[IHU]
16/9/2011
Dom Edward Daly |
Dom Edward
Daly, bispo de Derry, famoso por proteger os
feridos durante o Bloody Sunday (Domingo Sangrento, 30-01-1972), diz que
Vaticano deve dar uma saída à falta de padres.
A reportagem
é de Henry McDonald, publicada no sítio do jornal The Guardian,
13-09-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No Domingo
Sangrento, em 1972, o padre Edward Daly enfrentou o Regimento de
Paraquedistas responsáveis pela morte de 13 civis desarmados de Derry,
acenando apenas um lenço branco enquanto ele protegia os feridos pelas balas do
exército em Bogside.
Agora, 39 anos depois, o bispo emérito de Derry está enfrentando uma força ainda mais poderosa do que a dos paraquedistas: o Vaticano.
Agora, 39 anos depois, o bispo emérito de Derry está enfrentando uma força ainda mais poderosa do que a dos paraquedistas: o Vaticano.
Dom Daly, que foi bispo de Derry por 20 anos durante os Troubles
[período dos confrontos entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte],
tornou-se o primeiro clérigo católico irlandês influente a pedir o fim do celibato na Igreja. Sua intervenção no
debate sobre se os padres devem ser autorizados a se casar é muito
significativo, porque ele ainda é uma das figuras mais respeitadas da Igreja
Católica irlandesa, em um momento em que a fé na instituição tem sido
abalada pelos escândalos de pedofilia envolvendo o clero.
Desafiando
séculos de teocracia católica, Daly disse que permitir que o clero se
case resolveria alguns dos problemas da Igreja.
O número de
padres católicos na Irlanda está em um forte declínio, já que os clérigos mais
velhos estão morrendo, e muito poucos jovens assumem uma vida celibatária. Em
algumas paróquias, a Igreja transferiu padres da Polônia e do mundo em
desenvolvimento para preencher as lacunas.
"Sempre
haverá lugar na Igreja para um sacerdócio celibatário, mas também deveria haver
um lugar para um sacerdócio casado na Igreja", escreveu Daly em seu
novo livro A Troubled See, Memoirs of a Derry Bishop, que será
lançado no Magee College nesta quarta-feira.
"Eu
acho que os padres deveriam ter a liberdade de se casar se quiserem. Isso pode
criar um novo conjunto de problemas, mas eu acho que é algo que deveria ser
levado em consideração", disse.
"Estou
preocupado com a diminuição do número de padres e do número de padres mais
velhos. Eu acho que essa é uma questão que precisa ser abordada, e
urgentemente".
Embora Daly
aceite que ele pode estar fora de sintonia com o atual pensamento do Vaticano,
ele indica que "não está envolvido em um concurso de popularidade".
Ele disse
que, durante seu tempo como bispo, ele achou "doloroso" que tantos
sacerdotes ou futuros padres foram forçados a renunciar ou foram
impossibilitados de se ordenar por causa da questão do celibato.
Muitos
jovens que outrora planejavam entrar no sacerdócio se afastaram por causa dessa
regra, afirmou o clérigo de 74 anos.
Daly se tornou uma figura reconhecida em todo o mundo em 1972, quando acenou
um lenço branco ensanguentado em frente dos paraquedistas britânicos em Derry,
durante o Domingo Sangrento.
A imagem do padre durante o massacre do exército na cidade se tornou uma
das imagens mais icônicas dos Troubles na Irlanda do Norte.
Daly também foi um crítico feroz da campanha armada do IRA e um forte
apoiador do processo de paz iniciado por pessoas como o seu amigo e confidente,
o Prêmio Nobel da Paz John Hume. No livro, o ex-bispo elogia Hume, que,
segundo ele, é "um dos meus grandes heróis".
Ele havia
tido uma experiência em primeira mão da Batalha de Bogside em 1969 e
participou nas manifestações pelos direitos civis na cidade antes da erupção
dos Troubles. Daly também desempenhou um papel na campanha de
libertação dos Birmingham Six [seis homens condenados à prisão perpétua
por suposto envolvimento com o IRA]. Seu mandato como bispo em Derry
abrangeu os anos de 1974 a 1993, que incluíram algumas das piores atrocidades
dos Troubles.
