Do blog [avidasacerdotal]
14 Oct 2011
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Garrigou-Lagrange, O. P. |
Por Garrigou-Lagrange, O. P.
É sobretudo Isaías que, em sua grande profecia, descreve a natividade do
Messias, seus atributos divinos, seu reino universal, seu sacrifício
que salva todos os povos e seu triunfo.
Inicialmente, a natividade: "Pois por isso o mesmo Senhor vos dará este
sinal: uma Virgem conceberá e dará à luz um filho e o seu nome será
Emmanuel (VII, 14). Este texto isolado já seria surpreendente, mas ainda
permanece obscuro. Trata-se de que Virgem? Isso torna-se mais preciso
quando o nome Emmanuel é explicitamente determinado no capítulo seguinte
(VIII, 8, 10) onde Emmanuel designa o Senhor, o Messias, "Deus
conosco". Também o evangelista S. Mateus (I, 23) e com ele toda a
tradição católica, entende por Virgem, neste texto de Isaías, a Virgem
Maria e por Emmanuel, o Verbo encarnado, o Filho de Deus feito homem,
verdadeiramente Deus conosco [1]. São Mateus, I, 21, mostrará como a
revelação feita a José antes do nascimento de Jesus é a coroação da
profecia de que falamos: "O anjo do Senhor apareceu em sonhos a José
dizendo: "José, filho de Davi, não temas receber Maria como tua esposa,
porque o que nela foi concebido é (obra) do Espírito Santo. E dará à luz
um filho ao qual porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo
dos seus pecados. Ora, acrescenta São Mateus, tudo isto aconteceu para
que se cumprisse o que o Senhor havia dito pelo Profeta: "Uma virgem
conceberá e dará à luz um filho e ele será chamado Emmanuel", isto é,
observa S. Mateus, "Deus conosco".
As funções do Messias são descritas a partir do capítulo IX, 6:
"Porquanto um menino nasceu para nós e um filho nos foi dado e foi posto
o principado sobre seu ombro; e será chamado Admirável, Conselheiro,
Deus forte, Pai do século futuro, Príncipe da Paz". Nada de maior pode
ser anunciado; estas palavras, Deus forte, significam claramente que
nessa criança que virá ao mundo residirá a plenitude das forças divinas.
Muito poucos compreenderam seu sentido quando foram escritas. Vemos que
elas já exprimem a devoção do Prólogo do Evangelho de São João: "No
princípio era o Verbo, e o Verbo estava em Deus e o Verbo era Deus... E o
Verbo se fez carne e habitou entre nós".
No capítulo XI, 1, está dito: "E sairá uma vara do tronco de Jessé (pai
de Davi) e uma flor brotará de sua raiz. E repousará sobre ele o
Espírito do Senhor, espírito de sabedoria e de entendimento, espírito de
conselho e de fortaleza; espírito de ciência e de piedade [2] e será
cheio do espírito de temor do Senhor... Julgará os pobres com justiça, e
tomará com equidade a defesa dos humildes da terra". É a enumeração dos
dons do Espírito Santo que o Messias receberá eminentemente, e os
justos por participação.
Seu reino universal é anunciado, XVI, 5; XVIII, 7; XXIV - XXVII; e
também seu caráter de pedra angular, XXVIII, 16: "Portanto essas coisas
diz o Senhor Deus: Eis que colocarei nos fundamentos da (nova) Sião uma
pedra, uma pedra escolhida, angular, preciosa, assentada em
(solidíssimo) fundamento; aquele que crer, não se apresse". São Pedro
depois de Pentecostes dirá aos membros do sinédrio: "esse Jesus (em nome
de quem esse homem foi curado) é a pedra que foi rejeitada por vós que
edificais, a qual foi posta por (pedra) fundamental do ângulo; e não há
salvação em nenhum outro. Porque, sob o céu, nenhum outro nome foi dado
aos homens, pelo qual nós devamos ser salvos". (Atos IV, 11). Essa pedra
angular, tinha dito Isaías VIII, 14, "será também pedra de tropeço
(...); muitos tropeçarão e cairão e serão feitos em pedaços". São Paulo
lembra isso na Epístola aos Romanos, IX, 32, e acrescenta: "mas aquele
que crê n'Ele não será confundido". E assim: Ef. II, 20; I Ped II, 4.
Isaías anuncia, XXXV, 4..., que o próprio Deus virá: "eis vosso Deus...
Ele mesmo virá e vos salvará. Então se abrirão os olhos dos cegos, e se
desimpedirão os ouvidos dos surdos. Então saltará o coxo como um veado, e
desatar-se-á a língua dos mudos... E haverá ali uma vereda e um
caminho, que se chamará santo; não passará por ele o impuro, e este
(caminho) será para vós um caminho direto, de sorte que andem por ele os
próprios loucos sem se perderem... E os remidos pelo Senhor voltarão e
virão a Sião cantando os seus louvores; e uma alegria eterna coroará a
sua cabeça."
A salvação messiânica está de ordinário associada pelos profetas à
suprema aparição de Deus sobre a terra (Isaías, VII, 14; XL, 5;
Malaquias III, 1).
