[IHU]
5/9/2011
Régis Debray |
Régis Debray estava na
cidade de Calvino em março passado, a convite da Companhia dos
Pastores e dos Diáconos da Igreja Protestante de Genebra. Foi
uma oportunidade para fazer uma análise do estado de saúde do sentimento
religioso na Europa e de descobrir algumas chaves para os seus últimos
livro, Le moment fraternité e Eloge des frontières.
A reportagem
é de Emmanuel Rolland, publicada na revista Riforma, publicação
das Igrejas evangélicas batistas, metodistas e valdenses, 21-08-2011. A
tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a
entrevista.
Como nasceu
o seu interesse pelo fato religioso?
Se eu
acompanhei longamente o socialismo revolucionário que é, assim como todos os
milenarismos, uma ideia cristã que enlouqueceu, eu também constatei a
extraordinária perenidade do fato religioso no espaço e no tempo. E me
perguntei: o que leva as pessoas e os povos a acreditar? Não só a crer, mas
também a formar comunidades? E assim, pouco a pouco, subi novamente para a
fonte, para o Antigo Testamento, para o cristianismo, em um processo, se
se quiser, de regressão reflexiva.
E o que
aprendeu?
A minha
primeira descoberta na América Latina é que existe o outro, outras
culturas, costumes de vida aos quais eu sou estranho. Todas essas culturas são
arcaicas, ancestrais, de uma profundidade de tempo considerável e estão sempre
ali. Portanto, a ideia muito do século XIX, segundo a qual quando se abre uma
escola se fecha uma igreja – ou seja, que a crença se dissolve no racionalismo
–, é uma ideia falsa. Ao contrário, há uma permanência do religioso que é
preciso tentar entender. Tudo isso levanta questões, ainda mais quando se
provém, como eu, de um ambiente ateu em que a religião é considerada o ópio do
povo, uma força reacionária e conservadora. Acho que essa também é a vitamina
do fraco, uma força ativa de proposta, e que a religião pode levar as pessoas a
resistir à opressão.
A crença não
se dissolve no racionalismo, o senhor diz. Mas a religião se dissolve na
secularização?
Eu nunca
acreditei na tese da secularização entendida como desaparecimento do religioso.
Pode haver um transplante do religioso, não um desaparecimento. Uma sociedade,
mesmo que se acredite irreligiosa, tem necessidade de totens, de deuses, ao
mesmo tempo evocativos e reparadores, e de lugares onde se faça silêncio, onde
se recolha e onde se tire o chapéu, um lugar e um momento em que não se ri.
Quais são os
elementos indispensáveis para a formação de uma comunidade?
Primeiro,
uma transmissão. A transmissão é o contrário da comunicação, que consiste em
fazer circular uma informação no espaço em um momento T. A transmissão é portar
uma informação no tempo, isto é, construir uma duração, uma tradição, uma
memória, e é exatamente isso que distingue o homem do animal. O animal se
comunica muito bem, mas não transmite. Além disso, uma comunidade humana sempre
pressupõe um ponto de coerência, isto é, um ponto federador que pode ser de
texto, uma figura de herói, um evento, enfim, algo que reúne. E aquilo que
reúne é chamado de sagrado.
O sagrado é
aquilo que nos mantém juntos e que nos permite resistir à usura e à dispersão.
O sagrado é o que permite que uma comunidade não morra ou pelo menos retarde o
momento da sua morte e da sua degradação. Em outros termos, o sagrado é aquilo
que compõe, e não há nenhuma necessidade de uma religião institucional para
isso. Além disso, reconheço que, quanto menos há religião, mais há sacralidade.
Um lugar que havia me impactado pela abundância de sacralidade havia sido a
antiga União Soviética, tão petrificada de sacralidade que havia se
tornado imóvel. A hierarquia, o mausoléu de Lênin, a Praça Vermelha
que se tornou um lugar de devoção, na qual é proibido fumar, os ícones
políticos fixados em todos os lugares. Enfim, sempre é possível se livrar do
religioso na sua forma institucional, mas ele retorna em uma forma mais
selvagem, onipresente.
A
comunidade, seja ela religiosa ou civil, perde velocidade. Qual o seu papel
para as igrejas?
