A Igreja rejeita um projeto contra as famílias numerosas
Por Paul De Maeyer
ROMA, quinta-feira, 13 de outubro de 2001 (ZENIT.org) – Por enquanto é só um projeto de lei, mas já está levantando grande polêmica no estado indiano de Kerala. O Kerala Women's Code Bill 2011,
entregue recentemente ao ministro-presidente daquele estado meridional,
Oommen Chandy, foi preparado por uma comissão governamental dirigida
por Vaidyanathapura Rama Krishna Iyer, ex-juiz do Tribunal Supremo de
Nova Delhi e natural de Kerala, e pretende limitar o número de filhos
que as famílias podem ter em no máximo dois.
O organismo em questão, a Commission on Rights and Welfare of Women and Children, criado
em 2010, propõe, por exemplo, sancionar com multa de 10.000 rúpias
(aproximadamente 500 reais) ou pena de três meses de prisão o pai que
tiver um terceiro filho. As famílias com mais de dois filhos serão
excluídas de certos benefícios ou serviços sociais e perderão o direito
de concorrer em eleições locais, como a dos conselhos dos povoados ou
“panchayat”. Serão consideradas, além disso, “pessoas não qualificadas
legalmente” (The Times of India, 25 de setembro).
A futura lei sugere mais facilidades para o acesso aos
anticoncepcionais e ao aborto gratuito e prevê incentivos financeiros
para os casais que decidirem adiar o matrimônio e o nascimento do
primeiro filho, com a proposta inédita de sancionar as famílias que têm
três filhos ou mais. A iniciativa tem como alvo as religiões, cujos
líderes não poderão incentivar os nascimentos. “Nenhuma pessoa utilizará
a religião, seita, casta, culto ou outros incentivos para ter mais
filhos”, dizem as recomendações da Comissão Iyer (The Times of India, 25 de setembro).
O projeto de lei, definido como “draconiano” pelo padre Shenan J. Boquet, presidente de Human Life International (LifeNews.com,
29 de setembro), suscitou uma onda de reações negativas, em particular
dos chefes muçulmanos e cristãos de Kerala. Contundente foi também o
“não” da minoria cristã de Kerala, a mais importante do país. Segundo o
porta-voz da Conferência Episcopal de Kerala (KCBC), padre Stephen
Alathara, a proposta tenta “minar os valores da família e dividir a
sociedade (UCA News, 27 de setembro), além de ser “antidemocrática e violar os direitos dos progenitores”.
A Igreja católica de Kerala lançou uma série de iniciativas de apoio
aos nascimentos e às famílias com mais de dois filhos, como mensalidades
escolares reduzidas para o terceiro filho e educação gratuita a partir
do quarto (a Igreja gerencia um quarto das 14.000 escolas de Kerala). Em
agosto, começou um novo programa que prevê, com a ajuda do Sion Prolife Movement,
a entrega de 10.000 rúpias em forma de certificado de depósito de prazo
fixo para cada quinto filho ou filha que nasce em uma família.
Na batalha aberta com o governo local, a KCBC organizará em 14 de
novembro, na cidade de Kochi (ou Cochim), uma grande reunião de famílias
numerosas católicas. “O objetivo principal da manifestação é difundir a
mensagem da vida e de que uma família grande é uma família feliz”,
disse um porta-voz, Sabu Jose Chekkontheyil (UCA News, 3 de
outubro). “Mais de 5.000 famílias numerosas de todo o estado e de três
ritos diferentes participarão no evento”, antecipou. “Será a primeira
vez que organizamos um evento desta magnitude para transmitir a mensagem
de que uma família numerosa é uma bênção e não um peso”.
A Igreja tem bons motivos para incentivar os nascimentos. A
porcentagem de cristãos em Kerala tem sofrido, nas últimas décadas, uma
diminuição lenta mas contínua, como demonstram os censos de 1991 e 2001.
Enquanto em 1991 os cristãos eram 19,5% da população de Kerala, uma
década depois eram 19%. Hoje, segundo estimativas de Dom Anikuzhikattil,
são em torno de 17%.
“Numa situação como esta, a Igreja não pode se tornar um espectador silencioso”, disse o bispo ao National Catholic Register
(3 de outubro). “Quando houver só duas crianças por família, o número
de vocações cairá com certeza”, declarou, referindo-se ao fato de que,
com um sacerdote ou religiosa para cada 60 católicos, Kerala é um
autêntico “jardim vocacional” da Igreja na Índia.
A comunidade cristã teme o crescimento demográfico da minoria
muçulmana de Kerala. A taxa de fecundidade entre os muçulmanos do estado
é de 2,97 filhos por mulher, contra 1,66 das mulheres hinduístas e 1,78
das cristãs. Enquanto os muçulmanos constituem, com 140 milhões de
pessoas, quase 13% da população indiana, os cristãos representam menos
de 3%. “Dentro de 15 anos, Kerala será um estado de maioria muçulmana,
já que só os hinduístas e os cristãos seguem as severas normas do
planejamento familiar. É perigoso”, advertiu, já em 2005, o então
arcebispo maior de Ernakulam-Angamaly dos sírio-malabareses de Kerala, o
cardeal Varkey Vithayathil, falecido no último abril (Daily News & Analysis, 28 de setembro).
Para o diretor do Indian Institute of Christian Studies, em
Palai, a proposta da Comissão Iyer é “uma controvérsia e recomendação
não desejada”. “Se o governo quer o controle da população no estado,
deveria realizá-lo através de um programa de sensibilização e de
educação”, disse a Daily News & Analysis, embora não aceite
as iniciativas da Igreja para incentivar os nascimentos. Também o
escritor e colunista Paul Zachariah mantém que o governo de Kerala
deveria ignorar as conclusões da comissão. “Não é mais do que uma infame
violação dos direitos fundamentais. Se querem reduzir a taxa de
natalidade, existem outros modos”.
Lacônica, porém, foi a reação do ministro-presidente de Kerala,
Oommen Chandy, ao “não”. “O governo tomará sua decisão depois de
consultar todos os grupos. Tomamos nota dos protestos”, declarou (UCA News, 27 de setembro).
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