ser proibido de rezar Missa, na medida em que não
realizou qualquer ato condenado pela Encíclica”. [Citado por Dal-Gal, Pie X, p. 404]
Murri, contudo, persistiu publicamente em suas posições e foi, ao fim,
excomungado em 1909. Posteriormente, ele experimentou graves
dificuldades financeiras; Pio X soube disso e pagou-lhe uma pensão
mensal.[Depoimento do Cardeal Merry del Val, Summarium, p. 195]
[…]
Pio X tinha de levar muitas coisas em
consideração: a salvaguarda da fé e do bem da Igreja, a necessidade e a
legitimidade de estudos em matérias de religião, o bem pessoal e a boa
fé das pessoas envolvidas, assim como as manobras, as ambições e o zelo
das partes. Enquanto Papa, seu dever eram aqueles primeiros; como
cristão, estava obrigado a seguir a caridade, prudência e justiça. [...]
Pio X sentia como seu dever, enquanto guardião da fé, combater o
modernismo, e fazê-lo usando os mais variados métodos e sem fraqueza,
pois, como via, a própria existência da Igreja estava ameaçada. Ao mesmo
tempo, sem fazer qualquer concessão ao erro, esforçava-se por ajudar os
culpados ou suspeitos, e tomava grande cuidado em limitar os excessos
dos anti-modernistas. Uma de suas máximas favoritas era: “devemos
combater o erro sem ferir as pessoas envolvidas”.
Saint Pius X, Restorer of the Church – Yves Chiron, Angelus Press, 2002, pp. 236-237;241-242. Tradução: Fratres in Unum.com.
Nenhum comentário:
Postar um comentário