quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Mesmo com campanha, corda não resistiu




11/10/2011  
  
Foi por muito pouco.  Mas a corda do Círio não sobreviveu até a chegada ao colégio Santa Catarina, no bairro de Nazaré, em Belém.  Os promesseiros cortaram a corda próximo ao colégio Nazaré, alguns metros antes do ponto estipulado pela organização da procissão.

A reportagem é do Diário do Pará, 10-10-2011.

Às 11h, os romeiros que seguiam no núcleo da cabeça da corda deram início ao corte.  Houve troca de insultos e empurrões entre membros da Guarda da Santa, grupo de voluntários que escoltam a berlinda, e promesseiros.  “Querem impedir uma tradição.  As pessoas querem um pedaço da corda, é nosso direito depois de sofrer tanto”, argumentava a romeira Waldilena Assunção.  Ela conta que desde as 5 horas acompanhava o Círio pela corda.

Diversas pessoas empunhavam facas e estiletes no local.  Grupos de promesseiros continuaram a caminhada carregando pedaços da corda até a equipe de 20 padres que ofereciam bençãos em frente ao colégio Santa Catarina.  Em pouco menos de meia hora, os promesseiros da corda se dispersaram em direção à Basílica de Nossa Senhora de Nazaré.

Este ano, a Diretoria da Festa de Nazaré e Arquidiocese de Belém lançaram uma campanha contra o corte da corda.  A expectativa era de que o corte e distribuição do objeto fossem executados pela própria Diretoria da Festa.  O objetivo era impedir que os romeiros carregassem armas brancas durante a procissão, além de garantir que a berlinda permanecesse atrelada até o final do percusso.

Considerada um êxito pela organização, a campanha de conscientização teve o mérito de manter a integridade da corda em alguns pontos críticos, como a curva da avenida Presidente Vargas em direção à avenida Nazaré.  Mas também causou sucessivas paradas e esperas, o que prolongou o sofrimento dos promesseiros.  “O começo da Nazaré é a pior parte, porque quando chega aqui, a galera já está cansada, machucada.  Tivemos que esperar muito tempo sem andar até completar a curva.  Não aguentei e fui cuspido para fora da corda”, relata o estudante Rodrigo Barbalho, 23 anos.

Diretoria do Círio nega corte antecipado

O coordenador do Círio, César Neves, negou que a corda dos promesseiros tivesse sido cortada antes do trecho programado, que era em frente ao colégio Santa Catarina, na avenida Nazaré.  O desatrelamento da corda da berlinda, segundo César Neves, foi autorizado pela diretoria e pelo arcebispo de Belém, Dom Alberto Taveira, e o fato de o corte ter sido realizado alguns metros antes do previsto foi apenas uma questão de praticidade.  “A chegada foi exatamente como previsto e a corda também desatrelou no trecho previsto, pois a berlinda já tinha passado do colégio Nazaré a uma distância de apenas 20 a 30 metros do colégio Santa Catarina.  A campanha que nós fizemos para que a corda chegasse até esse trecho foi cumprida”, definiu o coordenador do Círio.

Mas, segundo Neves, infelizmente algumas pessoas não respeitaram a orientação da Igreja e da diretoria e tentaram cortar a corda antes do trecho programado.  “O importante é que todas as estações chegaram atreladas, cumprindo o objetivo programado”, assegura.

Para Neves, todo o planejamento realizado foi alcançado e os incidentes no percurso, como pessoas que levam objetos afiados para cortar a corda, como estiletes e facas, são minoria.

Na certeza da graça alcançada


Antes mesmo do início do Círio, os pagadores de promessas já começavam a se movimentar, arrastando-se de joelhos ou carregando pesadas cruzes.  Ainda eram 4h da manhã e o autônomo Carlos Magno Barbosa, 25, já estava nas proximidades do Ver-o-Peso, numa lenta caminhada de joelhos que só se encerraria muitas horas depois, na Basílica Santuário.  Ele pediu à santa que o ajudasse a se recuperar de uma falência.  “Se Deus quiser, ela vai fazer eu recuperar tudo o que tinha”, disse confiante.

Outro penitente que fazia o percurso do Círio de joelhos era o carpinteiro Jorge Correa Cardoso, 52, que paga promessa a Nossa Senhora pela cura da mãe dele, vítima de um derrame, e que chegou a ser desenganada pelos médicos.  “Hoje ela está boa e completou 83 anos no mês passado”.

Carregando uma cruz de madeira de 25 quilos, o funcionário público Mário Lúcio Câmara da Costa, 37, paga uma promessa há três anos por ter sido curado, depois de enfrentar dois derrames, sem ficar com sequelas.  Ele disse que estava “preparado e tranquilo” para fazer o trajeto com a cruz nos ombros, descalço e vestindo uma túnica branca.

Fé contra cansaço

“Mãe, você é tudo para mim.  8º ano de muita fé”, estampa a camisa do promesseiro Rilson de Melo Cardoso, de 28 anos.  De joelhos, ele caminha pela avenida Presidente Vargas para cumprir um ritual que já nem precisaria mais.  A mãe dele sofreu um derrame há quase uma década e ficou em coma.  Rilson foi pedir a intervenção de Nossa Senhora de Nazaré.  Ela ficou com sequelas, mas saiu do coma.  Foi o suficiente para o filho cumprir cinco anos de promessa.  Cinco anos se ajoelhando em agradecimento.  O tempo passou e ele resolveu continuar.  “Ela é tudo pra mim”, justifica Rilson, repetindo as palavras da própria camisa.

E como ele consegue aguentar a jornada?  “Muita fé”, resume, já com a voz embargada pelo cansaço e o rosto em gotas de tanto suor.  A fé desse promesseiro do bairro do Bengui é a mesma a mobilizar milhares de outros anônimos, vindos dos mais distintos lugares.  Gente que vai ver a passagem da santa ou pagar promessas de um jeito menos sofrido, nas arquibancadas, camarotes, calçadas.  E há aqueles que preferem mesmo estar na corda, no meio da multidão, a se acotovelar, espremer, sufocar, como se fosse uma demonstração maior de fé.

Quando a imagem peregrina de Nossa Senhora de Nazaré passa diante do povo, parece que todas as sensações e atitudes ganham um fervor maior.  Aí, só é possível enxergar um batalhão de mãos erguidas para o céu.  É um sentimento coletivo que acomete quem estiver ao redor.  Com a agente de saúde, do bairro do Tapanã, Carmem Batista, 33, foi assim.  Um choro contido e antecipado pela proximidade da santa.  “Eu venho todos os anos”, conta Carmem, numa constante de tempo que ela perdeu os cálculos.

“Tenho vontade de ir [na corda].  Mas não vou aguentar o sufoco”, confessa.  Em 2012, Carmem pagará uma promessa.  Acompanhará descalça o Círio de Nazaré, para agradecer a casa que termina de construir.

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