segunda-feira, 3 de outubro de 2011

''A congregação ocultou informações sobre o fundador dos Legionários de Cristo''


[IHU]


3/10/2011  

Jesús Colina, fundador e diretor da agência católica de informação Zenit, comunicou sua renúncia a pedido do Conselho Diretor da agência diante da decisão dos Legionários de Cristo de dar uma identidade mais institucional a esse projeto editorial.
A Zenit, criada há 14 anos como uma agência independente que busca informar sobre “o mundo visto de Roma”, converteu-se em um ponto de referência na internet, com edições diárias em sete idiomas.
Colina foi nomeado por Bento XVI consultor do Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, e recebeu o prêmio da Fundação Path to Peace da Santa Sé na ONU.
Em uma entrevista exclusiva concedida à ACI Prensa, Colina explicou os detalhes desta situação.
A entrevista está publicada no sítio ACI Prensa, 29-09-2011. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.

Quais são os motivos de sua renúncia?
O atual presidente do Conselho da Zenit, o sacerdote dos Legionários de Cristo Óscar Náder, me pediu este passo por considerar que a minha pessoa, ligada a várias iniciativas católicas de comunicação, não oferece uma ideia clara da identidade institucional da agência Zenit que, a partir de agora, quer comunicar a congregação dos Legionários de Cristo.
Como se explica esta decisão?
Bom, na realidade creio que esta decisão constitui o fim de um caminho de perda de confiança mútua iniciada já há alguns anos. A maneira como os Legionários de Cristo ocultaram as informações sobre o padre Marcial Maciel, descobertas a conta-gotas pela imprensa, faz com que se quebrasse a confiança nesta instituição por parte de um diretor de agência de notícias.
Eu compreendo a dificuldade em que se encontraram os superiores dos Legionários de Cristo. Agora, em declarações públicas eles informaram que tinham provas das diferentes vidas do padre Maciel anos antes da sua morte. Entretanto, apesar do comunicado emitido pela Santa Sé em 2006, inclusive na sua morte e depois, continuaram a apresentá-lo como um exemplo de vida.
Os superiores me convidaram para a missa de 30º dia de falecimento celebrada na capela do Centro de Estudos Superiores dos Legionários de Cristo. Na homilia se apresentou para centenas de religiosos o padre Maciel como um exemplo de vida a ser seguido.
Isto é particularmente grave, pois uma coisa é evitar o escândalo ao informar sobre os crimes ou sobre a dupla vida (embora fosse preciso dizer tripla ou quádrupla) do padre Maciel, e outra muito diferente é continuar mantendo esse mito de santidade que a congregação havia promovido durante a sua vida.
Além disso, dado que se passaram anos desde o comunicado do Vaticano no qual se pedia ao padre Maciel retirar-se da vida pública e o reconhecimento público de suas mentiras e crimes, difundiu-se entre os religiosos e pessoas próximas aos legionários a impressão de que o Papa o havia castigado injustamente.
Isto para mim é gravíssimo, sobretudo, se se tem em conta tudo o que este Papa fez pela congregação.
Mas, dado que na realidade são os Legionários que pediram sua renúncia, tudo dá a entender que eles também perderam a confiança em você.
Sim, sem dúvida, a confiança é um sentimento que tem uma dupla direção, não pode ser unidirecional. Nos dois últimos anos, tudo o que a congregação viveu gerou tensões. Há dois anos a redação da Zenit pediu ao Conselho de Administração total separação e transparência como garantia de independência diante de qualquer acusação. A Zenit é uma agência que se mantém com doações de seus leitores e deve poder explicar por que mãos passa cada dólar.
Apesar de que o Conselho tenha prometido um sistema assim, na prática não se tornou realidade. Eu estou convencido moralmente de que o dinheiro que veio dos leitores sempre foi destinado totalmente à Zenit. Contudo, formal e administrativamente, não posso comprovar.
Como se pode compreender, minhas contínuas queixas diante desta situação levaram a que os superiores dos Legionários também perdessem a confiança em mim. Esta confiança se quebrou totalmente quando, para resolver estas questões e oferecer um futuro editorial e uma maior representatividade eclesial, propus a entrada de outras realidades católicas no Conselho da Zenit. Esta proposta não apenas não foi ouvida, como precipitou a minha demissão.
Você conheceu bem o padre Maciel, inclusive publicou um livro-entrevista. Sabia algo de sua vida privada?
Como a imensa maioria das pessoas que o conheceram, inclusive João Paulo II, nunca teria podido imaginar que fosse culpado dos crimes que agora foram comprovados. Nos encontros que tive com ele, sempre acreditei que me encontrava diante de um autêntico sacerdote.
Este é o “enigma” do padre Maciel de que fala Bento XVI em seu livro. Não tive nunca dúvidas sobre ele até que o Vaticano publicou o comunicado no qual o convidava para se retirar para uma vida de oração e penitência.
A trajetória de sua biografia e o impressionante crescimento das obras que fundou, me levavam a crer que na origem devia estar uma autenticidade cristã. Havia alguns detalhes que em ocasiões poderiam surpreender, como por exemplo, um certo gosto pela aparência, mas eu atribuía isso à sua origem cultural. Como tantas outras pessoas eu também vivi o choque ao descobrir a mentira em uma pessoa que nos era apresentada como modelo de vida.
Há 20 anos que trabalha como correspondente em Roma e 14 desde que começou na Zenit. Que balanço você faz?
O caso Maciel e suas compreensíveis trágicas consequências não apagam a aventura humana, espiritual e profissional que vivem aqueles que têm a sorte de dedicar sua vida a cobrir informativamente a vida do Papa e da Santa Sé.
Como jornalista você vê as fragilidades humanas, mas também vê muita santidade, uma imensa obra de caridade a serviço dos mais necessitados. Pude conhecer João Paulo II e agora Bento XVI: dois personagens e um porte espiritual e intelectual surpreendente.
Toda esta profundidade e santidade não pode ficar ofuscada pelas mentiras do padre Maciel. Sinceramente, conheço muitos sacerdotes e seminaristas dos Legionários de Cristo e considero que são autênticos cristãos, mártires em certo sentido da realidade que estão enfrentando com tanto amor a Cristo e à Igreja.

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