[IHU]
11/9/2011
JMJ 2011 (Madrí) |
O entusiasmo dos jovens reunidos em Madri saberá superar o
desafio da cotidianidade e se transformar em autênticos caminhos de fé?
A análise é
de Mario Bussetti, publicada na revista Settimana, publicação de
atualidade pastoral, nº 31, 04-09-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Imaginemos
que nos encontramos em uma das estações da supereficiente rede de transporte de
Madri: o que mais fascina um engenheiro como eu é a existência de
diversos níveis que – em correspondência a um único ponto no mapa – permitem
subir em várias linhas e, por meio delas, viajar em diversas direções ao longo
da cidade e dos seus subúrbios. Da mesma forma, gostaria de ler essas duas
semanas ao longo de várias diretrizes, que se cruzam, mas também levam a
resultados opostos.
Em primeiro
lugar, pretendo percorrer a linha verde, a da minha experiência como
voluntário: foram 15 dias pessoalmente muito ricos, em que foi interessante o
encontro com tantas histórias, personagens, modos diferentes de enfrentar
dificuldades; ver os diversos motivos que levaram as pessoas a prestar serviço,
das que foram para Madri com intenções não totalmente "nobres"
àqueles que bastavam duas horas de trabalho juntos para forjar um vínculo capaz
de superar as distâncias culturais; colocar-se à prova na capacidade de estar
em grupo quando você não escolheu os companheiros e, às vezes, não há nem um
líder!
Poder
descobrir o "por trás dos bastidores" de uma Jornada Mundial da Juventude (depois de ter
feito tantas na frente do palco), como, por exemplo, explorar o Cuatro
Vientos vazio [aeroporto civil-militar madrilenho onde ocorreram os
encontros multitudinários da JMJ]: uma raridade! Descobrir-se frágil diante de
certas tarefas, encontrando apoio na oração em momentos em que geralmente me
baseio apenas nas minhas próprias forças. Um tipo especial de férias, enfim, da
qual certamente não me arrependo.
O primeiro
cruzamento é com a linha amarela, isto é, a da organização. É fácil
dizer que... é difícil organizar um evento como esse, mas, a meu ver, houve
grandes lacunas, resultado de erros que seria errado deixar em silêncio, e
tentarei também explicar o porquê. Acima de tudo, a gestão dos voluntários: a
levíssima "direção" dos responsáveis deixou amplos espaços para
aqueles que tentavam se safar; vivemos muitas vezes no conflito interno entre
"há um monte de coisas para fazer" e a ausência de informações sobre
como se deveria agir concretamente.
A falta de
organização do trabalho levou, sobretudo o meu grupo do serviço de ordem
internacional, a se sentir muitas vezes supérfluo, salvo depois descobrir que
havia áreas sem cobertura; o constante descuido nos tempos foi estressante e,
finalmente, a desastrosa gestão das comunicações, isto é, uma enorme parede em
que eram afixados – absolutamente de qualquer jeito – avisos de papel de todos
os tipos, dos horários para a vigilância noturna, até a proposta de um
voluntário polonês que buscava hospitalidade nas várias cidades europeias para
enriquecer a viagem de retorno. A desordem nas comunicações foi uma grande
filha dos tempos (mesmo que o Facebook seja mais ordenado). Retomo uma
afirmação que não é minha, mas que sempre me chamou muito a atenção: não basta
fazer o bem (aquilo que a maior parte dos voluntários fez), mas é previso
fazê-lo bem; isso ensina o Evangelho.
A próxima
estação da linha amarela é a gestão dos alojamentos. Concordo plenamente que
quem vai a uma JMJ deve esperar uma acomodação espartana. Mas espartana
não significa sem nenhum cuidado. Um dos aspectos mais bonitos de uma JMJ é a
acolhida por parte de uma cidade, por parte das suas famílias e instituições,
dos peregrinos, e acolhida quer dizer que há um lugar preparado para você e
cuidado – embora com sobriedade – para lhe dar o melhor possível.
Isso – nas
minhas experiências passadas – permitiu que as comunidades anfitriãs revelassem
talentos inesperados. Mas ficar entre centenas com três banheiros; dormir
durante a maior parte do tempo ao ar livre sob a chuva; chegar em um lugar e
descobrir que há um outro grupo; deixar por aí, durante um dia inteiro, 5.000
peregrinos para preparar uma solução de emergência visto que os seus
alojamentos não existem é acolhida? O número de pessoas que, em um determinado
momento, se encontram em uma praça não pode ser previsto, mas o dos inscritos
que devem ser hospedados, a meu ver, sim. Eu não sei as causas, mas os efeitos
falam de uma profunda negligência, que é algo diferente de sobriedade.
E chegamos
aos aspectos (técnicos) de Cuatro Vientos: cada um de nós, voluntários
experientes, que entrou na área ainda vazia, pensou: "Mas este lugar é
pequeno". Durante o treinamento, os números afirmados pelo responsável
eram decisivamente inferiores aos que zumbiam nos nossos ouvidos. Mas, à minha
pergunta específica sobre o que fazer se chegassem mais pessoas, a resposta foi
uma não resposta, como se eu tivesse medo da possibilidade de um desembarque
alienígena.
Resultado?
As pessoas também ocuparam as passagens a ser deixadas vazias e as
"ruas" de Cuatro Vientos – a tal ponto que o papa não pôde
fazer o habitual giro entre os peregrinos –, sem falar daqueles que ficaram do
lado de fora. Mas a mensagem evangélica tem muito pouco de
"exclusivo".
