[IHU]
19/9/2011
Pode-se
dizer que o Papa Bento XVI tentou de tudo para trazer de volta os
integralistas cismáticos ao seio da Igreja Católica Romana. As propostas
que o Vaticano colocou sobre a mesa durante o encontro,
organizado na quarta-feira, 14 de setembro, entre o cardeal William Levada,
prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, e Dom Bernard
Fellay, chefe dos lefebvrianos, são sem dúvida uma das últimas ocasiões
para se resolver, pelo menos na forma, o cisma que divide a Igreja Católica
há 23 anos.
A reportagem
é de Stéphanie Le Bars, publicada no jornal Le Monde, 16-09-2011.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ao término
de dois anos de discussão e depois de duas concessões pactuadas com movimento
integralista (revogação da excomunhão aos seus quatro bispos em 2009 e
liberação da missa em latim [pré-conciliar de Pio V] em 2007), o
Vaticano submeteu, na quarta-feira, ao movimento integralista um
"preâmbulo doutrinal". A aceitação desse documento por parte da Fraternidade
São Pio X é um pré-requisito para uma futura reintegração na Igreja dos
seus 500 padres e de algumas dezenas de milhares de fiéis. Assim, poderia ser
obtido o estatuto canônico de "prelazia pessoal". Como a do Opus
Dei, cujo superior deve prestar contas apenas ao papa.
A proposta
surge enquanto continuam de pé todos os pontos de desacordo sobre a avaliação
do Concílio Vaticano II, sempre denunciado pelos integralistas. Eles rejeitam
com virulência o diálogo inter-religioso e ecumênico, a colegialidade dos
bispos, a liberdade religiosa e a liturgia pós-conciliar. Apenas dois dias
antes do encontro de Roma, responsáveis franceses da Fraternidade
definiam como um "escândalo", uma "blasfêmia" e um
"pecado" a organização do encontro inter-religioso de Assis,
no dia 27 de outubro, pelo papa.
O teor
preciso do "preâmbulodoutrinal" ainda é confidencial. Tudo dependerá
da amplitude que o Vaticano deixe às críticas e às contestações que estão na
base da própria existência do movimento integralista. O Vaticano indicou que o
texto "enuncia alguns princípios doutrinais e critérios de interpretação
da doutrina católica necessários para garantir a fidelidade ao magistério da
Igreja". Mas acrescenta que são deixados "abertos a uma legítima
discussão o estudo e a explicação teológica de expressões e formulações
particulares presentes nos textos do Concílio Vaticano II e do magistério
posterior".
Essa frase
já provoca uma certa apreensão nos padres e nos fiéis ligados ao Concílio, que
temem que os pontos antes considerados "inegociáveis" acabem sendo
postos em discussão. Porque, se certamente existe a possibilidade de
interpretar as mudanças trazidas pelo Concílio Vaticano II, é preciso
que os integralistas aceitem sobretudo a sua legitimidade e assumam uma lógica
de "discussão" em vez de uma lógica de denúncia e de rejeição total.
A tratativa
está em suas mãos. Dom Fellay tem alguns meses para responder.
"Hoje, devo reconhecer objetivamente que não encontro, no preâmbulo
doutrinal, uma distinção clara entre o campo dogmático intangível e o campo
pastoral submetido à discussão", afirmou, sugerindo a existência de uma
certa imprecisão no documento elaborado por Roma.
Até o
momento, é difícil saber qual será a opção escolhida pela Fraternidade São
Pio X. Se ela rejeitar a oferta do Vaticano, o papa corre o risco de perder
em várias frentes. Bento XVI, que fez da reabsorção do cisma um problema
quase pessoal – não conseguiu impedi-lo por pouco em 1988 –, deixará ao seu
sucessor uma Igreja ainda dividida. Ao mesmo tempo, os seus gestos em direção
aos integralistas, considerados muito generoso por inúmeros católicos,
confirmarão a imagem de um papa mais aberto às contestações tradicionalistas e
virulentas do que às reivindicações reformadoras (o fim do celibato dos padres,
a ordenação de mulheres...).
Se o
intransigente Dom Fellay, convencido por uma parte dos seus fiéis que
desejam a reintegração na Igreja, aceitar o preâmbulo, o papa terá que arcar
com as suas consequências e as potenciais tensões dentro da Igreja.
"Não se
tratará de uma verdadeira reintegração, mas, a princípio, de uma unidade de
fachada, com a constituição de uma Igreja polinuclear", afirma o
historiador Philippe Levillain, autor de Rome n'est plus dans
Rome. Mgr Lefebvre et son Eglise (Ed. Perrin, 2010). "Mas o papa
faz uma aposta para o futuro".
O acordo
também pode provocar um cisma dentro do movimento. "Nesse caso – destaca Nicolas
Senez, jornalista e autor de La Crise intégriste (Ed. Bayard,
2008) –, o cisma atual não será resolvido. Se só um dos quatro bispos
permanecer fora da Igreja, ele pode ordenar novos padre e perpetuar o
movimento".
Por último,
em todo o caso, a situação de Dom Richard Williamson, condenado por
afirmações negacionistas, corre o risco de causar problemas.
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