[Latine]
Deus o chamou para ser o “grande patriarca do monaquismo
ocidental”. A ordem por ele fundada fez nascer das ruínas do Império
Romano a cultura e a civilização européias.
Pe. Pedro Morazzani Arráiz, EP
O orgulhoso e outrora invicto Império Romano dissolvia-se devastado
pelas hordas avassaladoras dos invasores bárbaros. Tudo cedia diante
deles: exércitos, muralhas, instituições e costumes eram varridos pela
maré montante dos novos dominadores.
“O navio afunda!” — exclamava São Jerônimo, que escreveu com tristeza
ao receber a notícia da queda de Roma: “A minha voz se extingue; os
soluços embargam-me as palavras. Está tomada a ilustre Capital do
Império!”
A civilização parecia se desfazer num dramático ocaso sem esperança.
Entretanto, uma estrela luzia nessa escuridão desconcertante,
indicando o verdadeiro rumo dos acontecimentos: na cidade de Hipona
cercada pelos vândalos, Santo Agostinho escrevia “A Cidade de Deus”,
proclamando que o mundo nascido do paganismo soçobrava
irremediavelmente, e a Cidade de Deus — a Santa Igreja Católica — não
apenas jamais seria destruída, mas sempre triunfaria sobre qualquer
adversidade.
Que meios, porém, e que homens utilizaria Deus para desse caos fazer emergir a ordem e o esplendor?
Vocação do varão providencial
Nos tempos evangélicos, o Divino Mestre chamara obscuros pescadores
para serem as colunas de sua Igreja. Agora o Espírito Santo escolhia um
jovem para renovar essa sociedade convulsionada e instaurar uma nova
civilização.
No entanto — oh, paradoxo! — esse rapaz, cujo nome era Bento, nascido
de nobre família da Núrsia, em 480, sentiu em si o apelo do Senhor para
O seguir no silêncio e na solidão.
Seus pais o enviaram a Roma para estudar. Mas logo percebeu ele que,
para corresponder ao sobrenatural desejo que ardia em seu coração, não
podia permanecer naquele mare magnum, misto de barbárie e cultura romana
decadente.
Assim, na flor da juventude e sem nunca ter manchado sua inocência
batismal, abandonou casa, haveres e estudos, e partiu à procura dum
lugar ermo onde pudesse adquirir o conhecimento e o amor de Deus.
“Desejava mais os desprezos que os louvores do mundo”
A cidade de Enfide (atual Affile), a cerca de 50 quilômetros de Roma,
foi o local escolhido para o seu recolhimento. Ali se instalou com sua
antiga governanta, que lhe prestava os serviços domésticos.
Um pequeno incidente caseiro foi ocasião para o seu primeiro milagre.
Encontrou certo dia a governanta chorando porque, por descuido, deixara
quebrar um crivo de argila que havia pedido emprestado a uma vizinha
para limpar trigo. Compadecendo-se dela, Bento tomou os pedaços do
crivo, pôs-se em oração e ele se reconstituiu de forma tão perfeita que
nem se notava sinal algum de fratura.
Logo se espalhou a notícia desse milagre, trazendo-lhe muita fama.
Ele que, segundo relata o Papa São Gregório Magno, “desejava mais os
desprezos que os louvores deste mundo”, fugiu da casa de Enfide, indo
procurar refúgio num lugar solitário chamado Subiaco, onde se alojou
numa minúscula gruta.
Uma grande tentação, uma vitória definitiva
A caminho de Subiaco, ele encontrou-se com Romano, monge que vivia
num mosteiro próximo dali. Em determinados dias, Romano fazia descer por
uma corda um pedaço de pão até a gruta de Bento. Durante certo tempo,
foi esta a única fonte de alimentação do jovem ermitão. Em breve, porém,
tornou-se ele conhecido na região, e muitas pessoas, vindo procurar
nutrimento para suas almas, traziam-lhe alimento para seu corpo.
Nesse período, sofreu o jovem as mais duras tentações diabólicas.
Fortemente provado em certa ocasião contra a virtude da pureza, viu-se a
ponto de ceder e até mesmo abandonar sua solidão. Ajudado, porém, pela
graça divina, reagindo, despojou-se de sua vestimenta e se atirou numa
moita de espinhos e urtigas, na qual se revolveu durante longo tempo.
Saiu com o corpo todo ferido, mas com a alma livre da tentação.
