[unisinos]
30/10/2011
Com Assis 2011, o espírito de paz entre as religiões
continua o seu caminho, enquanto há antigas e novas formas de violência com as
quais é preciso lidar. Talvez haja um mundo novo para se entender, bastante
diferente daquele de 25 anos atrás.
A opinião é de Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de
Santo Egídio, em artigo para o jornal Corriere della Sera,
29-10-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Não é habitual que um papa volte a um lugar para comemorar um ato do seu
antecessor. Mas, na quinta-feira, 27, com vários líderes religiosos, Bento
XVI foi até Assis para recordar a Jornada Mundial de Oração pela
Paz, desejada por João Paulo II no dia 27 de outubro de 1986.
De fato, aquela jornada foi um evento histórico durante a Guerra Fria,
quando expoentes do Patriarcado de Moscou, muçulmanos, o rabino Toaff
e muitos outros se reuniram: se reuniram para "rezar não mais uns contra
os outros – disse o Papa Wojtyla – mas uns ao lado dos outros".
Então, não se falou muito (só o papa tomou a palavra sinteticamente), mas houve
muito silêncio. A imagem dos líderes religiosos, um ao lado do outro com o papa
entre eles, continua sendo uma das grandes fotos do século.
De onde veio a ideia? O Papa Wojtyla estava preocupado com a paz
no crepúsculo da Guerra Fria. Não apreciava que a luta pela paz
estivesse principalmente nas mãos do Leste e das esquerdas. Ele estava
convencido de que o fundamento religioso da paz devia ser buscado novamente nas
religiões. No entanto, a cultura pública do Ocidente as considerava como
fenômenos residuais. O avanço da modernidade as varreria ou confinaria ao
âmbito privado. O papa, ao contrário, estava consciente da sua vitalidade.
Lutava contra o declínio prognosticado do cristianismo. Em 1979, o imã Khomeini
havia retornado ao Irã, mostrando a força do Islã. Eram tempos daquela que Gilles Kepel chamaria de "revanche de
Dieu".
João Paulo II intuía
que as religiões, excedendo-se no fundamentalismo, fomentariam guerras e
cultura do conflito. Ele havia medido a força das religiões que a cultura
ocidental da época subestimava amplamente, tomada como estava pelo paradigma:
mais modernidade, menos religião. No encontro de 2011, Bento XVI pode
positivamente registrar a significativa inversão desse paradigma em 25 anos:
agora, os humanistas participam da Jornada de Assis. Não existe mais o
ateísmo Estado, e a religião é uma realidade com a qual todos (crentes ou não
crentes) acertam as contas na vida social e internacional.
O Papa Wojtyla, em 1986, retomou os fios do diálogo
inter-religioso, iniciado depois do Concílio (que tinha sofrido reveses
com o Islã), na perspectiva da unidade dos povos e da paz. João Paulo II
foi criativo e poético em Assis. De lá, ele queria que partisse um
movimento das religiões: "A paz é um canteiro aberto a todos – disse – e
não apenas aos especialistas, aos sábios e aos estrategistas".
O mundo franciscano e a Comunidade de Santo Egídio se
encarregaram dessa dimensão. Houve a oposição dos lefebvrianos, para os quais
Assis era uma liquidação da verdade católica. Mas o Papa Wojtyla
retornou sucessivamente a Assis em momentos difíceis: em 1993, por causa
da Iugoslávia; em 2002, depois dos atentados nos Estados Unidos.
Então, ele mostrou não compartilhar a cultura do conflito e tomou posição
contra o terrorismo global. O desafio referia-se a todas as religiões, mas em
particular ao Islã.
Bento XVI, em
2006, falou de Assis 1986 como de "uma profecia pontual".
Vários boatos corriam sobre a oposição ao encontro por parte do cardeal
Ratzinger, que contribuíram para criar o mito do cardeal intransigente e do
papa aberto. Em 2002, lembro o cardeal partícipe e satisfeito com a Jornada
de Oração. A intenção de Assis não era "negociar as nossas convicções
de fé" – dissera João Paulo II.
Agora, Bento XVI voltou a Assis, convencido da atualidade
do diálogo em um mundo globalizado, em que a convivência cotidiana é
atravessada pelas tensões do pluralismo religioso e étnico. A sua linha se move
entre duas posições que parecem ser atraentes: as paixões fundamentalistas e o
relativismo cosmopolita. O fundamentalismo oferece o calor de uma paixão total.
O relativismo é impregnado de sabor de modernidade. Se tantos líderes
religiosos vão a Assis com o papa, isso significa, porém, que esse ideal fez o
seu caminho nos corações e nas culturas.
Bento XVI,
chamando os religiosos ao compromisso contra a violência, apontou para um novo
tipo de violência que cresce entre "os grandes que fazem os seus negócios,
e depois tantos seduzidos e arruinados, quer no corpo, quer na alma". É
"a adoração do dinheiro, do ter e do poder" em um mundo que nega a
Deus.
Andrea di Creta, poeta litúrgico oriental, afirmou ao descrever essa condição:
"Ídolo de mim mesmo me tornei". É a nova violência generalizada nas
sociedades da globalização, subterrânea, mas às vezes irrefreável. Com Assis
2011, o espírito de paz entre as religiões continua o seu caminho, enquanto
há antigas e novas formas de violência com as quais é preciso lidar. Talvez
haja um mundo novo para se entender, bastante diferente daquele de 25 anos
atrás.
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