Ele assume
que a admissão de homens casados ao sacerdócio poderia criar novos problemas e
questões para a Igreja. "No entanto, sob a orientação do Espírito Santo,
decisões importantes devem ser tomadas", acrescentou.
Em seu
livro, ele também denuncia os padres pedófilos cujos crimes e o acobertamento
por parte da hierarquia católica reduziram drasticamente o respeito e a
influência da Igreja na Irlanda. Ele afirma ter "o coração partido e
aterrorizado" pelo fato de seus companheiros clérigos terem se envolvido
em "atos criminosos tão horríveis contra os mais vulneráveis".
Os padres
católicos estão impedidos de se casar desde as reformas gregorianas do século
XI, que tornaram o celibato obrigatório. Os historiadores têm afirmado que a
medida, em parte, ocorreu por razões espirituais, mas também foi tomada
principalmente para garantir que as propriedades de posse dos clérigos
retornariam para a Igreja depois que eles morressem, ao invés de irem para seus
herdeiros.
No entanto,
nos últimos anos, o Papa Bento XVI tomou provisões para que ministros
anglicanos casados se transferissem para a Igreja Católica, depois que
alguns deles fizeram esse movimento em protesto contra algumas questões
anglicanas controversas, como a ordenação presbiteral de mulheres e a aceitação
de ministros em relações homossexuais.
O clérigo
nascido no condado de Fermanagh trabalha agora como capelão do hospital Foyle
de Derry.
A visão do
Vaticano
A proposta
de Dom Daly vai se deparar com um silêncio obstinado no Vaticano,
mas também encontrarão uma compreensão generalizada na Igreja Católica
Romana.
A opinião do
alto é clara. No ano passado, quando o escândalo dos abusos sexuais clericais
estava no auge, o arcebispo de Viena, Christoph Schönborn,
sugeriu que parte do problema poderia ser o celibato sacerdotal.
Seu comentário foi ainda mais interessante, vindo de um teólogo conservador e
ex-famoso pupilo do Papa Bento.
Mas, no caso
de alguém pensar que as suas meditações tinham o apoio do Vaticano, o
papa se pronunciou alguns dias para louvar o celibato como uma "expressão do dom
de si mesmo a Deus e aos outros". Três meses depois, ele reforçou a sua
defesa do status quo, descrevendo o celibato como um "grande sinal de
fé".
O debate
sobre a admissão de homens casados ao sacerdócio, no entanto, é algo que nem
mesmo o papa pode sufocar. Dois desdobramentos têm reorientado a atenção sobre
o assunto nos últimos anos – e um deles é parcialmente atribuível a Bento
XVI.
O primeiro é
o contínuo escândalo dos abusos sexuais, que na terça-feira ganhou nova vida
quando a norte-americana Rede de Sobreviventes de Abusos Praticados por Padres
(SNAP, na sigla em inglês) pediu que o Tribunal Penal Internacional
investigue o Vaticano por crimes contra a humanidade.
A primeira figura proeminente a debater o caso a partir de uma ligação entre um
sacerdócio solteiro e os abusos sexuais foi o bispo de Hamburgo, Hans-Jochen
Jaschke, que, em março de 2010, disse a um jornal que um "estilo de
vida celibatário pode atrair pessoas que têm uma sexualidade anormal" .
O outro
desdobramento foi a acolhida na Igreja Católica de anglicanos
tradicionalistas, incapazes de reconciliar a sua fé com a ordenação de mulheres
ou a consagração de bispos abertamente gays. Sua incorporação foi facilitado em
outubro de 2009, quando Bento XVI publicou um controverso decreto que
lhes permitia reter grande parte da sua identidade, liturgia e disposições
pastorais.
A
reordenação na Igreja Católica de padres anglicanos casados levantou o fato de
que o celibato sacerdotal não é uma doutrina, mas sim uma disciplina. Em 1970,
o declínio nas vocações ao sacerdócio convenceu nove teólogos de ponta a
assinar um memorando que declarava que as lideranças católicas
"simplesmente têm a responsabilidade de adotar certas modificações"
para a regra do celibato. Trechos do documento foram reimpressos em janeiro.
Até porque um dos signatários era o então Joseph Ratzinger, agora Papa
Bento XVI.
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