Por Dom Walmor Oliveira de Azevedo
BELO HORIZONTE, sexta-feira, 16 de setembro de 2011 (ZENIT.org)
– Chama a atenção o número: milhões de pessoas, na sociedade
brasileira, sofrem dores físicas crônicas que causam pesados incômodos
para a vida diária. Procedimentos e remédios são indicados na busca pela
superação destas dores que afligem tanto. Há de se considerar também -
embora sem possibilidades de quantificação exata, o volume massivo da
dor moral que assola a sociedade contemporânea. É necessário buscar um
remédio próprio. Uma dor moral que talvez seja camuflada com a
permissividade e o relativismo de valores e princípios inegociáveis.
Incomoda muito a dor física. Quando não sedada, desfigura o viver
quotidiano, compromete a qualidade no exercício de responsabilidades e
faz perder o gosto por tudo. A dor moral, sem sedativos, pode ser
camuflada gerando uma sociedade permissiva com a perda perigosa das
referências fundamentais sustentadoras do seu equilíbrio. Assim,
explicam-se os absurdos que, no seu seio, alimentam todo tipo de
superficialidade e de tratamento inadequado da vida como dom.
A corrupção moral, no seu volume crescente, tem a ver com a
incapacidade contemporânea de enfrentamento da dor moral, que assumida,
embora dolorosamente, tem a propriedade peculiar de reorientar razões,
refazer sentimentos na sua nobreza própria e despertar, permanentemente,
para o sentido da solidariedade. O mundo do sofrimento humano,
portanto, é um fenômeno vasto sob as mais diversas formas. O conjunto
das dores físicas, morais e espirituais povoa a existência humana. São
as enfermidades, a morte, solidão, fadiga, tédio, medo, falta de sentido
da vida, insucessos, aborrecimentos, violência e isolamento, guerra,
fome, opressão, injustiças, amizades traídas, injúrias e enganos, o
pecado e a culpa. Tudo isso é fonte de dores e sofrimento.
O volume da dor é tão grande que quase se pode considerá-la uma
segunda natureza. Remete ao interior da pessoa sofredora. Lá, no mais
recôndito, está a pergunta: por quê? A interrogação toca a causa, a
razão e o sentido da dor que configura o sofrimento humano. Neste
horizonte largo, há um longo caminho. Uma referência ao padecimento
daqueles que estão bem próximos ou distantes, na mesma sociedade ou
alhures, em sociedades que são só cenários de dramas humanos, onde os
horrores da guerra e da fome, da corrupção e da ganância gritam por um
remédio. É o remédio da solidariedade, entendida e praticada não
simplesmente como definia o Direito Romano, como obrigação moral, mas
enquanto aponta a pessoa como indivíduo aberto às relações com os
outros.
A compreensão adequada da pessoa humana não prescinde do significado
de solidariedade. Ora, a genuinidade do indivíduo se configura, se
define e se revela por sua dimensão relacional. A liberdade de cada um
se consolida na força de sua capacidade desenvolvida e exercitada na
comunhão e no diálogo. Essa compreensão revela, pois, o fundamento que
define a pessoa como aquela intimamente ligada aos outros seres humanos,
despertando-se permanentemente para o chamado de construir com eles um
mundo mais fraterno e solidário. Supõe atenção sensibilizada às dores e
sofrimentos humanos, uma necessidade e uma premente exigência no cultivo
da consciência solidária como remédio para uma humanidade dilacerada
pela desconfiguração moral responsável por desmandos e abusos que
atrasam metas indispensáveis para a paz e a justiça no seio da
sociedade.
É preciso voltar a atenção, neste momento, não apenas para os
mecanismos e dinâmicas do funcionamento lucrativo, até perverso, da
economia. Não considerada essa indicação, se perpetuará ou se arrastará a
incompetência gritante, apesar da inteligência luminosa pós-moderna, na
solução de problemas como a fome, a miséria e a exclusão que vão
multiplicando os bolsões desumanos de miséria e marginalização.
As dores e sofrimentos que afligem todos, em proporções e modalidades
diversas, precisam ser enfrentados com o remédio da solidariedade. Esse
remédio não se compra aqui e acolá. É produzido para o consumo diário
no bojo da conduta cidadã, fecundada pelo conjunto dos valores
evangélicos, com sua iluminação própria, indispensável e insubstituível,
incidindo permanentemente sobre a conduta individual em fidelidade ao
princípio da igualdade, dignidade e direitos, em vistas de uma unidade a
ser consolidada e mantida.
A condição humana, assolada pelas dores e sofrimentos, precisa da
solidariedade como princípio social e como virtude moral, configurando,
enquanto exercício, o tecido ético-social que a sociedade contemporânea
necessita para deixar de hospedar cenários abomináveis de discriminação e
indiferenças. A solidariedade como virtude moral é o exercício do
compromisso cidadão pelo bem comum - remédio a cada pessoa e na
sociedade para suas dores e sofrimentos.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo é arcebispo metropolitano de Belo Horizonte - MG
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