É evidente
que há uma espécie de divisão do "nós" em benefício do
"eu", uma espécie de "tout à l'ego" [trocadilho com a
expressão "tout à l'égout", que indica a rede pública de esgoto], mas
eu não acho que isso vai durar. No fundo, existem dois tipos de sociedades ou,
nas palavras de Paul Valéry, duas coisas que ameaçam o mundo: a ordem e a
desordem, ou seja, o excesso de individualismo e a ausência de individualismo.
Os protestantes desempenharam um papel na desritualização do mundo. Pois bem,
eu acredito que os rituais são essenciais.
O
protestantismo contribuiu, com o seu culto da sinceridade, com a marginalização
dos gestos, dos lugares, das liturgias que levam as pessoas a estar em comunhão
juntas e a se elevar acima do seu interesse imediato. Portanto, estou
preocupado hoje com o esfacelamento dos Estados-nação na Europa que, longes de
desembocar em um reino harmonioso e juridicamente controlado de fraternidade
internacional, caem em um comunitarismo cada vez mais exasperado. Neste
momento, eu acredito que o religioso tem um papel a desempenhar. Não nos
esqueçamos da dupla etimologia da palavra religião: religare, aquilo que
une, ou religere, aquilo que recolhe. Qualquer que seja a religião que
se escolha, a sua função é sempre de reunir, porque cada um sabe que há um
momento em que o "tout à l'ego" se dirige contra si mesmo e se torna
perigoso para todos.
No tempo da
globalização e das uniões supranacionais, o senhor defende uma ideia de fronteira contracorrente: o que o senhor vê de
positivo nas fronteiras?
A priori, a
fronteira é o que é antipático, é o que resiste... Mas é algo ambíguo.
Constatei que há cada vez mais fronteiras, enquanto falamos cada vez menos
delas. Vinte e seis mil quilômetros de fronteiras foram criadas dos anos 1980
em diante e há outros 23 mil em construção. É verdade que, como os impérios
eclodiram, há cada vez mais Estados territoriais e, portanto, sempre mais
fronteiras. Mas que sentido dar a essa multiplicação de fronteiras políticas,
territoriais, no tempo da globalização técnico-econômica?
Segundo
ponto, diz-se: a fronteira é a guerra, é o fronte. De acordo, mas a fronteira
também é a paz, isto é, o reconhecimento do outro. Descobri no Oriente Médio,
onde eu fui um pouco a vagar: onde não há fronteiras, há muros. A fronteira é a
vacina contra o muro, porque a fronteira é o reconhecimento do outro, isto é, a
legitimidade de que haja um outro e que você não está em sua casa em todos os
lugares.
Finalmente,
a fronteira protege o fraco. Tome o direito de asilo: se não houver mais
fronteiras, o que se faz dele? Uma fatwa poderia ser exequível em todos os
lugares. Em outras palavras, a fronteira também é uma hospitalidade. O forte
não gosta das fronteiras. O forte gostaria de poder ir a todos os lugares, mas
na realidade o que ele tem? Um território em que ele entra na toca. É a sua
casa e é preciso admitir que os outros também têm direito a uma casa própria.
Portanto, para mim, a fronteira é uma cortesia, um sinal de civilização.
Como a "fraternidade" pode ser um fermento de
paz?
A
fraternidade não é a fratria, não é o vínculo de sangue. É o vínculo do
sentido. Se lermos a Bíblia, observamos que a fratria sempre termina
muito mal: Caim e Abel, Jacó e Esaú, José e
seus irmãos. A fraternidade consiste em fazer uma família com aqueles que não
são da sua própria família. É fazer um "nós" não genérico, mas
simbólico, não fundado na herança, mas na vontade. O imenso mérito que eu
reconheço ao cristianismo é o de ter permitido a ruptura com o "nós"
étnico, do clã ou familiar, para instaurar o "nós" de São Paulo,
um "nós em Cristo", no seguimento a Cristo, e dos famosos
"família, te odeio" da sua pregação! É uma ruptura de civilização
capital da qual é preciso ver o lado um pouco subversivo. É a passagem da lei
da natureza para a lei da graça. Ela consiste em sair daquele "nós"
hereditário para encontrar uma comunidade voluntária.
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