Tentativa de envenenamento
Nos três anos em que passou nesse lugar em completo isolamento,
espalhou-se a fama de sua santidade. Tendo falecido o abade de um
mosteiro existente por perto, os monges vieram pedir-lhe para assumir
esse cargo. De início, Bento recusou, porém, ante a grande insistência
dos religiosos, acabou por aceitar. Em pouco tempo, contudo, esses
tíbios monges — arrependidos de terem escolhido por superior um homem
que lhes exigia o caminho da perfeição — decidiram matá-lo, pondo veneno
no seu vinho. O Santo traçou um grande sinal-da-cruz sobre a jarra de
cristal que lhe foi apresentada e esta se despedaçou.
Compreendendo bem o que isso significava, Bento abandonou no mesmo
dia o mosteiro de monges relaxados e regressou à estimada solidão de sua
gruta.
Nasce a Ordem Beneditina
Atraídos pelo brilho de suas virtudes e a fama de seus milagres,
muitos varões sedentos de sobrenatural foram para junto da gruta para
viverem sob sua direção. Formaram-se, assim, sucessivas comunidades. Ao
todo, São Bento erigiu ali doze mosteiros, escolhendo um abade para cada
casa.
Estava fundada a Ordem Beneditina.
Nessa época, Subiaco começou a ser visitada por pessoas importantes
de Roma que traziam os filhos para serem educados segundo o espírito
beneditino. Dentre estes, o Santo abade recrutou dois de seus melhores
discípulos: São Mauro e São Plácido.
Grande taumaturgo
Deus concedeu com largueza a seu servo o dom dos milagres.
O abastecimento de água de três dos mosteiros construídos sobre alta
montanha acarretava grandes trabalhos aos monges. Estes foram pedir-lhe
para se mudarem. Nessa noite, Bento rezou nesse local durante bom tempo
e, antes de descer, marcou um ponto com três pedras. No dia seguinte
disse àqueles monges:
— Ide e cavai no rochedo onde encontrardes três pedras superpostas.
Feito isso, de lá brotou água que jorra em abundância até hoje.
Bento havia aceitado como monge um homem godo “pobre de espírito”.
Certo dia, deu-lhe por missão desbastar o mato à beira do lago para ali
plantar uma horta. O homem cortava com vigor o matagal quando a foice
desprendeu-se do cabo e caiu no lago, num lugar profundo. Aflito, foi
ele confessar a São Mauro sua “falta”. Bento, posto a par do sucedido,
foi ao local e enfiou na água a ponta do cabo. Nesse momento a foice
subiu do fundo do lago e prendeu-se de novo no cabo.
— Toma, trabalha e não te aflijas mais — disse o santo Abade ao monge.
Muitos outros milagres operou Deus por intermédio de seu fiel
servidor. Ele curou doentes, salvou pessoas de perigos, expulsou
demônios, fez um monge andar sobre as águas, e até ressuscitou um menino
morto.
“Eu estava presente…”
Outro dom singular que aprouve ao Senhor conceder-lhe é o de estar
presente em espírito junto a seus filhos espirituais, onde fosse
necessária sua vigilância de Pai e Fundador. Dois episódios ilustram bem
esse prodigioso privilégio.
Prescrevia a regra que os monges nada comessem nem bebessem quando
saíssem do mosteiro para cumprir alguma incumbência. Um dia dois monges,
tendo ficado fora até muito tarde, aceitaram hospitalidade de uma
piedosa mulher que lhes serviu alimento e bebida. Voltando ao mosteiro,
foram pedir a bênção a São Bento, que os interpelou:
— Onde comestes?
— Em nenhum lugar — responderam eles.
— Por que mentis? Acaso não entrastes na casa de tal mulher e ali comestes tal e tal coisa, e bebestes tantas vezes?
Os dois culpados prostraram-se a seus pés e lhe pediram perdão.
Havia perto de Subiaco uma comunidade de virtuosas mulheres
consagradas ao serviço do Senhor, às quais o Santo enviava com
freqüência um monge para lhes dar assistência espiritual. Certo dia, o
monge encarregado dessa missão aceitou de presente delas alguns lenços e
os escondeu sob o hábito, em seu peito. Regressando ao convento, foi
severamente repreendido por São Bento e ficou estupefato pois, tendo já
se esquecido da falta cometida, não atinava com o motivo da repreensão.
Então o santo Abade lhe disse: “Acaso não estava eu presente quando
recebeste das servas de Deus os lenços e os guardaste em teu peito?”
