[unisinos]
25/10/2011
Médica, teóloga e monja de clausura. A beneditina do mosteiro de St. Benet de Montserrat Teresa Forcades, entretanto, é conhecida em todo o mundo. Um vídeo no YouTube contra as multinacionais e a armação da gripe A, catapultou-a para a fama.
Entrevistei-a em Madri, no dia 7 de outubro, por ocasião da apresentação do seu livro A teologia feminista na História. Irmã Teresa afirma que a situação de marginalização da mulher na Igreja é “um escândalo” e que “nenhum Papa se atreveu a proibir ex-cathedra o sacerdócio feminino”. Mas também reconhece que é na Igreja e em seu mosteiro onde se sente mais respeitada como mulher.
A entrevista foi concedida à José Manuel Vidal e publicada pelo Religión Digital, 23-10-2011. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Por que uma monja da clausura como você escreveu um livro sobre a ‘Teologia feminista na História’?
O livro foi uma proposta da editora Fragmenta. E propuseram porque sabiam que me formei com a teóloga Elizabeth Schüssler Fiorenza. Conheci-a em Barcelona em 1992, antes das Olimpíadas. Eu iria estudar nos Estados Unidos, especializar-me em medicina. Ela vinha de Harvard e fez uma conferência. Uma conferência na qual se rompeu a comunicação porque a tradutora que sabia muito inglês, não sabia nada de teologia. Ajudei na tradução do inglês para o catalão e se salvou a situação. Elizabeth ficou encantada e me convidou a visitá-la em Harvard. Ao final, foi ela que acabou vindo a Buffalo, no norte do Estado de Nova York, onde estava em meu hospital, para dar outra conferência.
E foi novamente a tradutora espontânea?
Fui a sua conferência, onde não precisei traduzir, e voltamos a nos encontrar. E, como consequência, comecei a traduzir um dos seus livros ao catalão, seu livro de hermenêutica bíblica feminista. Gostei muito do livro e o traduzi para aprofundar o conteúdo. Quando acabei a tradução, fui conversar algumas vezes com Schüssler Fiorenza, para falar de minhas dúvidas e reflexões. Ela, à vista de como recebeu, entendeu e processou o seu livro, animou-me a estudar Teologia e escreveu uma carta recomendando-me estudar em Harvard.
Um percurso que a editora conhecia.
Efetivamente, além disso, havia dado umas conferências sobre teologia feminista em Barcelona. E quando a editora lançou essa coleção de livros breves, introdutórios, que pudéssem servir de manual nas Universidades para introduzir uma disciplina teológica, me pediram o livro que eu aceitei como muito gosto.
Com teóloga feminista lhe magoa especialmenta a atual situação da mulher na Igreja?
A situação da mulher na Igreja tem uma história complexa que inclui tanto a discriminação quanto a promoção. A discriminação magoa qualquer pessoa que seja a favor da justiça e que compreenda que o Evangelho implica crescimento humano em todos os níveis. No Evangelho, se aprende também o realismo de saber que quando uma pessoa tenta viver a mensagem de Jesus, fica à margem. Nesse sentido, a situação das mulheres é testemunho de que há verdades cujo lugar estará sempre à margem até a escatologia final.
Ou seja, que você se sente preparada para continuar na margem ou na fronteira e sem aspirar ao altar.
A dinâmica da margem evangélica consiste, a meu juízo, na promoção da justiça em todos os níveis, mas com o realismo de saber que, quando se consegue um passo a frente, se gera um processo no qual aquele que não quer ficar acomodado continuará encontrando razões para continuar caminhando até as margens. Daí minha defesa teológica das margens.
E a proibição da presença feminina no altar?
A conclusão da comissão bíblica pontifícia, a que Paulo VI pediu que estudasse o tema, foi de que não há razão bíblica alguma para privar o acesso das mulheres ao ministério ordenado. Isso foi no ano de 1976. Em 1974, realizaram-se as primeiras ordenações de mulheres na Igreja episcopaliana. Paulo VI percebeu que iria se produzir a mesma demanda na Igreja Católica e, por isso, pediu para a comissão pontifícia que estudasse o tema.
O que diz de concreto o documento da comissão pontifícia?
Assegura que nas Escrituras não há nada contra. Depois de conhecer as conclusões da comissão, Paulo VI publicou um motu proprio no qual considerava que não se devia ordenar mulheres na Igreja Católica.
Mais a frente veio a tentativa de fechamento definitivo da questão por parte de João Paulo II.
