Arcebispo de Abuja: tensão religiosa não é o maior perigo
ABUJA, domingo, 4 de setembro de 2011 (ZENIT.org)
– A maior causa das tensões na Nigéria não é a divisão entre cristãos e
muçulmanos, mas entre ricos e pobres, afirma o arcebispo de Abuja,
capital do país.
Em entrevista ao programa de televisão Deus chora na Terra, da Catholic Radio and Television Network (CRTN) em colaboração com Ajuda à Igreja que Sofre, o arcebispo John Onaiyekan explica que o maior perigo para a paz na Nigéria “é a injustiça social no país”.
Em aproximadamente uma década, 3.000 pessoas foram
assassinadas pela violência inter-étnica e inter-religiosa. Qual é a
origem desta violência?
Dom Onaiyekan: Essa é a má notícia, a perda de vidas em conflitos que
têm conotações religiosas e são interpretados como religiosos. Mas eu
acho que nós temos que lembrar que milhares de vidas se perdem no meu
país, ano após ano, por causa dessas mortes diárias em hospitais por
culpa da má gestão, e também por causa de conflitos em áreas onde não
existem cristãos ou muçulmanos. E ninguém fala delas. Só da violência
entre muçulmanos e cristãos. Nós estamos falando de uma cultura que
desvaloriza a vida humana em geral. E eu digo isso como nigeriano, com
toda a responsabilidade e tristeza. Temos que colocar tudo no seu devido
contexto. Para falar de 3.000, eles calculam normalmente com base nos
que perderam a vida no norte da Nigéria.
Na região de Jos?
Dom Onaiyekan: A região de Jos é só a última, porque tem outras da
Nigéria com enfrentamentos: em Kaduna, Bauchi, e, quando fizeram aquelas
famosas “caricaturas dinamarquesas”, tivemos distúrbios em Duguri e em
toda a região, e, depois, na meseta de Jos.
Jos foi especialmente surpreendente, porque Jos não tem uma grande
população muçulmana. Nem é um lugar onde se possa dizer que os cristãos e
muçulmanos tenham uma relação tensa. É de maioria cristã e nós ficamos
surpresos de que num lugar como aquele ocorra esse tipo de violência. Em
segundo lugar, seja em Jos ou em qualquer outro lugar, as pessoas não
atacam as outras só por causa da religião.
Mas quando escrevem sobre isso, apresentam justamente assim:
violência por motivos religiosos entre muçulmanos e cristãos. Se não é
assim, qual é a verdadeira origem?
Dom Onaiyekan: Pode haver uma dimensão religiosa, porque os
nigerianos são profundamente religiosos, o que é uma coisa grandiosa. E
este é um dos casos em que algo bom pode virar uma coisa ruim. Eles são
profundamente comprometidos com a fé, e isso quer dizer que tudo o que
eles fazem é com fervor religioso. Se duas pessoas brigam, até no
mercado, e um é muçulmano e o outro é cristão, antes de saber qualquer
coisa as pessoas vão dizer: “aquele muçulmano e aquele cristão estão
brigando”. Não vão dizer: “aqueles dois nigerianos”, como deveriam
dizer, e eu acho que é isso o que faz parecer que é uma disputa
religiosa.
No caso de Jos, o assunto é bem claro: é entre os que são
considerados “indígenas” da meseta e os considerados “colonos”. O
problema nem é tanto com os colonos, porque existem colonos e indígenas
pela Nigéria toda. O problema na meseta é a situação dos colonos que
exigem plenos direitos como indígenas, um ponto em que eu pessoalmente
estou de acordo, e que não é válido só para aquela meseta, mas para toda
a Nigéria.
Há outros elementos em jogo?
Dom Onaiyekan: Eu quero insistir no seguinte: os nigerianos não são
só cristãos ou muçulmanos; os nigerianos são também hausa, ibo e ioruba.
Os nigerianos têm também ideologias políticas diferentes. E a maior
diferença hoje, e uma das causas da maioria dos problemas, e o maior
perigo para a paz na Nigéria, não é essa história dos cristãos e dos
muçulmanos; é a injustiça social no país. A grande diferença, o grande
abismo entre uns poucos que são muito ricos e a imensa maioria que são
pobres numa nação que é muito rica.
Os poucos ricos, a maioria dos quais são também ladrões, bandidos que
roubam o nosso dinheiro, gente corrupta, são cristãos e muçulmanos que
estão sentados nas mesmas mesas diretivas. Os pobres que estão sofrendo
também são cristãos e muçulmanos, e também se dão bem entre si, porque
têm os mesmos problemas. Estas são as coisas que deveríamos considerar
de modo cuidadoso, e, se você vive na Nigéria, tem que usar essa lente
para não se deixar levar por explicações que parecem simples e diretas,
mas são simplistas demais.
Então podemos dizer que o sucesso ou o fracasso político na Nigéria se traduz em poder econômico ou na falta dele?
Dom Onaiyekan: Isso. É uma mentalidade de “o ganhador leva tudo”. Se
você é do partido do governo, então você consegue todos os contratos,
todas as promoções e todos os trabalhos no governo para os filhos. Mas
se você é da oposição, aí você não consegue nada. Se, além de pertencer
ao partido da oposição, você ainda pertence a uma tribo diferente,
porque além da divisão política você acrescente também a étnica, e se
você acrescentar também que pertence a outra religião, é fácil alguém
dizer que cristãos e muçulmanos se enfrentam... E esta é a imagem que
você vê no mundo inteiro sobre a Nigéria.
