[IHU]
14/9/2011
Os advogados
apresentaram hoje uma petição perante o Tribunal Penal Internacional (TPI),
em nome das vítimas de abuso sexual clerical pedindo uma investigação de altos
líderes da Igreja Católica Romana, incluindo o Papa Bento XVI,
afirmando que o abuso sexual por padres difundido em vários países e o
tratamento dado a esses casos pelos bispos e autoridades do Vaticano constituem
abusos generalizados dos direitos humanos.
A reportagem
é de Tom Roberts, publicada no sítio National Catholic Reporter,
13-09-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A
comunicação apresentada ao tribunal em Haia, na Holanda, é
comparável à apresentação de uma denúncia em um escritório de um promotor
público nos Estados Unidos, disse Pamela C. Spees, advogada do Centro
para Direitos Constitucionais (CCR, na sigla em inglês),
organização com base em Nova Iorque que tem suas raízes na era dos Direitos
Civis e que visa a usar a lei para efeito de mudança social.
A ação cita
o Papa Bento XVI, tanto em seu posto atual, quanto como cardeal Joseph
Ratzinger, quando ele era presidente da Congregação vaticana para a
Doutrina da Fé, que tem a responsabilidade de lidar com os casos de abuso
sexual; o ex-secretário de Estado do Vaticano, Angelo Sodano, que ocupou
o cargo de 1991 a 2006, e o atual, Tarcisio Bertone, que foi nomeado
sucessor de Sodano, e o cardeal norte-americano William Levada,
ex-arcebispo de San Francisco, que foi nomeado por Bento XVI para
sucedê-lo na Congregação para a Doutrina.
Em uma
entrevista do dia 9 de setembro, Spees disse que o centro defende que
padrões semelhantes surgiram repetidamente em vários países, como resultado do
que ela chamou de "uma cultura de violência sexual dentro da Igreja".
Enquanto a maioria das investigações dos abusos sexuais clericais ocorreram em
locais discretos e foram confinados em dioceses individuais, afirmou ela,
"quando você diminuiu o zoom e vê as mesmas políticas e práticas"
ocorrendo em nível internacional e "quando você olha para o que está
documentado e para a brutalidade disso", a justificativa para uma
investigação internacional fica clara.
Uma
investigação também é justificável, argumentam os advogados, nos termos do Estatuto
de Roma, o tratado de 1998 que cria o Tribunal como resultado da crescente
preocupação internacional acerca dos crimes de guerra, incluindo estupro e
outras formas de violência sexual. O centro afirma que a incidência
generalizada de violência sexual por parte do clero católico e a tentativa da
hierarquia de mantê-lo secreto satisfaz a definição do estatuto de ataques
contra a população civil.
A denúncia
de hoje foi feita em cooperação com a SNAP, a Rede de Sobreviventes
de Abusos Praticados por Padres, que defende os direitos das vítimas
de abuso sexual. A SNAP trabalhou com o CCR ao longo dos últimos 18
meses, traduzindo seu vasto estoque de informações sobre os casos de abuso
sexual envolvendo padres em provas para fundamentar um caso internacional, de
acordo com Barbara Blaine, advogada de Chicago e fundadora da SNAP.
Blaine foi abusada por um padre quando estava na sétima série.
Em uma
denúncia inicial junto ao tribunal em maio passado – uma comunicação que
estabelece que a organização pretendia apresentar uma ação muito mais detalhada
no futuro –, o CCR fez a sua argumentação para a utilização do TPI.
O estupro, diz a carta, "constitui um crime dentro da jurisdição do
tribunal". O centro afirma que "o estupro e outras formas de
violência sexual [...] são ofensas e atos de violência graves e também deveriam
ser investigados e processados como formas de tortura".