Sim, mas nenhum Papa se atreveu a proclamar essa proibição ex-cathedra.
Esta flagrante discriminação da mulher na Igreja é um escândalo?
Sim. Recomento a quem queira aprofundar esse tema o livro de Gary Macy A história oculta da ordenação das mulheres.
E como se vive essa situação num momento em que a sociedade civil avança na paridade de direitos?
Não gosto do esquema em que se coloca a sociedade civil na vanguarda e a Igreja na retaguarda em algo que deveria ser a pioneira. Entendo que a situação entre homem e mulher e a maneira de conceber o feminino e o masculino numa sociedade contemporânea ocidental deixa muito de ser satisfatória. O que mais me interessa debater teologicamente atualmente são as teorias de Lacan e de alguns pós-estruturalistas contemporâneos. Porque, no momento e reconhecendo que podem existir outras pessoas que tenham vivido experiência contrária, particularmente onde me senti mais respeitada em meu ser mulher é na Igreja e, em concreto, no meu mosteiro. Em comparação com outros lugares, como pode ser no hospital ou na Universidade, fico com o mosteiro, como espaço de liberdade e respeito. Em minha relação com os monges de Montserrat, por exemplo, descobri possibilidades de interação mais ricas do que em geral que vivi e observei entre homens e mulheres que são colegas no hospital ou na universidade.
Então, a Igreja não tão antifeminina como se diz.
Veja, é preciso começar a falar desse tema com verdade, porque, do contrário, parece que temos de um lado uma sociedade liberada, oásis ou meca para as mulheres e, por outro, a Igreja que é uma instituição de opressão e de desastre. Minha experiência diz o contrário. Porque, se assim não fosse, quem sabe eu já não estaria aqui.
Quer dizer que há um espaço de liberdade enorme dentro da Igreja apesar de tudo?
Sempre houve. O que acontece é que também é preciso denunciar que, entre os quadros de mando da Igreja há uma falta absoluta de representação das mulheres. E é esse o escândalo de que falamos.
Liberdade para as mulheres na Igreja-povo de Deus e falta de representatividade na sua hierarquia.
Temos que mudar essa noção de Igreja que olha primeiro para cima. Para falar da Igreja, temos primeiro que olhar para baixo. E embaixo encontramos fundadoras iniciativas que não tem correlato no mundo civil, ao menos até agora. Vamos ver o que acontece no século XXI.
Acusam-lhe de heresias, os setores mais conservadores e alguns sites. Tem medo?
Lembro da “perfeita alegria” de São Francisco e acredito que o essencial para um cristão é saber que quando todos te aplaudem, alguma coisa não vai bem. Desatar iras de certos setores, por outro lado, não é garantia de que as coisas vão bem, mas é um pouco melhor de quando todos te aplaudem.
A Igreja hierárquica espanhola está muito fechada em si mesma e exerce um excessivo controle?
Está claro que, desde o Vaticano II, houve uma involução. E, na igreja espanhola se pode constatar que o medo existe e que há falta de liberdade para falar com vozes diferentes que é o que acontece quando as pessoas falam a partir de sua experiência. Essa uniformidade de expressão é muito preocupante.
Falta pluralismo na Igreja espanhola. Ou dito de outra forma, são capazes os bispos espanhóis de assumir que há diferentes modelos ou diferentes sensibilidades eclesiais e que todas são válidas?
Há muitos bispos que são capazes. O problema é que não é apenas questão de aceitar isso, mas sim de vivê-lo. Os bispos tem o dever-direito de exercer sua responsabilidade pastoral de acordo com sua propria consciência, não podem simplesmente suprir seu critério com o critério que vem desde cima. Nesse sentido, o bispo não apenas aceita a pluralidade, mas também se converte em gerador da mesma e a vive.
Você é religiosa beneditina. A vida religiosa tem futuro ou terminou o seu tempo. Como a vê?
A vejo muito bem. A vida religiosa tem mudado ao longo da história e apenas terá futuro se continuar mudando. A mudança é inerente à vida religiosa e apenas quem não muda tende a desaparecer. As beneditinas estão acabando, mas esses espaços de comunidade de pessoas que entendem que suas vidas não se plenificam em uma vida de casal, sem a relação de comunidade sempre existirão. Porque, além disso, são pessoas que dão testemunho de que esse é o modelo para todos no mundo escatológico.
A vida religiosa como antecipação da vida celestial.