Jamais eu vi na Nigéria que nós tenhamos brigado porque Jesus Cristo
seja ou não seja Deus, que é a maior diferença teológica entre os
cristãos e os muçulmanos. Nós nunca brigamos por isso nem nunca nos
enfrentamos para discutir se Maomé é um verdadeiro profeta ou não é. Nós
lutamos pela terra. Nós discutimos quantos ministros são muçulmanos ou
cristãos. Nós discutimos sobre quem é o líder deste ou daquele partido
político. Estes é que são os temas em que existe enfrentamento.
Isso levanta a questão: Por que é apresentado como um assunto
religioso e não como o que ele realmente é - interesses econômicos ou
políticos?
Dom Onaiyekan: É devido à natureza da comunidade nigeriana. Nós
facilmente nos identificamos como cristãos ou muçulmanos. Se você
estiver na Nigéria num domingo, verá que as igrejas estão cheias. Todo
mundo vai à igreja no domingo. Se você é um cristão e estiver sentado em
casa em um domingo, te perguntarão: "por que não vai à igreja? O quê
acontece? Você tem algum problema?". E se pode dizer o mesmo para um
muçulmano. É como se sua identidade se definisse em termos de sua
religião. Então, seja lá o que você faça, você é considerado cristão ou
muçulmano.
Em segundo lugar, quando duas pessoas são rivais, tentam implantar
todos os recursos para se proteger. Assim, se eu estou lutando com um
parceiro que é muçulmano e eu estou prestes a perder, direi: "Olha como
eles me tratam. Eu sou cristão". Isso me lembra de São Paulo quando ele
estava em pé diante do Sinédrio, olhou os fariseus entre os saduceus e
disse: "Eu sou fariseu e por isso sofro." Então os fariseus apoiaram. Há
algo disso também. Do lado muçulmano, há pessoas que querem atrair a
solidariedade dos muçulmanos, não só na Nigéria, mas também no exterior.
Vemos que isso acontece em ambos os lados.
Mas a questão é: Quando este tipo de coisa ocorre, não se pensa muito
no resultado. Estamos caminhando para resolver nossos problemas de
convivência ou estamos nos preparando para a guerra que haverá,
finalmente, entre cristãos e muçulmanos?
O senhor mencionou os interesses estrangeiros. Há interesses estrangeiros provocando isso?
Dom Onaiyekan: Há muitos interesses em jogo, creio eu, já que estamos
falando de uma base religiosa, obviamente, em ambos os lados, com
correntes que têm posições muito fortes contra os outros. Há correntes
islâmicas que acreditam que os cristãos são maus crentes. Há muitas
pessoas na Nigéria que assistem TV ou ouvem sermões que vêm Iêmen e são
emitidos pelos canais islâmicos. Há pequenos grupos que são muito
tendenciosos em ambos os lados.
Também há cristãos que dizem coisas horríveis sobre os muçulmanos.
Acham que os muçulmanos que vão a Meca adoram um ídolo, uma pedra, e que
não há maneira de um muçulmano alcançar o céu, porque Jesus disse que,
se não nascer da água e do espírito, não entrarás no Reino de Deus.
Quando alguém vai a público dizer isso diretamente aos muçulmanos, está
provocando, mas, digo novamente, trata-se de um pequeno grupo. Nossa
Igreja não ensina isso. Quando há choques, o resto de nós fica
envolvido, o que é um grande problema. A razão final que lhe daria – já
que estamos falando em termos de comunicação – é que os jornalistas às
vezes são preguiçosos.
Nós conversamos sobre o diálogo nessas situações tão complicadas. O senhor tem esperanças?
Dom Onaiyekan: Eu sou um otimista incurável e sempre olho para o que
mais deslumbra e também porque acredito que essa é a atitude cristã. Nós
acreditamos em Jesus ressuscitado, e seu espírito nos move. Por isso
não temos medo de olhar até mesmo a realidade da corrupção. Amo a
Nigéria intensamente. Há tantas pessoas maravilhosas. A grande maioria
dos nigerianos, de todas as crenças, são pessoas maravilhosas e quando
veem algo de bom, admiram e se apegam a ele. Nosso grande problema é que
precisamos de um bom governo, um governo forte, que possa implementar
todas estas coisas maravilhosas e não só os recursos naturais, mas,
acima de tudo, os recursos humanos da Nigéria. Com a ajuda de Deus, não
deveria haver problemas entre cristãos e muçulmanos. De fato, minha
opinião é que a Nigéria será um modelo para o mundo de como os cristãos e
muçulmanos vivem juntos, porque nossa cultura tem o maior número de
cristãos e muçulmanos vivendo juntos em um mesmo país. Em outros países,
uma ou outra das religiões é maioria ou minoria. Faça o que fizer, eles
são separados. Na Nigéria, somos iguais e nos encontramos face a face e
somos cidadãos do mesmo país, às vezes, os membros da mesma família.
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Esta entrevista foi realizada por Marie-Pauline Meyer para "Deus
chora na terra", um programa rádio-televisivo semanal produzido por Catholic Radio and Television Network, (CRTN), em colaboração com a organização católica Ajuda à Igreja que Sofre.
Mais informação em www.aisbrasil.org.br, www.fundacao-ais.pt, http://www.wheregodweeps.org/countries/nigeria
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