“Desmascarar o mal é um dever das religiões”
DACHAU, quarta-feira, 14 de setembro de 2011 (ZENIT.org)
– Da Romênia, Polônia, Hungria, Ucrânia, Itália, Rússia: os líderes
religiosos convocados pela Comunidade de Sant'Egidio para o encontro
mundial “Bound to Live Together. Religiões e culturas em
diálogo”, que está sendo encerrado em Munique, chegaram juntos ao lugar
onde se erguia o barracão número 28 do campo de concentração de Dachau.
Aqui
eram trancados os sacerdotes católicos e pastores protestantes que, nas
igrejas, expressavam sua oposição ao regime nazista ou que ajudavam os
judeus e perseguidos a esconder-se. De 1933 a 1945, o lapso de tempo em
que o campo esteve em funcionamento, foram registradas 2.720 pessoas, de
134 dioceses e 24 países.
Muitíssimos morreram: “Dachau – explicou o guia – não era um campo de
extermínio; seu objetivo era a 'reeducação' através dos trabalhos
forçados, mas, com relação às 42 mil defunções dentre os 200 mil
internos durante 12 anos, não se pode falar certamente de mortes
naturais.”
Os líderes religiosos do mundo inteiro – cristãos, muçulmanos, judeus
e das religiões da Ásia – se reuniram ontem, 13 e setembro, em Dachau,
para uma cerimônia de comemoração que destacou, mais uma vez, a vontade
de paz e de reconciliação das religiões.
Os 30 barracões do campo se distribuíam em linha ao longo de uma
maravilhosa avenida, com álamos plantados pelos próprios internos: sendo
um campo modelo, aberto aos visitantes desde o início da guerra, devia
ser, inclusive, agradável à vista.
“Segundo a hierarquia do campo – explicou o guia –, era melhor estar
em um dos barracões do início da avenida, de número par, onde as
condições de vida eram melhores. À medida que se avançava até o fundo,
estavam mais abarrotadas e as condições eram piores. O campo construído
para albergar 5 mil prisioneiros tinha 36 mil quando foi libertado, de
todas as nacionalidades. Sobreviver foi um milagre.”
“Antes da libertação do campo, em 21 de abril de 1945 – contou o
cardeal Jὀzef Glemp, arcebispo emérito de Varsóvia –, ocorreu um fato
milagroso. Os prisioneiros poloneses rezavam a São José pela sua
libertação e, de repente, chegou um tanque americano que havia errado de
caminho. Dessa maneira, as SS, que se preparavam para destruir o campo
e, assim, todas as provas dos crimes que haviam cometido, fugiram.”
Lugares como os fornos crematórios – as SS os designaram aos
sacerdotes católicos, porque pensavam que seu ministério os obrigava ao
segredo em qualquer situação – e as câmaras de gás: não há provas de que
fossem usados, mas os procedimentos previstos eram sempre os mesmos: os
prisioneiros eram obrigados a ficar nus, com o pretexto de tomar um
banho, e a entrar em um lugar em que havia gás Zyklon B. Trinta minutos
eram suficientes para morrer.
“Trinta minutos não é um tempo breve para morrer – comentou a ZENIT
Dom Pero Sudar, bispo de Sarajevo –, era uma longa agonia, que me lembra
a de Jesus: deveria morrer para redimir todos os mortos, também estes.”
Chama a atenção “o planejamento da 'fábrica da morte', mas também um
lugar como este testifica que o mal pode existir e durar, mas no final é
sempre derrotado”.
Auschwitz e Dachau não deveriam servir como memorial para evitar que
os horrores pudessem se repetir? No entanto, a destruição dos seres
humanos por parte de outros seres humanos se repetiu: passaram-se
somente 20 anos desde o assédio a Sarajevo.
“O drama da condição humana – explica Dom Sudar – é não poder
aprender as coisas fundamentais das experiências dos outros, seja do bem
ou do mal que deve enfrentar no espírito de toda geração.”
“É difícil – acrescenta – nutrir uma vontade absoluta de mal por
parte de qualquer um: é necessário mascará-la com uma ficção de bem,
como a tentativa reeducativa de Dachau ou a necessidade de defender-se
em primeiro lugar do possível ataque dos outros, como ocorreu com os
sérvios na Bósnia. (…) Por isso, na Alemanha foi possível que todo um
povo, condicionado pela propaganda e pela mentira, tolerasse tudo isso.”
“É dever das religiões – afirmou Dom Sudar –, mas também dos
intelectuais e da mídia, desmascarar o mal, para que possa ser
reconhecido como o que é. Não existe guerra preventiva e nem sequer a de
defesa: existe estar contra a guerra ou a favor dela.”
“Queridos amigos jovens – convidou o cardeal Roger Etchegaray,
durante a cerimônia na capela da Angústia –, sua presença em Dachau é o
sinal do seu compromisso de desonrar a guerra onde quer que ela apareça.
Alcançar a paz hoje requer mais heroísmo que vencer a guerra no
passado.”
“No meu país, Cazaquistão, perto da cidade de Karaganda – contou a
ZENIT o metropolita Aleksandr, do Patriarcado de Moscou –, vou
frequentemente rezar a lugares parecidos, campos de concentração onde
morreram centenas de mártires da fé. Seu testemunho, como o daqueles que
sofreram em Dachau, demonstrou que nenhuma ditadura das ideologias pode
vencer, mas somente um sistema de valores cristãos, que são valores
comuns a todos os homens.”
Nada, na verdade, parece capaz de suprimir a força do espírito
humano. “Aos 23 anos, em 1943 – relatou a ZENIT Max Mannheimer,
vice-presidente da Associação de Sobreviventes de Dachau –, fui a
Auschwitz, depoisao gueto de Varsóvia e mais tarde a Dachau. Trabalhava
nos canteiros de cascalhoe estava rodeado de brutalidade e violência.
Quando o campo foi libertado, eu pesava 48 quilos.” Na verdade, um
sobrevivente não é libertado totalmente: “A concepção de homem, de Deus,
da sociedade, tudo cambaleia”.
“Quando voltei à Checoslováquia – contou Mannhemeir, que é de origem
morávia –, conheci um moça alemã que se opôs ao nazismo e cuja família
foi perseguida por isso. Ela repetia constantemente que a Alemanha
poderia ter sido um país democrático.”
“Eu me apaixonei por ela e acreditei nisso. Por esta razão, aceitei
voltar à Alemanha e passei os últimos 25 anos de universidade em
universidade, para incentivar os jovens alemães no caminho da democracia
e da convivência pacífica.”
“Mostrem valentia – concluiu o vice-presidente da Associação de
Sobreviventes de Dachau, em sua intervenção durante a cerimônia
comemorativa – quando se trata de defender o direito e a dignidade de
outro ser humano. Vocês não são responsáveis pelo que aconteceu. Mas que
isso não se repita jamais – por isso, sim, vocês são responsáveis.”
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