Esta é a antropologia cristã. A vida de casal é sacramento do mesmo amor de Deus, mas é de uma forma temporal. A vida de comunidade é de forma escatológica, porque Deus nos chama a ser pessoas que compreendam que a relação com toda humanidade, com todas e todos aqueles criados a imagem de Deus, é uma relação de amor absoluto, uma relação de dar e receber como a da Trindade. Esta vida de comunhão trinitária é que a utopia cristã nos propõe.
Mas isso também se pode viver no matrimônio: estar aberto a todos e amar a todos.
Claro, mas o matrimônio é até que a morte nos separe. E por isso dizia Jesus: “Não compreendem”. Porque, no céu, as pessoas não se casam.
Seu vídeo de 2009, denunciando a montagem da famosa gripe A, teve tanta repercussão porque desmontava a superficialidade na qual se movem os grandes poderes da informação num mundo globalizado?
É preciso ser claro na crítica a este desastre da sociedade contemporânea que é o aumento da desigualdade riqueza-pobreza nos últimos 50 anos. Esse é um escândalo muito maior que a injustiça com as mulheres na Igreja da que acabamos de falar, ainda que não haja muito sentido em comparar injustiças, porque cada uma é absoluta em si mesma. Há muito o que criticar na sociedade contemporânea, mas não como um slogan. Porque se é certo que existe essa superficialidade, também é fato de que, pela primeiva vez, há pessoas que realmente acreditam que não se deve esperar que a solução venha de cima.
É o que vemos nessa crescente indignação em todos os lugares, incluindo no mundo árabe?
Estou muito preocupada pelo o que está acontecendo na Líbia, na Síria. Ou pelo que possa vir acontecer no Irã. Especialmente a partir da perspectiva das grandes mentiras políticas. Já o fizeram duas vezes, mas parece que não aprendemos. Aconteceu no Iraque e depois lamentamos. E com Gadafi creio que aconteceu o mesmo. Mente-se para justificar a intervenção militar. Por que não intervimos na Arábia Saudita para liberar as mulhres se o fazemos no Afeganistão?
Gostaria que o Papa fosse à Somália num gesto profético que detivésse ou interrompesse a morte de tantas pessoas e tantas crianças inocentes?
Esse pode ser outro desses slogans de que desejaria afastar-me. Quem sabe agora, quando todo mundo está olhando a Somália, gostaria que o Papa fosse a outra parte. Porque os desastres proliferam. Por exemplo, o que está acontecendo no Sudão?
Os meios de comunicação nos enganam?
Tenho a impressão, confirmada no caso da gripe A, de que outro, dos maiores escândalos atuais é a falta de liberdade no mundo da informação. Há mais liberdade jornalísitca em Periodista Digital ou em Vida Nueva do que no El País ou no La Vanguardia.
Voltamos ao lugar de onde começamos: na Igreja se vive melhor.
Não gostaria de morder a língua na hora de criticar o condenável da Igreja, mas ninguém me peça que diga que na sociedade civil há maior liberdade de que na Igreja, porque não é certo. O que não quer dizer que a Igreja não tenha nada a aprender com a sociedade não eclesial. O que fez sempre.
Participou ou viu a JMJ? O que lhe parece esse tipo de evento?
Não vi muito. Participaram três irmãs mais jovens do mosteiro e voltaram muito contentes. O evento macroeclesial quem sabe seja um sinal dos tempos. Assisti na Venezuela a um desses eventos macro por motivo do aniversário de 90 anos da morte de monsenhor Romero e me pareceu algo extraordinário. O mesmo pode acontecer com as pessoas que foram ver o Papa. Esses grandes eventos eclesiais quem sabe sejam um sinal dos tempos de século XXI. O importante é o tipo de mensagem que com eles se transmite e como se utilizam esses espaços.
E como o utilizaram na JMJ?
Creio que houve um predomínio de articulações conservadoras ou de mensagens para os jovens no esquema nós/eles (Igreja/sociedade), mas também houve espaços onde se pode partilhar a fé com uma visão mais aberta.
Tem esperança no futuro da sociedade e da Igreja? É você uma mulher esperançosa?
Sim.
Por exemplo, poderemos ver uma mudança na Igreja a curto prazo?
Mais do que a curto prazo, hoje mesmo. Gostaria de ter sobre a realidade o olhar que Jesus nos pede. Um olhar de que os campos estão dourados ou maduros e apenas faltam os ceifadores. Esse olhar que vê, como diz São Paulo, que o mundo está grávido de Deus. Ou, inclusive já de parto e em lugares onde ninguém espera. Isso é o que dá esperança.
