[unisinos]
22/10/2011
Entrevista especial com Sergio Torres |
O conceito de liberação
“expressa a salvação e a libertação que Jesus nos traz com muitos termos que se
referem à salvação de setores oprimidos, na atual situação cultural e social”,
afirma teólogo chileno.
Confira a entrevista.
“Tanto a teologia da libertação, por si mesma, como o próximo Congresso Continental de Teologia de 2012
podem contribuir muito para abordar de uma maneira nova esses novos desafios”,
que “não foram considerados no Concílio, mas temos as ferramentas que tornam
possível enfrentá-los”.
Para o teólogo chileno Sergio Torres, o salto qualitativo promovido
pela teologia da libertação foi abrir a perspectiva
contextual na teologia. “O contexto – afirma – permite aprofundar alguns
aspectos da única Mensagem e torná-la mais credível para pessoas de diferentes
culturas”. E também agregando outro “lugar teológico”: a presença de Deus na
“fé que atua pela caridade”, especialmente entre os pobres.
Torres é cofundador e membro emérito do comitê coordenador da Ameríndia
(www.amerindiaenlared.org), rede de católicos/as
do continente americano que, junto a outras organizações como o Instituto
Humanitas Unisinos – IHU, está organizando e irá promover o Congresso
Continental de Teologia, entre os dias 8 e 11 de outubro de 2012, na Unisinos,
por ocasião dos 50 anos de convocação do Concílio Vaticano II e dos 40 anos da
publicação do livro Teologia da libertação. Perspectivas, de Gustavo Gutiérrez.
Por isso, nesta entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Torres
conta os principais momentos da história da Ameríndia e afirma que
celebrar essas datas significativas em solo latino-americano é também rememorar
os momentos de “grande entusiasmo” vividos pela Igreja continental, que “não só
leu e aplicou o Concílio, mas também o reinterpretou a partir da nossa
realidade social, econômica e cultural”.
Sergio Torres é
licenciado em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Chile.
Foi professor de teologia dogmática no Instituto Alfonsiano de Santiago.
É coeditor de vários livros da Associação Ecumênica de Teólogos do
Terceiro Mundo (Asett/Eatwot) e cofundador e membro emérito do comitê
coordenador da Ameríndia. Foi vigário-geral da diocese de Talca e
atualmente é vigário-cooperador de uma paróquia de Santiago.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O Congresso Continental de Teologia de 2012 tem sua origem
a partir da proposta da Ameríndia junto de outras organizações teológicas do
continente. Resgatando sua história, como nasceu a Ameríndia?
Sergio Torres – A Ameríndia nasceu em 1978, por ocasião da preparação da Assembleia Episcopal de Puebla. Nesse
momento, vivia-se uma situação conflitiva dentro da tradição libertadora
iniciada na Conferência
de Medellín, de 1968.
Depois de Medellín, a grande maioria da Igreja latino-americana aceitou com
alegria e tentou implementar as orientações e os documentos dessa conferência.
Em todo o continente, iniciou-se uma nova etapa da história da Igreja, que
realizou uma profunda autocrítica de sua ação pastoral e começou um novo estilo
em sua missão frente à sociedade. Ela se separou das classes dominantes e
adquiriu uma cidadania eclesial entre os pobres. No entanto, houve uma pequena
minoria que não participou dessa interpretação geral e realizou uma crítica
social e teológica de algumas grandes orientações de Medellín, por exemplo, da
opção pelos pobres.
Essa minoria adquiriu maior poder e visibilidade quando o bispo
colombiano Alfonso López Trujillo foi eleito
secretário-geral do Celam [Conselho Episcopal Latino-Americano]
em 1972, na cidade de Sucre, Bolívia. Uma das tarefas que esse
bispo se propôs foi desmantelar algumas instituições criadas depois de Medellín
e mudar os integrantes da Comissão Teológica do Celam. Quando chegou o
momento da preparação da Conferência de Puebla, o Celam
interpretou a tarefa e a missão da Igreja com uma nova perspectiva. Em alguns
documentos preparatórios, disse-se que o maior desafio para a missão da Igreja
na América Latina não era a evangelização dos pobres, mas sim a
evangelização da cultura. Essa perspectiva, que em si mesma era oportuna, tinha
a intenção implícita de mudar a interpretação de Medellín. Como se comprovou
posteriormente, durante a Conferência de Puebla, essas duas perspectivas
estiveram presentes e lutaram para prevalecer, impondo-se à reafirmação de
Medellín como a opção fundamental de Puebla, dentro da perspectiva geral de
“comunhão e participação”.
