quarta-feira, 7 de setembro de 2011

A Cantata de Bach preferida de Ratzinger


[IHU]


7/9/2011  

É a do último domingo do ano litúrgico luterano, que tem a parábola das virgens prudentes e das virgens insensatas no centro. Todos os detalhes de uma lembrança pessoal do papa Bento, às vésperas de sua viagem à Alemanha.
A reportagem é de Sandro Magister e está publicada no sítio Chiesa, 05-09-2011. A tradução é do Cepat.
Na audiência da quarta-feira passada, Bento XVI falou, aos peregrinos e aos fiéis reunidos na pequena praça de Castel Gandolfo, sobre a beleza da arte como “verdadeiro caminho para Deus, a Beleza suprema”.

Não é a primeira vez que o papa Joseph Ratzinger indica na arte e na música “a maior apologia de nossa fé”. Assim como na “esteira luminosa” deixada pelos santos e mais que os argumentos relevantes da razão.
Mas, desta vez o Papa acrescentou uma lembrança pessoal:
“Lembro-me de um concerto de música de Johann Sebastian Bach, em Munique, dirigido por Leonard Bernstein. Ao término do último trecho, uma das Cantatas, eu senti, não pelo raciocínio, mas no profundo do coração, que aquilo que eu havia ouvido tinha me transmitido verdade, verdade do supremo compositor, e me impelia a agradecer a Deus. Ao meu lado estava o bispo luterano de Munique, e eu lhe disse espontaneamente: ‘Ouvindo isso se entende: é verdade; é verdadeira a fé tão forte, e a beleza que expressa irresistivelmente a presença da verdade de Deus’".
Qual foi a Cantata de Bach que atingiu tão profundamente o coração do futuro Papa?
Foi a que Bach compôs para a Missa do 27º domingo depois da Trindade, a última antes do Advento no ano litúrgico luterano.
Entre as quase 200 Cantatas que Bach nos deixou, aquela é a que leva o número BWV 140.
As Cantatas eram verdadeira e propriamente música litúrgica. Enchiam o espaço entre as leituras da Missa e a homilia. Com Lutero eram um simples hino. Mas no século XVI se desenvolveram na forma que depois foi a de Bach: com órgão e orquestra, com coro e solistas, com corais, recitativos e duetos.
O texto da Cantata tomava ideias das leituras da Missa do dia, especialmente do Evangelho, fazendo-se objeto de íntima meditação espiritual, algumas vezes com passagens poéticas. Às vezes, a homilia não era feita no final, mas na metade da Cantata.
Os fiéis a ouviam em silêncio. E às vezes o texto de toda a composição era distribuído aos presentes para que pudessem acompanhá-la melhor.
No 27º domingo depois da Trindade – em que se cantava a versão da Cantata dirigida por Bernstein que tanto emocionou Joseph Ratzinger – as leituras tinham um caráter escatológico, referidos aos últimos tempos.
A primeira leitura era tomada da Segunda Carta aos Coríntios (5, 1-10) ou da Primeira Carta aos Tessalonicenses (5, 1-11), ao passo que o Evangelho era o de Mateus (25, 1-13), com a parábola das virgens prudentes e das virgens insensatas:
“Então o reino dos céus será semelhante a dez virgens que, tomando as suas lâmpadas, saíram ao encontro do noivo. Cinco delas eram insensatas, e cinco prudentes. Ora, as insensatas, tomando as lâmpadas, não levaram azeite consigo. As prudentes, porém, levaram azeite em suas vasilhas, juntamente com as lâmpadas. E tardando o noivo, cochilaram todas, e dormiram. Mas à meia-noite ouviu-se um grito: Eis o noivo! Saí-lhe ao encontro! Então todas aquelas virgens se levantaram, e prepararam as suas lâmpadas. E as insensatas disseram às prudentes: Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas lâmpadas estão se apagando. Mas as prudentes responderam: não; pois de certo não chegaria para nós e para vós; ide antes aos que o vendem, e comprai-o para vós. E, tendo elas ido comprá-lo, chegou o noivo; e as que estavam preparadas entraram com ele para as bodas, e fechou-se a porta. Depois vieram também as outras virgens, e disseram: Senhor, Senhor, abre-nos a porta. Ele, porém, respondeu: Em verdade vos digo, não vos conheço. Vigiai pois, porque não sabeis nem o dia nem a hora.”
O autor do texto da Cantata, Philipp Nocolai, se inspirou no ano 1559 justamente nesta parábola para desenvolver sua meditação, com referências líricas ao Cântico dos Cânticos e aos símbolos esponsais.
Como no recitativo que segue ao coral inicial:
“Ele está vindo, ele está vindo,
O noivo está vindo!
Saí, ó filhas de Sião!
Ele vem correndo do alto
para a casa de vossa mãe.
O noivo está vindo, tal como um corço,
Tal como um jovem cervo
A saltar pelas colinas
Trazendo a ceia matrimonial.
Despertai,
Alegrai-vos para receber o noivo
Ali, vede, ele está chegando!”
Ou no posterior dueto entre soprano e baixo:
Soprano: Quando chegarás, minha Salvação?
Baixo: Estou chegando, pois parti de ti eu sou.
Soprano: Espero com queima de óleo.
Abra o salão para o banquete celestial
Baixo: Eu abro a sala para o banquete celestial
Soprano: Vem, Jesus!
Baixo: Vem, alma doce!
É sobre este texto que Bach compôs música em Leipzig sobre uma de suas Cantatas merecidamente mais célebres. Ela extrai o seu nome, como todas, das primeiras palavras do coral introdutório: "Wachet auf, ruft uns die Stimme". [Despertai, chama-nos a voz.]
A escolha desta Cantata tipicamente escatológica, que termina com a visão da Jerusalém celestial, não foi casual para o concerto que Bernstein dirigiu em Munique, estando Joseph Ratzinger na plateia.
Isso foi em 1981. Ratzinger era arcebispo de Munique desde quatro anos antes. E em 15 de fevereiro morreu imprevistamente, na capital da Baviera, um dos maiores intérpretes da música de Bach, tanto como organista e cravista, assim como regente: Karl Richter.
Esse concerto foi realizado em memória de Richter, com a Bach-Orquestra e o Bach-Choir de Munique. Tudo com música de Bach, nesta ordem:
– o coral “Wenn ich einmal soll scheiden” da Paixão Segundo São Mateus (BWV 244);
– o concerto de Brandeburgo n. 3, em Sol Maior (BWV 1048);
– a Cantata "Wachet auf, ruft uns die Stimme" (BWV 140).
E depois do intervalo:
– o Magnificat, em Ré Maior (BWV 243).
Como se pode ver, a Cantata que tanto emocionou o futuro Papa concluiu, precisamente, não todo o concerto, mas sua primeira parte.
O bispo luterano que se sentou ao seu lado, a quem Ratzinger confiou seus pensamentos, era Johannes Hanselmann, que morreu em 2002, figura de grande relevo no diálogo ecumênico que levou à Declaração conjunta sobre a Doutrina da Justificação, assinada em 1999 pela Igreja Católica e pela Federação Luterana Mundial.


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