Médica, teóloga e monja de clausura. A beneditina do mosteiro de St. Benet de Montserrat Teresa Forcades, entretanto, é conhecida em todo o mundo. Um vídeo no YouTube contra as multinacionais e a armação da gripe A, catapultou-a para a fama.
Entrevistei-a em Madri, no dia 7 de outubro, por ocasião da apresentação do seu livro A teologia feminista na História. Irmã Teresa afirma que a situação de marginalização da mulher na Igreja é “um escândalo” e que “nenhum Papa se atreveu a proibir ex-cathedra o sacerdócio feminino”. Mas também reconhece que é na Igreja e em seu mosteiro onde se sente mais respeitada como mulher.
A entrevista foi concedida à José Manuel Vidal e publicada pelo Religión Digital, 23-10-2011. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Por que uma monja da clausura como você escreveu um livro sobre a ‘Teologia feminista na História’?
O livro foi uma proposta da editora Fragmenta. E propuseram porque sabiam que me formei com a teóloga Elizabeth Schüssler Fiorenza. Conheci-a em Barcelona em 1992, antes das Olimpíadas. Eu iria estudar nos Estados Unidos, especializar-me em medicina. Ela vinha de Harvard e fez uma conferência. Uma conferência na qual se rompeu a comunicação porque a tradutora que sabia muito inglês, não sabia nada de teologia. Ajudei na tradução do inglês para o catalão e se salvou a situação. Elizabeth ficou encantada e me convidou a visitá-la em Harvard. Ao final, foi ela que acabou vindo a Buffalo, no norte do Estado de Nova York, onde estava em meu hospital, para dar outra conferência.
E foi novamente a tradutora espontânea?
Fui a sua conferência, onde não precisei traduzir, e voltamos a nos encontrar. E, como consequência, comecei a traduzir um dos seus livros ao catalão, seu livro de hermenêutica bíblica feminista. Gostei muito do livro e o traduzi para aprofundar o conteúdo. Quando acabei a tradução, fui conversar algumas vezes com Schüssler Fiorenza, para falar de minhas dúvidas e reflexões. Ela, à vista de como recebeu, entendeu e processou o seu livro, animou-me a estudar Teologia e escreveu uma carta recomendando-me estudar em Harvard.
Um percurso que a editora conhecia.
Efetivamente, além disso, havia dado umas conferências sobre teologia feminista em Barcelona. E quando a editora lançou essa coleção de livros breves, introdutórios, que pudéssem servir de manual nas Universidades para introduzir uma disciplina teológica, me pediram o livro que eu aceitei como muito gosto.
Com teóloga feminista lhe magoa especialmenta a atual situação da mulher na Igreja?
A situação da mulher na Igreja tem uma história complexa que inclui tanto a discriminação quanto a promoção. A discriminação magoa qualquer pessoa que seja a favor da justiça e que compreenda que o Evangelho implica crescimento humano em todos os níveis. No Evangelho, se aprende também o realismo de saber que quando uma pessoa tenta viver a mensagem de Jesus, fica à margem. Nesse sentido, a situação das mulheres é testemunho de que há verdades cujo lugar estará sempre à margem até a escatologia final.
Ou seja, que você se sente preparada para continuar na margem ou na fronteira e sem aspirar ao altar.
A dinâmica da margem evangélica consiste, a meu juízo, na promoção da justiça em todos os níveis, mas com o realismo de saber que, quando se consegue um passo a frente, se gera um processo no qual aquele que não quer ficar acomodado continuará encontrando razões para continuar caminhando até as margens. Daí minha defesa teológica das margens.
E a proibição da presença feminina no altar?
A conclusão da comissão bíblica pontifícia, a que Paulo VI pediu que estudasse o tema, foi de que não há razão bíblica alguma para privar o acesso das mulheres ao ministério ordenado. Isso foi no ano de 1976. Em 1974, realizaram-se as primeiras ordenações de mulheres na Igreja episcopaliana. Paulo VI percebeu que iria se produzir a mesma demanda na Igreja Católica e, por isso, pediu para a comissão pontifícia que estudasse o tema.
O que diz de concreto o documento da comissão pontifícia?
Assegura que nas Escrituras não há nada contra. Depois de conhecer as conclusões da comissão, Paulo VI publicou um motu proprio no qual considerava que não se devia ordenar mulheres na Igreja Católica.
Mais a frente veio a tentativa de fechamento definitivo da questão por parte de João Paulo II.