Quando chegou o momento de nomear os teólogos especialistas que deveriam
acompanhar os bispos na Conferência de Puebla, a Secretaria do Celam
descartou quase totalmente os teólogos identificados com Medellín e com
a teologia da libertação. Essa discriminação produziu uma grande confusão e
oposição entre os bispos já designados para participar da conferência, e muitos
deles haviam pedido para contar com a assessoria desses especialistas que
haviam desempenhado um papel muito importante em Medellín.
Nesse momento nasceu a Ameríndia, embora sem esse nome. Ela se
organizou como uma resposta à inquietação e aos pedidos dos bispos de
acompanhamento e assessoria em Puebla. Os próprios teólogos da
libertação encontraram uma maneira de constituir um grupo de trabalho, viajar
para Puebla e encontrar um espaço físico, perto do Seminário Palafox,
onde se realizava a conferência. Todos os dias, bispos, religiosos e outras
pessoas iam até esse lugar para trabalhar com o grupo de teólogos “extramuros”.
A história posterior demonstrou que essa assessoria, requerida legitimamente,
foi positiva e fecunda nos resultados, inseridos no Documento Final.
IHU On-Line – Em sua história, quais foram os momentos mais importantes
da Ameríndia?
Sergio Torres – Essa iniciativa, contada depois de 33 anos, parece simples e sem
conflitos. Na prática, não foi assim. A secretaria do Celam e muitos
bispos sentiram que a presença desses teólogos em Puebla era um ato não
autorizado pela Igreja institucional desse momento e constituía uma ação quase subversiva.
No entanto, os bispos que solicitaram essa assessoria consideraram que tal
convite era um exercício normal da sua autoridade e liberdade como bispos e
sucessores dos apóstolos.
Esse primeiro esforço organizativo de um grupo de teólogos para assessorar
bispos em conferências oficiais é o primeiro antecedente histórico que, no
entanto, ainda não recebeu o nome de Ameríndia enquanto tal. Esse nome
nasceu por ocasião de um esforço semelhante por motivo da preparação da quarta Conferência
do Episcopado Latino-Americano em Santo Domingo, em 1992. Nessa
oportunidade, novamente os teólogos da libertação foram excluídos, e, pela
segunda vez, um grupo de bispos solicitou a assessoria teológica para suas
deliberações, o que efetivamente ocorreu.
Depois da Conferência de Santo Domingo, em 1992, o grupo de
teólogos/as adquiriu uma percepção subjetiva de integrar um coletivo vinculado
pela amizade e pela afinidade teológica que estava preparado para cumprir
tarefas inéditas até esse momento. Eles ainda não tinham consciência de
constituir um grupo com identidade própria. Em 1997, apresentou-se outra
oportunidade de cumprir uma função parecida. Por ocasião da preparação do Jubileu
do Ano 2000, João Paulo II convocou em Roma sínodos
continentais para impulsionar uma melhor celebração do Jubileu em cada
continente. Em 1997, realizou-se em Roma o Sínodo da América, que
incluiu bispos e outros representantes da América do Norte, América
Latina e Caribe. Pela terceira vez, um grupo de teólogos e teólogas,
muitos deles os mesmos, viajaram para Roma, buscaram um lugar de trabalho e
puderam responder ao convite dos bispos que solicitavam assessoria.
Depois desse sínodo em Roma, ocorreu uma mudança importante no
grupo da Ameríndia, que até então era formado exclusivamente por
teólogos/as. A mudança consistiu em ampliar o grupo incluindo leigos,
religiosas e sacerdotes como parte integrante de um coletivo mais amplo e multidisciplinar.
Ampliou-se o objetivo. O grupo já não tinha como única missão estar preparado
para uma eventual assessoria, mas adquiriu um objetivo permanente e mais amplo.
Propôs-se “manter e atualizar a tradição teológica, social e pastoral de Medellín
e Puebla como expressão concreta do seguimento de Jesus na realidade
atual do continente, marcada pelo predomínio do capitalismo neoliberal e pela
vigência de democracias restritas”.
Posteriormente, o grupo viu a necessidade de se dar uma maior
organização e estabeleceu uma secretaria permanente na cidade de Montevidéu,
Uruguai, e contratou funcionários para impulsionar o trabalho que ia
crescendo progressivamente. Nos anos seguintes, a Ameríndia assumiu uma
tarefa extra de organizar congressos teológicos e publicar livros sobre
teologia latino-americana adaptada aos novos desafios. Também estabeleceu um
contato muito próximo com a nova iniciativa do Fórum Social Mundial que luta por “outro
mundo possível”. A partir dessa vinculação e em conjunto com outras
instituições, constituiu-se uma iniciativa intitulada Fórum Mundial de Teologia e Libertação.