As virtudes e obras do servo de Deus são claramente preditas, XLII, 1-9:
"Eis o meu servo, eu o amparei; o meu escolhido, no qual a minha alma
pôs a sua complacência; sobre ele derramei o meu espírito; ele espalhará
a justiça entre as nações. (Sendo manso) não clamará, nem fará acepção
de pessoas, nem a sua voz se ouvirá nas ruas. Não quebrará a cana
rachada, nem apagará a mecha que ainda fumega; fará justiça conforme a
verdade. Não será triste, nem turbulento, até que estabeleça a justiça
sobre a terra... Eis o que diz o Senhor Deus, que criou os céus, e que
os estendeu... Eu sou o Senhor, que te chamei na justiça... e te pus
para seres reconciliação do povo, e a luz das nações; para abrires os
olhos dos cegos e para tirares da cadeia o preso, e do cárcere os que
estão sentados nas trevas. Eu sou o Senhor, este é o meu nome; eu não
darei a outro a minha glória, nem consentirei que se tribute aos ídolos o
louvor que só a mim pertence". XLIII, 1: "Não temas, ó Israel, porque
eu te remi... Quando tu passares por entre as águas (dos perigos) eu
estarei contigo, e os rios não te submergirão; quando andares por entre o
fogo, não serás queimado, e a chama não arderá em ti. Porque eu sou o
Senhor teu Deus, o Santo de Israel, teu Salvador".
"O servo de Deus" segundo alguns racionalistas significa o povo de
Israel todo; mas hoje a maior parte dos críticos e todos os exegetas
católicos observam que nessa profecia, XLII, 1-9, o servo de Deus é
claramente distinto do povo de Israel; é uma pessoa real, distinta da
massa da nação, da qual se diz: "Ele não quebrará a cana rachada, nem
apagará a mecha que ainda fumega; fará justiça conforme a verdade". E o
próprio Jesus, como conta S. Mateus, XII, 17, pedindo aos apóstolos que
não divulgassem seus milagres, para não excitar o gosto pelo
extraordinário, aplicará a si mesmo essa profecia.
Isaías insiste muito no sacrifício do Salvador; ele o descreve,
precisando vários detalhes que serão realizados ao pé da letra durante a
Paixão de Jesus: L, 6: "Eu entreguei o meu corpo aos que me feriram, e a
minha face aos que me arrancavam a barba; não desviei a minha face dos
que me injuriavam e cuspiam. O Senhor Deus é o meu protetor, por isso
não fui confundido... e sei que não ficarei envergonhado." LII, 13,
LIII: "Eis que o meu servo procederá com inteligência, será exaltado e
elevado e chegará ao cúmulo da glória. Assim como pasmaram muitos à
vista de ti, assim será sem glória o seu aspecto entre os homens, e a
sua figura desprezível entre os filhos dos homens... ele não tem beleza,
nem formosura, e vimo-lo, e não tinha aparência do que era, e por isso
não fizemos caso dele. Ele era desprezado, e o último dos homens, um
homem de dores, e experimentado nos sofrimentos; e o seu rosto estava
encoberto; era desprezado e por isso nenhum caso fizeram dele.
Verdadeiramente ele foi o que tomou sobre si as nossas fraquezas (e
pecados), e ele mesmo carregou com as nossas dores; e nós o reputamos
como um leproso, e como um homem ferido por Deus e humilhado [3]. Mas
foi ferido por causa das nossas iniqüidades, foi despedaçado por causa
dos nossos crimes; o castigo que nos devia trazer a paz caiu sobre ele, e
nós fomos sarados com as suas pisaduras. Todos nós andamos desgarrados
como ovelhas, cada um se extraviou por seu caminho; e o Senhor carregou
sobre ele a iniqüidade de todos nós."
Aí está o mistério da Redenção predito no que tem de essencial, e com
vários detalhes: LIII, 7: "Foi oferecido (em sacrifício) porque ele
mesmo quis, e não abriu a sua boca; como uma ovelha que é levada ao
matadouro, e como um cordeiro diante do que o tosquia, guardou silêncio e
não abriu sequer a boca. Ele foi tirado pela angústia e pelo juízo.
Quem contará a sua geração? Porque ele foi cortado da terra dos
viventes; eu o feri por causa da maldade do meu povo". Nem mesmo os
Apóstolos, exceto São João, compreenderão no momento da Paixão e da
morte do Salvador, que é por nossa salvação que Ele se oferecia e morria
daquele modo sobre a Cruz.
Essa profecia é de tal maneira surpreendente que é chamada "Paixão segundo Isaías", a Paixão redentora no que ela tem de mais profundo, em seu motivo supremo de Misericórdia e Justiça, a Paixão vislumbrada antecipadamente no que ela tem de mais íntimo, no que aparecerá em certa medida a Maria ao pé da Cruz, a São João, às santas mulheres, ao bom ladrão, ao centurião; a Paixão, fonte infinita de graças, predita no que permanecerá escondido para a maior parte do que verão Jesus morrer em Sua Cruz.