Durante a
vigília, levantou-se um forte vento. Forte, com certeza, mas não raro em Madri
(vimos outras 2-3 vezes em 15 dias): pois bem, pelo menos quatro tendas caíram
(outras ficaram perigosas), mais a estrutura de uma das entradas, e só graças
ao Espírito Santo e a alguma prudência devida não aconteceu nada de grave. Jesus
não buscava os banhos de multidão, mas, quando ele as atraía, cuidava das
pessoas. A Igreja – que às vezes me parece um pouco muito interessado nos
grandes números – com maior razão deve saber fazer o mesmo: o "risco da
fé" não é o de não sair ileso de uma JMJ!
Tendo
chegado ao fim deste trecho, aventuro-me na linha azul dos aspectos
pastorais. Pela primeira vez – pelo menos nas minhas recordações –, a JMJ
se desdobrou em um clima de tangível hostilidade. Esta – obviamente, com
exceção da violência – é perfeitamente legítima, assim como pode ter um sentido
transformar a JMJ em um evento voltado para anunciar o Evangelho em
terras marcadas por um maior distanciamento dele.
Mas é
preciso ter a coragem de modificar algo na estrutura da semana: em uma cidade
que mal lhe suporta, você não pode ocupar por três dias uma das zonas centrais,
porque isso provoca raiva e impaciência, visto que a cidade é de todos. Assim
como não faz sentido contrapôr as "nossas" manifestações (como a
chegada do papa) às manifestações "deles". Mas, acima de tudo, é
preciso refletir sobre como se quer "invadir" a cidade, sobre qual
sinal se quer mostrar ao "mundo": a meu ver, a missa não é o mais
adequado. A celebração da Eucaristia requer um clima de recolhimento, ocorre –
na sua instituição – entre Jesus e os seus em uma sala "no segundo
andar". Não é algo para ser "desfraldado" diante dos operários
que trabalham (como aconteceu na missa de abertura); exige um certo grau de
preparação ou pelo menos de desejo de participar; senão, no melhor dos casos,
gera indiferença e torna-se quase vilificada.
Diferente é
o discurso sobre a Via Crucis (para mim, o momento mais bonito desta JMJ):
a cruz é o sinal que Jesus, de algum modo, escolheu para "ser exaltado e
atrair todos para si". A primeira Via Crucis ocorreu justamente dentro de
uma cidade entre pessoas comovidas, hostis ou indiferentes; a cruz fala de uma
experiência comum a todos os homens, isto é, o sofrimento, e guarda aquele
mistério que está na base da nossa fé, ou seja, a ressurreição.
Aqui, creio
que – na prática – bastaria a celebração da Via Crucis na cidade,
substituindo o resto com momentos de verdadeiro anúncio em contextos menores e
mais capazes de despertar e envolver as comunidades locais.
Uma imagem –
infelizmente nada nova – me fere nesta linha azul: a extensão sem limites de
restos de alimentos inutilizados deixados dentro do salão do encontro do papa
com os voluntários (que a minha mente multiplica indefinidamente aplicando-a a Cuatro
Vientos): enquanto há milhões de pessoas que morrem de fome, a Igreja não
consegue evitar uma mensagem tão escandalosa? Eu mesmo, nessas ocasiões, me
releguei a um "não podemos fazer nada", mas desta vez não consegui. É
difícil se ocupar disso, mas a Igreja – com a ajuda do seu Senhor – deve
enfrentar desafios difíceis e tentar reverter lógicas consolidadas. O Evangelho
– como sempre – nos orienta: "os discípulos recolheram doze cestos
cheios"... Entre as muitas leituras dessa frase, eu também vi o aviso a
não desperdiçar aquilo que é dom e que muitos outros não têm.
No
cruzamento dos cruzamentos, decido fazer um passeio também pela linha
vermelha, a dos aspectos litúrgico-teológicos. Diante das difíceis
condições da vigília, o papa decide cortar o seu discurso e expor, por um curto
breve tempo, a Eucaristia. Eu talvez teria feito o contrário, mas nesse ponto
reconheço que existem perspectivas e sensibilidades diferentes. Certamente, é
uma escolha, segundo alguns, um pouco corajosa. O ponto é que, na missa do
domingo, foi anunciado que não seria possível fazer a comunhão.
Eu não tenho
competências suficientes para me adentrar nos aspectos teológicos dessa
escolha, mas me parece que, nesse caso, a coragem deu lugar a uma certa
formalidade (além das dúvidas sobre a organização, do tipo: "mas onde
guardaram essas hóstias?", sobre as quais já me alonguei).
Agora, a
questão séria é: diante daquela que se configurou como uma espécie de
alternativa, a Eucaristia deve ser contemplada ou comida? A fé cristã, segundo
alguns e nos primeiros tempos causando escândalo, tem uma resposta clara, mas
acredito que a mensagem que chegou ao um milhão e alguma coisa de peregrinos
foi a oposta.
Subindo
novamente as escadas dessa imaginária estação de metrô, encontro em todos os
níveis inúmeros jovens, realmente de todas as partes do mundo, que trazem um
entusiasmo que parece contrastar um pouco com algumas das cores da minha
reflexão. Isso, de um certo ponto de vista, me consola, porque me diz que o
modelo das JMJs a mim tão caras não desapareceu totalmente, e que o encontro
entre as pessoas em nome de Jesus, ao redor do sucessor de Pedro, tem
uma vitalidade, para alguns, inexplicável (ou melhor, explicável com o "a
mais" da vida no Espírito)... mas me vem uma “pregunta”: esse entusiasmo
saberá superar o desafio da cotidianidade e se transformar em autênticos
caminhos de fé?
Se a Igreja
(universal e local) não cuidar dele séria e evangelicamente, não estou – nesse
sentido – totalmente “tranquilo” (lido à espanhola).
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