Finalmente, a última iniciativa importante foi a participação na
preparação e na realização da Conferência Episcopal de Aparecida, Brasil,
em 2007. No momento da preparação, a Ameríndia participou de um diálogo
de teólogos da libertação com alguns bispos designados pelo Celam para
refletir sobre a situação e o momento atual da teologia da libertação. Além
disso, a Ameríndia participou da Conferência Episcopal de Aparecida de uma
forma diferente do que as anteriores. Desta vez, a presidência do Celam deu a
conhecer, de forma oficial, que, na cidade de Aparecida, havia um grupo de
teólogos relacionados com a Ameríndia que estava disponível para a assessoria
teológica e que os participantes da Conferência tinham plena liberdade para
consultá-los.
IHU On-Line – Em seu site, a Ameríndia afirma ser uma “rede de católicos
com espírito ecumênico e aberta ao diálogo e à cooperação inter-religiosa”.
Como o senhor vê o papel dos teólogos/as nos debates com as outras Igrejas
cristãs e as demais religiões que marcam a cultura latino-americana?
Sergio Torres – Nos primeiros anos da história da Ameríndia, houve um debate
mais ou menos prolongado sobre a necessidade de trabalhar em conjunto com as
Igrejas protestantes. Muitos integrantes diziam que essa deveria ser a atitude
normal da nossa instituição. Viver antecipadamente a única Igreja de Jesus
Cristo centrada em sua Mensagem libertadora e no de serviço aos mais
pobres. O debate se encerrou, e a Ameríndia acreditou ser melhor se definir
como uma organização católica, aberta às outras Igrejas pensando que há muitos
problemas e desafios próprios que é necessário tratar em família. O mesmo
acontece com as Igrejas protestantes. Cada uma tem suas próprias organizações,
assembleias, revistas, para melhor definir sua identidade e, além disso, muitas
dessas Igrejas mostram pouca preocupação ecumênica. A Ameríndia não é um grupo
fechado e sempre cultivou muito boas relações com as correntes libertadoras do
protestantismo. Alguns teólogos protestantes, como Rubem Alves, José Míguez Bonino, Elsa Tamez e Julio de Santa Ana, entre
outros, fizeram contribuições muito importantes para a teologia da libertação.
Temos alguns elementos comuns em nossa curta história e tradição.
A Ameríndia não entrou no debate sobre temas doutrinários e
dogmáticos com as outras tradições protestantes. Ela prefere viver o ecumenismo
na vida social e prática do serviço aos pobres e da libertação do povo. E ao
mesmo tempo ela é devedora das ricas tradições e da sabedoria dos povos
indígenas e afro-americanos. Ela aprendeu com o desenvolvimento das teologias
que emergiram a partir dessas tradições ancestrais. Com relação ao diálogo com
as outras religiões, ela se manteve à margem dos profundos debates que ocorrem
entre grupos interessantes de teólogos e estudiosos dessas religiões.
Devido à pouca presença entre nós das religiões da Ásia, como o
hinduísmo e o budismo, ela está atenta a esses debates, mas não participou
diretamente. Ao mesmo tempo, valoriza os âmbitos especializados de diálogo
inter-religioso, por exemplo os estudos realizados pela Associação Ecumênica
de Teólogos do Terceiro Mundo. Naturalmente, nos preocupa muito a
necessidade de uma profunda reformulação da Mensagem de Jesus Cristo
transmitida até agora com as categorias da cultura grega e ocidental. Essa
tarefa é prioritária e urgente.
IHU On-Line – A identidade da Ameríndia também é marcada pela
reafirmação da “opção por novos modelos de igreja comunitária e participativa e
pela teologia da libertação como uma contribuição para a Igreja universal”. Em
sua opinião, quais são as características centrais desses novos modelos de
Igreja?
Sergio Torres – A história da Igreja na América Latina depois do Concílio
Vaticano II está marcada por períodos de profunda renovação e vitalidade e
por momentos dificuldades, recolhimento e frustração. No momento do Concílio
Vaticano II havia na América Latina um grupo muito valioso de bispos
comprometidos espalhados por todo o continente. Alguns nomes são lembrados para
sempre, por exemplo: D. Hélder Câmara, do Brasil, e D.