Essa profecia é de tal maneira surpreendente que é chamada "Paixão segundo Isaías", a Paixão redentora no que ela tem de mais profundo, em seu motivo supremo de Misericórdia e Justiça, a Paixão vislumbrada antecipadamente no que ela tem de mais íntimo, no que aparecerá em certa medida a Maria ao pé da Cruz, a São João, às santas mulheres, ao bom ladrão, ao centurião; a Paixão, fonte infinita de graças, predita no que permanecerá escondido para a maior parte do que verão Jesus morrer em Sua Cruz.
Enfim Isaías, após as humilhações e sofrimentos do Messias, descreve seu
triunfo e a conversão de muitos. LIII, 10: "E o Senhor quis consumi-lo
com sofrimentos, mas quando tiver oferecido a sua vida pelo pecado, verá
uma descendência perdurável, e a vontade do Senhor (isto é, a conversão
dos povos e o estabelecimento do reino de Deus no mundo) prosperará nas
suas mãos... Este meu servo justificará muitos... porque entregou a sua
vida à morte, e foi posto no número dos malfeitores, e tomou sobre si
os pecados de muitos e intercedeu pelos pecadores". São Paulo escreverá
aos Hebreus, VII, 25, depois da Ressurreição e da Ascensão: "Por isso
pode salvar perpetuamente os que por ele mesmo se aproximam de Deus,
vivendo sempre para interceder por nós".
A profecia de Isaías se encerra com a descrição da glória da nova
Jerusalém, que por sua luz atrai as nações, com o quadro de sua
santidade e de seu esplendor. LV, 1, 5: "Todos vós que tendes sede,
vinde às águas (...) os povos que não te conheciam correrão a ti por
amor do Senhor teu Deus, e do Santo de Israel, que te glorificou. Buscai
o Senhor, enquanto se pode encontrar; invocai-o, enquanto está perto.
Deixe o ímpio o seu caminho... porque Ele é muito generoso para perdoar.
Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos; nem os vossos
caminhos são os meus caminhos, diz o Senhor. Porque, quanto os céu
estão elevados acima da terra, assim se acham elevados os meus caminhos
acima dos vossos caminhos, e os meus pensamentos acima dos vossos
pensamentos." — LX, 1-3: "Levanta-te, recebe a luz, Jerusalém, porque
chegou a tua luz, e a glória do Senhor nasceu sobre ti. Porque eis que
as trevas cobrirão a terra, e a escuridão os povos; mas sobre ti nascerá
o Senhor, e a sua glória se verá em ti. E as nações caminharão à tua
luz, e os reis ao esplendor da tua aurora". — Isaías entrevê até a
Jerusalém celeste: LX, 19-20: "Tu não terás mais (necessidade do) sol
para luzir de dia...o Senhor te servirá de luz eterna, e o teu Deus será
a tua glória. Não mais se porá o teu sol... porque o Senhor te servirá
de luz eterna, e terão acabado os dias do teu pranto." Esses textos
prevêem o que Nosso Senhor chamará tão freqüentemente de "vida eterna".
Como diz o P. Condamin, S.J., Le livre d'Isaie, p. 361: "Nesse magnífico
poema, Jerusalém é representada como o centro do reino universal,
estendendo-se a todas as nações: religioso, onde tudo converge para o
culto de Javé, composto de justos e de santos; eterno (55,3; 60, 15, 19,
20; 61,8). Os teólogos têm razão de ver a realização dessas promessas
na Igreja fundada por Jesus Cristo, já que o Servido de Javé é Jesus
Cristo, e a numerosa posteridade do Servidor, as multidões de homens que
lhe são dadas como prêmio de seus sofrimentos e de sua morte devem
povoar a nova Jerusalém 53, 10-12; 54, 1-3)."
Isaías é incontestavelmente o maior dos profetas, pela importância de
suas revelações e o poder de seu estilo. Ele viveu numa época das mais
conturbadas da história de Israel, que teve então muito que sofrer dos
Assírios [4]. Como diz o Eclesiastes, XLVIII, 27, 28: "Isaías consolou
os que choravam em Sião; Até ao fim dos séculos mostrou o que devia
acontecer, e as coisas ocultas antes que acontecessem." O estilo de
Isaías é ao mesmo tempo simples e sublime, de perfeita naturalidade,
enorme nobreza e brilho excepcional. Suas frases são concisas,
penetrantes e dão relevo aos pontos principais, para dissipar as ilusões
e fortemente chamar a atenção para o reino de Deus, para fazer
pressentir a grandeza do Messias e a majestade da glória divina. Isaías
também é dotado de um verdadeiro gênio poético; o poder de sua
imaginação não é menor do que a grandeza das idéias que ele tem a
exprimir. Esse gênio poético aparece em particular nos contrastes e
antíteses de suas predições. Em sua obra, as profecias propriamente
ditas estão sempre em estilo poético, uma parte em verso e versos de
grande beleza. É a inspiração no sentido mais alto e inteiramente
sobrenatural da palavra.
(extr. de "Le Sauveur et son amour por nous", Ed. Cèdre, Paris, 1952,
pág. 66. trad. Maria Tereza H. F. Costa, PERMANÊNCIA, Mar.-Abr. 1987)
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