Sim, mas nenhum Papa se atreveu a proclamar essa proibição ex-cathedra.
Esta flagrante discriminação da mulher na Igreja é um escândalo?
Sim. Recomento a quem queira aprofundar esse tema o livro de Gary Macy A história oculta da ordenação das mulheres.
E como se vive essa situação num momento em que a sociedade civil avança na paridade de direitos?
Não gosto do esquema em que se coloca a sociedade civil na vanguarda e a Igreja na retaguarda em algo que deveria ser a pioneira. Entendo que a situação entre homem e mulher e a maneira de conceber o feminino e o masculino numa sociedade contemporânea ocidental deixa muito de ser satisfatória. O que mais me interessa debater teologicamente atualmente são as teorias de Lacan e de alguns pós-estruturalistas contemporâneos. Porque, no momento e reconhecendo que podem existir outras pessoas que tenham vivido experiência contrária, particularmente onde me senti mais respeitada em meu ser mulher é na Igreja e, em concreto, no meu mosteiro. Em comparação com outros lugares, como pode ser no hospital ou na Universidade, fico com o mosteiro, como espaço de liberdade e respeito. Em minha relação com os monges de Montserrat, por exemplo, descobri possibilidades de interação mais ricas do que em geral que vivi e observei entre homens e mulheres que são colegas no hospital ou na universidade.
Então, a Igreja não tão antifeminina como se diz.
Veja, é preciso começar a falar desse tema com verdade, porque, do contrário, parece que temos de um lado uma sociedade liberada, oásis ou meca para as mulheres e, por outro, a Igreja que é uma instituição de opressão e de desastre. Minha experiência diz o contrário. Porque, se assim não fosse, quem sabe eu já não estaria aqui.
Quer dizer que há um espaço de liberdade enorme dentro da Igreja apesar de tudo?
Sempre houve. O que acontece é que também é preciso denunciar que, entre os quadros de mando da Igreja há uma falta absoluta de representação das mulheres. E é esse o escândalo de que falamos.
Liberdade para as mulheres na Igreja-povo de Deus e falta de representatividade na sua hierarquia.
Temos que mudar essa noção de Igreja que olha primeiro para cima. Para falar da Igreja, temos primeiro que olhar para baixo. E embaixo encontramos fundadoras iniciativas que não tem correlato no mundo civil, ao menos até agora. Vamos ver o que acontece no século XXI.
Acusam-lhe de heresias, os setores mais conservadores e alguns sites. Tem medo?
Lembro da “perfeita alegria” de São Francisco e acredito que o essencial para um cristão é saber que quando todos te aplaudem, alguma coisa não vai bem. Desatar iras de certos setores, por outro lado, não é garantia de que as coisas vão bem, mas é um pouco melhor de quando todos te aplaudem.
A Igreja hierárquica espanhola está muito fechada em si mesma e exerce um excessivo controle?
Está claro que, desde o Vaticano II, houve uma involução. E, na igreja espanhola se pode constatar que o medo existe e que há falta de liberdade para falar com vozes diferentes que é o que acontece quando as pessoas falam a partir de sua experiência. Essa uniformidade de expressão é muito preocupante.
Falta pluralismo na Igreja espanhola. Ou dito de outra forma, são capazes os bispos espanhóis de assumir que há diferentes modelos ou diferentes sensibilidades eclesiais e que todas são válidas?
Há muitos bispos que são capazes. O problema é que não é apenas questão de aceitar isso, mas sim de vivê-lo. Os bispos tem o dever-direito de exercer sua responsabilidade pastoral de acordo com sua propria consciência, não podem simplesmente suprir seu critério com o critério que vem desde cima. Nesse sentido, o bispo não apenas aceita a pluralidade, mas também se converte em gerador da mesma e a vive.
Você é religiosa beneditina. A vida religiosa tem futuro ou terminou o seu tempo. Como a vê?
A vejo muito bem. A vida religiosa tem mudado ao longo da história e apenas terá futuro se continuar mudando. A mudança é inerente à vida religiosa e apenas quem não muda tende a desaparecer. As beneditinas estão acabando, mas esses espaços de comunidade de pessoas que entendem que suas vidas não se plenificam em uma vida de casal, sem a relação de comunidade sempre existirão. Porque, além disso, são pessoas que dão testemunho de que esse é o modelo para todos no mundo escatológico.
A vida religiosa como antecipação da vida celestial.