Alvo de perseguições
Em todos os tempos e lugares, é próprio dos Santos serem alvo da
incompreensão e do ódio dos asseclas do demônio. O sacerdote de uma
igreja próxima de Subiaco, tomado de inveja, começou a denegrir o gênero
de vida de Bento, procurando afastar de sua santa influência todos que
podia. Vendo frustrados seus esforços, enviou de presente a Bento um pão
envenenado, com o fito de matá-lo. Fracassado também este intento,
chegou ao cúmulo de introduzir no jardim do mosteiro sete mulheres de má
vida, com esperança de corromper os jovens monges.
Compreendendo que tudo isso era feito com intuito de persegui-lo
pessoalmente, Bento nomeou prepostos seus em cada um dos doze mosteiros
que havia fundado, e retirou-se de Subiaco.
Monte Cassino, o caminho para a restauração
Dirigiu-se então a Cassino, uma cidadezinha fortificada a meio
caminho entre Roma e Nápoles. Havia lá um templo pagão no qual
camponeses da região rendiam culto a Apolo. Ao redor do templo,
mantinham eles cuidadosamente alguns bosques nos quais ofereciam
sacrifícios ao demônio. Ali chegando, o homem de Deus destruiu o ídolo,
abateu os bosques e transformou o edifício em igreja erguendo nela um
oratório a São João Batista e outro a São Martinho de Tours.
Em seguida, deu início à construção do famoso mosteiro de Monte
Cassino, o qual teve por único arquiteto o santo Abade e como
construtores os próprios monges.
O mosteiro de Monte Cassino foi a resposta de Deus à decadência do
mundo de sua época. Exemplo de governo patriarcal e de sociedade
verdadeiramente cristã, em meio às nações bárbaras, exerceu enorme
influência sobre os costumes privados e públicos, tanto na ordem
espiritual quanto na temporal. Bispos, abades, príncipes e homens de
todas as classes visitavam o Santo, seja para lhe pedir um conselho,
seja pela amizade e estima que tinham por ele. Potentados da época, às
vezes depois de conquistas e vitórias, iam com freqüência refugiar-se
secretamente em Monte Cassino para se embeberem um pouco do espírito
beneditino.
Descobriu-se, assim, após o desmoronamento do Império Romano, o caminho para a renovação.
A Regra dos Monges
Enquanto erguia o edifício do novo mosteiro, São Bento erigia
interiormente a Obra beneditina sobre uma base mais firme que a rocha,
escrevendo sua inspirada e famosíssima Regra dos Monges. Tem ela por
objetivo desprender o coração humano das trivialidades, facilitando à
alma elevar-se a Deus sem obstáculos, com um proceder sempre sereno,
tendo em vista a vida eterna. Com seu conhecido aforismo “Ora et labora”
(Reza e trabalha), a Regra tem o mérito de harmonizar no monge a oração
e a ação, a ascese e a mística.
A Regra escrita por São Bento produziu benéficos frutos em toda a
Cristandade. Este sábio conjunto de normas vigorou quase com
exclusividade nos mosteiros de Ocidente durante oito séculos.
A santidade e o espírito valem mais que a Regra
Entretanto, mais que a Regra, foram a santidade e o espírito de seu
Fundador que deram à Ordem Beneditina a estabilidade, a força de
expansão e a eficácia da sua ação civilizadora. Inspirados pela busca da
perfeição na obediência, no esplendor da liturgia, no primor do canto
gregoriano e no amor à beleza posta a serviço de Deus, os filhos de São
Bento exerceram um papel fundamental na cultura, nos costumes e nas
instituições das nações que formaram a Cristandade medieval.
A Ordem de São Bento teve um extraordinário surto de desenvolvimento a
partir do século X, com a fundação da Abadia de Cluny. No seu apogeu,
17 mil mosteiros estavam subordinados a ela. Nações inteiras foram
convertidas à Fé cristã pelos discípulos do santo Patriarca. Muitas
famosas universidades — Paris, Cambridge, Bolonha, Oviedo, Salamanca,
Salzburgo — nasceram como desdobramentos de colégios beneditinos.
Inúmeros mártires deram valorosamente a vida pronunciando o nome de seu
Fundador. Plêiades de cardeais, bispos e santos doutores tinham-no por
mestre. Mais de 30 papas seguiram sua inspirada Regra. Finalmente, há
1500 anos, incontáveis almas se consagram a Deus sob a égide de sua
santa Instituição.
Pode-se, pois, com toda propriedade, comparar ao grão de mostarda da
parábola do Divino Mestre a Obra do Pai do Monaquismo Ocidental: “É esta
a menor de todas as sementes, mas, quando cresce, torna-se um arbusto
maior que todas as hortaliças, de sorte que os pássaros vêm aninhar-se
em seus ramos” (Mt 13,32).
