[IHU]
10/9/2011
"É
verdade que Deus nos torna capazes de perdoar, porque outros o testemunharam;
mas, ao mesmo tempo, ele é incapaz de perdoar sem nós. Mesmo sendo divino, o
perdão continua sendo humano, no sentido de que ele nunca é fácil de oferecer e
de acolher. Requer muito esforço, vontade, renúncias, sacrifícios, generosidade
e sobretudo muito amor"
A reflexão é
de Raymond Gravel,
sacerdote do Quebec, Canadá, publicada no sítio Les Reflexions
de Raymond Gravel, 08-09-2011, comentando a leitura do Evangelho deste
domingo, XXIV Domingo do Tempo Comum.
A tradução é
de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Leituras:
Eclo
27,33-28,9
Sl 103 (102)
Rm 14,7-9
Mt 18,21-35
Sl 103 (102)
Rm 14,7-9
Mt 18,21-35
No discurso
sobre a Igreja do evangelho de Mateus e sobre as relações entre
discípulos, na semana passada tínhamos um convite à misericórdia para com
aquele ou aquela que rompe a unidade da comunidade, e hoje temos um convite ao
perdão ilimitado e incondicional para com aquele ou aquela que nos fere.
1. O Perdão:
uma necessidade humana e cristã
Pedro
pergunta: "Senhor, quantas vezes devo perdoar o meu irmão que peca contra
mim? Sete vezes?" (Mt 18, 21). No primeiro século, rabinos judeus tinham
legislado em matéria de perdão; haviam chegado à conclusão de que se podia
perdoar a mesma pessoa por três vezes, mas, na quarta ofensa, era preciso se
tornar mais severo.
Pedro,
querendo mostrar a sua boa vontade, sugere sete vezes, o número perfeito... Mas
a resposta do Cristo do Evangelho vai muito além: "Não te digo até sete
vezes, mas até setenta vezes sete" (Mt 18, 22). Portanto, o perdão cristão
deve ser ilimitado e incondicional. Não há mais lugar para a vingança, o
rancor, a cólera.
Ben Sirac, o
Sábio, ainda no Antigo Testamento, reconhecia que
o rancor e a cólera eram uma abominação que não resolvia nada, mas cuja
obstinação criava situações ainda piores do que a ofensa que havia sido feita:
"Cólera e furor são ambos execráveis; o homem pecador os alimenta em si
mesmo" (Eclo 27, 33). O exemplo mais evidente que temos hoje é a situação
entre Israel e Palestina. Mas, atenção! Isso não significa que
não devemos buscar a justiça. É preciso fazer de tudo para restaurar a justiça.
Mas não se deve fazer isso com rancor, cólera e vingança.
Mas por que Ben
Sirac acrescenta: "Aquele que quer vingar sofrerá a vingança do
Senhor" (Eclo 28, 1)? Deus seria rancoroso e vingativo? Não, eu não
acredito nisso. As afirmações do Sábio reconhecem simplesmente a nossa
responsabilidade diante do perdão. Se somos incapazes de perdoar, como podemos
implorar o perdão de Deus para nós? "Um homem guarda rancor contra outro
homem, e pede a Deus a sua cura!?" (Eclo 28, 3). Não é Deus que recusa o
perdão; somos nós os incapazes de acolhê-lo. Porque, para acolhê-lo, é preciso
ser capaz de oferecê-lo.
Essa é a
nossa responsabilidade diante do perdão. É um pouco como dizia o evangelista Mateus
na semana passada: "Tudo o que ligardes sobre a terra será ligado no céu,
e tudo o que desligardes sobre a terra será também desligado no céu" (Mt
18, 18). A nossa missão consiste em libertar as pessoas, desligá-las, mas, como
nós não temos a capacidade de fazê-lo, Deus não pode fazê-lo em nosso lugar.
2. Um perdão
a oferecer e a acolher
O perdão
não pode ser acolhido se não for sobretudo oferecido. Esse é o sentido da
parábola de hoje, no Evangelho de Mateus, que quer ilustrar o sentido do
perdão e a grandeza do perdão cristão. O montante de dinheiro devido pelo servo
ao qual o patrão pede as contas, 10 mil talentos ou 60 milhões de moedas de
prata (Mt 18, 24) é tão enorme e desproporcional que é impensável reembolsar
uma tal quantia. Está além de toda compreensão; seriam necessárias centenas de
anos de trabalho para consegui-la.
Porém, o rei
da parábola, Deus, se deixa enternecer pelo homem que chega até a fazer com que
ele acredite que poderá ser reembolsado: "Dá-me um prazo, e eu te pagarei
tudo!" (Mt 18, 26). "Cheio de compaixão [comovido até as entranhas],
o senhor o deixou ir embora e perdoou-lhe a dívida" (Mt 18, 27).