"Crimes
contra dezenas de milhares de vítimas, a maioria delas crianças, estão sendo
encobertos por autoridades no mais alto nível do Vaticano. Nesse caso,
todos os caminhos realmente levam a Roma", disse Spees em um
comunicado publicado no site do CCR nesta manhã. "Esses homens agem
com impunidade e sem responsabilização. As autoridades do Vaticano denunciadas
nesse caso são responsáveis por estupro e outras violências sexuais e pela
tortura física e psicológica das vítimas em todo o mundo, tanto através da
responsabilidade de comando, quanto pelo encobrimento direto dos crimes. Elas
devem ser levadas a julgamento como qualquer outra autoridade culpada por
crimes contra a humanidade".
O Estatuto
de Roma, diz o comunicado, reconhece "a evolução da lei do
estupro" e "o fato de que o estupro e outras formas de violência
sexual são frequentemente cometidos em circunstâncias coercitivas que negam a
possibilidade de consentimento genuíno. Isso é especialmente importante nos
casos que envolvem vítimas crianças e adultos vulneráveis, especialmente
quando, como aqui, o perpetrador é uma figura de autoridade a que a vítima se
sente compelida a se submeter".
Em sua
primeira denúncia perante o tribunal, o centro afirmou que o Vaticano,
como uma entidade altamente centralizada com toda a autoridade que flui do
papa, "tem tido uma antiga política e prática de lidar com a violência
sexual por padres e por outros associados à Igreja de modos que garantiram que
essa violência continuasse".
As
autoridades do Vaticano, afirma-se, mantêm a autoridade final sobre os
bispos e os padres, e, assim, sob as provisões dos estatutos, se encaixam na
definição de superiores não militares que podem ser responsabilizados
"pelos crimes cometidos por seus subordinados".
Esses superiores
são culpados, de acordo com o estatuto e segundo a acusação:
- se o superior "sabia ou ignorou conscientemente informações que indicavam claramente que os subordinados estavam cometendo ou estavam prestes a cometer tais crimes";
- se os crimes foram cometidos "sob a responsabilidade e o controle efetivos do superior";
- se o superior "não tomou todas as medidas necessárias e razoáveis ao alcance do seu poder para prevenir ou reprimir a sua prática ou para submeter a matéria às autoridades competentes para investigação e instauração de processo".
Blaine, que viveu e trabalhou de 1984 a 1993 na St. Elizabeth Catholic
Worker House no South Side de Chicago, antes de realizar um mestrado
em teologia na União Teológica Católica e uma graduação em direito pela De
Paul University, disse em uma entrevista em Haia que, "como
vítimas, nos sentimos como se já tivéssemos tentado de tudo para conseguir
deter os abusos. Começamos há dois anos pensando em como chegar ao Tribunal
Penal Internacional".
O tribunal
não irá considerar os casos antes de 2002, mas Spees disse que eles
usaram materiais de casos que remontam há décadas para mostrar o padrão que
existiu durante anos em vários países e para mostrar que o Vaticano
negligenciou a resposta à crise. A apresentação responde, em parte, disse
Blaine, ao fato de que, enquanto os padres eram removidos do ministério, os
bispos não enfrentaram nenhuma sanção ou penalidade pelos seus papéis em
esconder padres abusadores e transferindo-os entre paróquias, dioceses e até
mesmo para outros países, sem revelar seus crimes.
De acordo
com outros novos relatórios, as pessoas familiarizadas com o funcionamento do
tribunal dizem que ele nunca aceitou esse tipo de denúncia e que normalmente
age sobre as denúncias apresentadas por um país.
O Tribunal
Penal Internacional foi estabelecido como resultado de um tratado, chamado
de Estatuto de Roma, em 2002, como uma organização internacional
independente para lidar com graves crimes internacionais. A ideia para um
tribunal independente e permanente cresceu a partir dos tribunais temporários
que visavam a ouvir os casos de Ruanda e da ex-Iugoslávia. O
tratado original estabelecendo as bases para o tribunal foi assinado em Roma em
1998 por 120 países. Um total de 60 países ratificaram o acordo. Nem os Estados
Unidos, nem o Vaticano fazem parte do tratado.
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