[IHU]
7/9/2011
A caridade não pode ser misturada com o
proselitismo. Porque o amor é um fim em si mesmo, senão não é amor. Diversas experiências
infelizes do passado nos mostram como estratégias interessadas contradizem o
testemunho, ao invés de confirmá-lo.
A opinião é
de Gaston Piétri, padre da diocese de Ajaccio, na França,
em artigo publicado no jornal La Croix, 03-09-2011. A tradução é de Moisés
Sbardelotto.
Eis o texto.
A Cáritas Internacional, que coordena 165 Cáritas
como o Secours Catholique Français (Socorro Católico Francês), foi
criticada por ter posto, por assim dizer, em surdina o seu vínculo congênito com a Igreja Católica.
Em Roma, durante a assembleia geral do fim de maio de 2011, essa poderosa ONG
foi lembrada que estava se comportando como se a sua filiação religiosa fosse
secundária. Em suas ações contra a pobreza, ela manifesta de modo suficiente a
singularidade que deriva da mensagem evangélica e a conformidade às posições da
Igreja no campo ético? Do que se trata, afinal? Seria um esfacelamento
progressivo do caráter dessa "atividade organizada dos crentes", em
que a Igreja reconhece uma especificidade da sua própria missão no mundo? Ou
seria, sobretudo, o fato de um exercício da caridade no cotidiano, em que
praticamente não aparece a motivação religiosa dos próprios atores? Os dois
aspectos exigem ser diferenciados, mas são indissociáveis. O processo é fácil.
Seria uma pena se a opinião pública se engajasse sem as devidas distinções que
se impõem.
É difícil
contestar à Igreja, no plano social, o direito e o dever de manifestar o sinal
institucional do serviço aos últimos. Isso provém da plena fidelidade à sua
Tradição mais original que, desde a primeira comunidade de Jerusalém,
jamais separava a "comunhão fraterna", ou seja, a ajuda mútua e a
partilha, da escuta da palavra e da celebração eucarística. Esse serviço do "ágape"
(caridade no sentido mais profundo da palavra) não podia ser uma
consequência remota, mas ao contrário o próprio coração de uma vida segundo o
Evangelho. É nesse nível que se situa o sinal que a Igreja tem o dever de dar.
Traduzir em
termos contemporâneos essa lógica do amor em suas implicações mais concretas
passa por formas de organização que, diante da sociedade, se assemelham a
muitas outras iniciativas de tipo humanitário. Assim, o estatuto de organização
não governamental (ONG) não tem nada de estranho, ao contrário. A inspiração
cristã, semelhante a diversas outras inspirações, não retira nada da
legitimidade social da Cáritas. O fato é que aí reside uma possibilidade
para o Evangelho na sociedade atual. Ainda mais que, para essa mensagem de amor
fraterno, esse estatuto confirma em ações uma forte afirmação do Vaticano II:
"A comunidade cristã é realmente solidária com o gênero humano e com a sua
história" (Gaudium et spes, 1).
Podemos
viver esse amor sem promover a justiça? Durante muito tempo, a Igreja
respondeu: a justiça é a expressão primeira e inevitável da verdadeira
caridade. Pode-se promover a justiça sem tocar nas competências sociopolíticas
das mais graves situações de pobreza? Há muito tempo, uma caridade reduzida à
assistência, sem interesse pelas causas das piores desigualdades, está, por
assim dizer, desqualificada. Mas então pode-se promover a justiça sem colaborar
com outras organizações? Não faria sentido. Resta recusar, na linha de uma
"atividade organizada dos crentes", as escolhas estritamente
partidárias e incondicionais. Mas quem, nesse contexto, não corre o risco de, um
dia ou outro, ser acusado de conivência política? Dom Hélder Câmara
costumava dizer: "Quando afirmo meu amor por Cristo, sou um santo. Quando
defendo os pobres, sou um comunista".
Depois do
cardeal secretário de Estado, o presidente do serviço romano Cor Unum
insistiu no fato de que a caridade, como deveria ser vivida por uma organização
católica, é "a caridade do Cristo". E certamente só pode ser assim
para quem acredita que "a caridade foi derramada em nossos corações pelo
Espírito Santo" (Rm 5,5). "Em nome de Cristo", foi recordado. E,
certamente, mesmo sem fazer o sinal da cruz ostensivamente todas as vezes.
Aquele que
age em nome de Cristo deveria pronunciar incessantemente o nome de Cristo? A
encíclica Deus é amor (2006) proclamava como advertência: "O
cristão sabe quando é tempo de falar de Deus e quando é justo não o fazer,
deixando falar somente o amor" (n. 31). O amor precisa desse
"tempo" que fala sem palavras. A caridade não pode ser misturada,
dizia também o mesmo texto, com o proselitismo. Porque o amor é um fim em si
mesmo, senão não é amor. Esse risco é tão grave quanto o de colocar Cristo
"pendurado na parede". Diversas experiências infelizes do passado nos
mostram como estratégias interessadas contradizem o testemunho, ao invés de
confirmá-lo.
Agir
"em nome de Cristo": certamente é preciso fazê-lo. Mas, ainda mais,
ir ao encontro do Cristo. Porque é o Cristo que nos espera através do pobre. O
paradoxo da fidelidade evangélica continua nessa descoberta prometida a todos,
incluindo aqueles que não estão em condição de invocar o nome do Cristo: o
pobre socorrido na sua necessidade de pão, de roupas, de conforto é sempre o
Cristo socorrido no desconhecido da miséria humana (Mateus 25,40). É
aqui, sem dúvida alguma, que deve se originar profundamente a motivação do ator
da Cáritas.
É aqui que
deve retornar incessantemente a reflexão dos cristãos a propósito da
"atividade organizada" em que se expressa a caridade da Igreja. Fora
daqui, as divergências de avaliação poderiam ser tomadas por simples diatribes
institucionais sobre a maior ou menor visibilidade da Igreja no campo
caritativo. Não é a Igreja que deve marcar pontos; é a realidade do "ágape"
evangélico no coração dos homens. Tal é, com efeito, o serviço que incumbe
sobre a Igreja.
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