Morreu de pé, como valente guerreiro
O santo Abade anunciou com meses de antecedência a data de sua morte.
Seis dias antes, mandou preparar a sepultura. Logo foi atacado por
violenta febre. Como a enfermidade se agravava cada vez mais, no dia
anunciado fez-se conduzir ao oratório onde, fortalecido pela recepção da
Santíssima Eucaristia e apoiado nos braços de seus discípulos, morreu
de pé com as mãos levantadas aos Céus e os lábios pronunciando a última
oração.
Era o dia 21 de março de 547. Foi enterrado no local onde havia
outrora edificado o oratório de São João Batista, em Monte Cassino.
A última visita de Santa Escolástica
Escolástica, fundadora do ramo feminino da Ordem Beneditina, era irmã
gêmea de São Bento e estava desde a infância consagrada a Deus. Todo
ano ela lhe fazia uma visita para conversarem sobre os assuntos
relativos à vida eterna. O santo Abade a recebia numa casa pertencente
ao Mosteiro de Monte Cassino, situada não longe dali.
No ano da partida da Santa para o Céu (547), veio ela como de
costume, e seu santo irmão foi encontrá-la na mencionada casa,
acompanhado de alguns de seus discípulos. Passaram todo o dia em
elevados colóquios, os quais se prolongaram até uma hora avançada da
noite. Pressentindo que estava próximo o dia de sua morte, Escolástica
disse a seu irmão:
— Suplico-te que não vás agora, para podermos conversar até amanhã sobre as alegrias da vida celestial.
— Que me dizes, irmã?! De modo algum posso passar a noite fora do mosteiro!
Ante essa resposta, a Santa apoiou nas mãos a cabeça e rezou durante
alguns instantes. Até então, o céu estava plácido e límpido. Quando,
porém, ela levantou a cabeça, desabou uma chuva torrencial, com
relâmpagos e trovões tão violentos que o Abade e seus discípulos não
podiam sequer pensar em sair da casa.
— Que Deus todo-poderoso te perdoe, irmã! O que fizeste?
— Supliquei a ti e não quiseste atender-me. Roguei ao meu Senhor e Ele ouviu-me. Agora sai, se podes, e regressa ao mosteiro…
São Bento compreendeu que deveria conceder por força aquilo que, por
amor à Regra, ele não tinha querido dar voluntariamente. E assim
passaram em vigília toda aquela noite, discorrendo sobre a vida
espiritual.
Três dias depois, estando recolhido em sua cela, São Bento viu a alma
de Santa Escolástica sair do corpo em forma de uma pomba e elevar-se ao
Céu. Comunicou o fato aos monges e enviou alguns deles para buscar
aquele santo cadáver, o qual foi depositado no sepulcro que ele havia
preparado para si próprio.
“Assim, nem sequer a sepultura pôde separar os corpos daqueles cujas
almas haviam permanecido sempre unidas no Senhor”— conclui São Gregório
Magno na sua obra “Vida de São Bento”.
Fundamental para a unidade da Europa
Ao explicar as razões pelas quais escolheu o nome Bento, assim se
expressou o Santo Padre, na primeira Audiência Geral do pontificado, em
27 de abril:
O nome Bento recorda também a extraordinária figura do grande
“Patriarca do Monaquismo Ocidental”, São Bento de Núrsia, co-padroeiro
da Europa juntamente com os santos Cirilo e Metódio e as mulheres
santas, Brígida da Suécia, Catarina de Sena e Edith Stein. A expansão
progressiva da Ordem Beneditina por ele fundada exerceu uma influência
enorme na difusão do Cristianismo em todo o Continente. Por isso São
Bento é muito venerado também na Alemanha e, em particular, na Baviera, a
minha terra de origem; constitui um ponto de referência fundamental
para a unidade da Europa e uma forte chamada às irrenunciáveis raízes
cristãs da sua cultura e da sua civilização.
Deste Pai do Monaquismo Ocidental conhecemos a recomendação deixada
aos monges na sua Regra: “Nada anteponham absolutamente a Cristo” (Regra
72, 11; cf. 4, 21). No início do meu serviço como Sucessor de Pedro
peço a São Bento que nos ajude a manter firme a centralidade de Cristo
na nossa existência. Que ele esteja sempre no primeiro lugar nos nossos
pensamentos e em cada uma das nossas atividades!
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