Esta é a antropologia cristã. A vida de casal é sacramento do mesmo amor de Deus, mas é de uma forma temporal. A vida de comunidade é de forma escatológica, porque Deus nos chama a ser pessoas que compreendam que a relação com toda humanidade, com todas e todos aqueles criados a imagem de Deus, é uma relação de amor absoluto, uma relação de dar e receber como a da Trindade. Esta vida de comunhão trinitária é que a utopia cristã nos propõe.
Mas isso também se pode viver no matrimônio: estar aberto a todos e amar a todos.
Claro, mas o matrimônio é até que a morte nos separe. E por isso dizia Jesus: “Não compreendem”. Porque, no céu, as pessoas não se casam.
Seu vídeo de 2009, denunciando a montagem da famosa gripe A, teve tanta repercussão porque desmontava a superficialidade na qual se movem os grandes poderes da informação num mundo globalizado?
É preciso ser claro na crítica a este desastre da sociedade contemporânea que é o aumento da desigualdade riqueza-pobreza nos últimos 50 anos. Esse é um escândalo muito maior que a injustiça com as mulheres na Igreja da que acabamos de falar, ainda que não haja muito sentido em comparar injustiças, porque cada uma é absoluta em si mesma. Há muito o que criticar na sociedade contemporânea, mas não como um slogan. Porque se é certo que existe essa superficialidade, também é fato de que, pela primeiva vez, há pessoas que realmente acreditam que não se deve esperar que a solução venha de cima.
É o que vemos nessa crescente indignação em todos os lugares, incluindo no mundo árabe?
Estou muito preocupada pelo o que está acontecendo na Líbia, na Síria. Ou pelo que possa vir acontecer no Irã. Especialmente a partir da perspectiva das grandes mentiras políticas. Já o fizeram duas vezes, mas parece que não aprendemos. Aconteceu no Iraque e depois lamentamos. E com Gadafi creio que aconteceu o mesmo. Mente-se para justificar a intervenção militar. Por que não intervimos na Arábia Saudita para liberar as mulhres se o fazemos no Afeganistão?
Gostaria que o Papa fosse à Somália num gesto profético que detivésse ou interrompesse a morte de tantas pessoas e tantas crianças inocentes?
Esse pode ser outro desses slogans de que desejaria afastar-me. Quem sabe agora, quando todo mundo está olhando a Somália, gostaria que o Papa fosse a outra parte. Porque os desastres proliferam. Por exemplo, o que está acontecendo no Sudão?
Os meios de comunicação nos enganam?
Tenho a impressão, confirmada no caso da gripe A, de que outro, dos maiores escândalos atuais é a falta de liberdade no mundo da informação. Há mais liberdade jornalísitca em Periodista Digital ou em Vida Nueva do que no El País ou no La Vanguardia.
Voltamos ao lugar de onde começamos: na Igreja se vive melhor.
Não gostaria de morder a língua na hora de criticar o condenável da Igreja, mas ninguém me peça que diga que na sociedade civil há maior liberdade de que na Igreja, porque não é certo. O que não quer dizer que a Igreja não tenha nada a aprender com a sociedade não eclesial. O que fez sempre.
Participou ou viu a JMJ? O que lhe parece esse tipo de evento?
Não vi muito. Participaram três irmãs mais jovens do mosteiro e voltaram muito contentes. O evento macroeclesial quem sabe seja um sinal dos tempos. Assisti na Venezuela a um desses eventos macro por motivo do aniversário de 90 anos da morte de monsenhor Romero e me pareceu algo extraordinário. O mesmo pode acontecer com as pessoas que foram ver o Papa. Esses grandes eventos eclesiais quem sabe sejam um sinal dos tempos de século XXI. O importante é o tipo de mensagem que com eles se transmite e como se utilizam esses espaços.
E como o utilizaram na JMJ?
Creio que houve um predomínio de articulações conservadoras ou de mensagens para os jovens no esquema nós/eles (Igreja/sociedade), mas também houve espaços onde se pode partilhar a fé com uma visão mais aberta.
Tem esperança no futuro da sociedade e da Igreja? É você uma mulher esperançosa?
Sim.
Por exemplo, poderemos ver uma mudança na Igreja a curto prazo?
Mais do que a curto prazo, hoje mesmo. Gostaria de ter sobre a realidade o olhar que Jesus nos pede. Um olhar de que os campos estão dourados ou maduros e apenas faltam os ceifadores. Esse olhar que vê, como diz São Paulo, que o mundo está grávido de Deus. Ou, inclusive já de parto e em lugares onde ninguém espera. Isso é o que dá esperança.
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