Essa
primeira parte da parábola quer mostrar a grande generosidade de Deus, a
grandeza e a gratuidade do seu perdão para todos nós, seus servos. Se Cristo
nos mostra a grandeza e a gratuidade do perdão de Deus é oferecido e acolhido,
é para nos convidar a fazer o mesmo com os outros. Mas eis que o próprio servo
se dirige ao irmão, a um companheiro que lhe deve apenas 100 moedas de prata,
uma soma ridícula com relação à sua dívida. E se recusa a oferecer o perdão que
lhe foi oferecido tão generosamente: "Mas, sem nada querer ouvir, este
homem o fez lançar na prisão, até que tivesse pago sua dívida" (Mt 18,30).
Nesse ponto,
se assiste a uma inversão da situação, uma mudança na atitude do rei:
"Servo mau, eu te perdoei toda a dívida porque me suplicaste. Não devias
também tu compadecer-te de teu companheiro de serviço, como eu tive piedade de
ti?" (Mt 18, 32-33). Pode-se ver uma vingança da parte de Deus, ofendido
pela atitude do servo, ou se pode ver um ensinamento sobre a justiça
retributiva, que uma certa teologia continua promovendo na Igreja.
Não acredito
que se possa fazer uma tal leitura da parábola. Acredito, ao contrário, que a
parábola nos convida a revelar o rosto misericordioso de Deus, como Jesus de
Nazaré soube fazer na sua vida até a morte na cruz: "Pai, perdoa-lhes;
porque não sabem o que fazem" (Lc 23, 34). Porque, se Deus se revela na
história humana, mediante as mulheres e os homens da história, ele só pode ser
o que se diz sobre ele. Por isso, ele assume o rosto que lhe damos, a partir do
que nós somos.
Em outras
palavras, é verdade que Deus nos torna capazes de perdoar, porque outros o
testemunharam; mas, ao mesmo tempo, ele é incapaz de perdoar sem nós. Não é
isso, talvez, o que dizemos no Pai Nosso: "Perdoai-nos as nossas ofensas
assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido" (Mt 6, 12)? Não nos
esqueçamos, sobretudo, que a misericórdia não dispensa o restabelecimento da
justiça, mas não se trata de uma justiça retributiva com relação a Deus. A
justiça se aplica entre nós: "Com a medida com que tiverdes medido, também
vós sereis medidos" (Mt 7, 2), ou também "Tudo o que quereis que os
homens vos façam, fazei-o vós a eles" (Mt 7, 12).
3. O perdão
divino
Pode-se até
dizer que o perdão humano também é divino, no sentido de que nos permite
superar o reflexo humano da vingança, do rancor, da violência, do mal pelo mal.
O perdão anula a lei do talião, a justiça retributiva. O perdão nos faz superar
a nós mesmos: "Se amais somente os que vos amam, que recompensa tereis?
Não fazem assim os próprios publicanos?" (Mt 5, 46).
Mas, ao
mesmo tempo, mesmo sendo divino, o perdão continua sendo humano, no sentido de
que ele nunca é fácil de oferecer e de acolher. Requer muito esforço, vontade,
renúncias, sacrifícios, generosidade e sobretudo muito amor. Além disso, quando
se sabe até que ponto o perdão liberta e dá novamente a vida, tanto àquele que
o acolher, quanto àquele que o oferece, é lá que o humano toca o divino e torna
todos os perdões possíveis.
Para
terminar, o perdão não é esquecer a ofensa que foi feita, como se se pudesse
fazer com que o passado não tivesse acontecido; o perdão é um compromisso para
o futuro. A esse respeito, gostaria de lhes propor a reflexão do padre Jacques
Sommet, ex-deportado a Dachau, que escreve:
"Um
perdão verdadeiro é algo muito difícil, porque somos habitados pelo nosso
próprio passado, fixados pelas cicatrizes recebidas ou pelas feridas que foram
causadas; é como uma espécie de morte. A inimizade e o ódio não continuam
sendo, talvez, realidades entre as mais duradouras da história pessoal e
coletiva? Cristo, com a sua paixão, oferece a graça de uma fraternidade
renovada... Ele mesmo está em atitude de perdão... A sua paixão é, de certo
modo, um perdão realizado antes de ser uma palavra... Perdoar é fazer com que,
lá onde haja ferida e injustiça, haja abertura de si e do outro à descoberta da
grandeza do dom de Deus, uma abertura que passa justamente pela consciência das
feridas que um faz ao outro. E quando isso é possível, vemos então uma promessa
e uma esperança, lá, onde, caso contrário, estaríamos encurralados no
desespero".
Um comentário:
Olá amigo, Deus lhe abençoe sempre.
Tem um selinho pra você lá no meu blog - é sobre uma campanha nte blogueiros. Bjs.
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