Manuel Larraín, do Chile. O teólogo José Comblin, recentemente falecido, propôs a
chamar esses bispos de “pais da Igreja latino-americana”. Esses bispos, com a
ajuda de teólogos e agentes pastorais de base, contribuíram para ler o Concílio
a partir da perspectiva da América Latina na Conferência de Medellín, em
1968.
A partir de então e durante quase 20 anos, a Igreja do subcontinente
experimentou um grande crescimento e vitalidade no povo, adquirindo uma nova
identidade. Seguindo Jesus Cristo e com uma profunda fidelidade à
tradição eclesial, ela assumiu um novo papel junto aos pobres, deixando de lado
a sua posição anterior de legitimar as classes dominantes da sociedade. Junto
com isso houve uma profunda renovação da liturgia, da catequese, da teologia,
da organização eclesial e da evangelização em seu conjunto, levando em conta as
orientações de Medellín e da Evangelii Nuntiandi
e, posteriormente, da Conferência de Puebla.
Lamentavelmente, a partir da década de 1980, aconteceu algo inesperado
nessa renovada Igreja latino-americana. Produziu-se uma divisão em seu interior
entre alguns setores da hierarquia e alguns teólogos com relação à
interpretação de Medellín e de Puebla, em particular, quanto à
maneira de entender a opção pelos pobres. Algumas pessoas acreditaram que a
opção pelos pobres poderia ser interpretada como uma expressão marxista. Essa
discussão interna levou alguns setores da Cúria Vaticana a tomar partido
e, a partir desse momento, produziu-se um grande distanciamento e desconfiança
entre essas instâncias romanas e os setores progressistas do continente.
Um momento importante dessa história foram as duas instruções da Congregação
para a Doutrina da Fé, de 1984 e 1986, condenando algumas formas da
teologia da libertação. Apesar de as instruções dizerem que se tratava de
“algumas formas”, os setores mais conservadores consideraram que toda a
teologia da libertação estava submetida a suspeitas e, finalmente, condenada.
Esse mal-entendido tem estado presente até agora e criou as distâncias e
diferenças de opinião e de atitude que impediram uma resposta comum da Igreja
aos novos desafios dos tempos presentes. Uma dificuldade séria foi escutar
quase exclusivamente a instrução de 1984 e o silenciamento que não permitiu acolher
com o mesmo interesse a carta de João Paulo II aos bispos do Brasil,
de maio de 1986, em que, depois da primeira instrução, dizia-lhes claramente
que “nós e vocês consideramos que a teologia da libertação é útil e
necessária”.
IHU On-Line – Em 2012, comemoraremos o 50º aniversário da convocação do
Concílio Vaticano II, aniversário que também inspira a promoção do Congresso
Continental de Teologia. Como essa data pode iluminar a Igreja no contexto
atual?
Sergio Torres – A Igreja da América Latina e do Caribe acolheu com grande
entusiasmo o Concílio. Inclusive, estava preparada para fazê-lo. Mais ainda,
não só leu e aplicou o Concílio, mas também o reinterpretou a partir da nossa
realidade social, econômica e cultural. O conceito de Igreja como Povo de
Deus foi acolhido com grande naturalidade, pois, nessa época, estava se
desenvolvendo a consciência do povo como um ator importante que assumia o seu
papel protagônico e propunha grandes mudanças na estrutura da sociedade. A
cultura latino-americana, solidária e fraterna, viveu com alegria e entusiasmo
a identidade de uma Igreja comunitária, em que bispos e fiéis, na linguagem da
época, se sentiam parte de um projeto comum e horizontal de Igreja missionária
e renovada.
A história também mostra que, tanto na Europa quanto na América,
depois dos primeiros anos de entusiasmo pelo Concílio, surgiram diversas
interpretações sobre o verdadeiro significado de seus documentos com as
orientações e conclusões pastorais. Na América Latina, também houve um
processo de involução e de restauração. Alguns setores consideraram que o
Concílio, em alguns aspectos, havia ido longe demais e que era necessário
retomar uma linha mais tradicional em vários níveis.
O 50º aniversário do início do Vaticano II é um momento muito
oportuno para reler o Concílio. Os grandes documentos, especialmente a Lumen Gentium e a Gaudium et Spes, têm intuições
permanentes que são muito pertinentes para a situação atual. O espírito
democrático e o desejo de participação exigem uma Igreja comunitária,
participativa e solidária. A abertura ao mundo hoje em dia adquire novos
aspectos e enfrenta grandes desafios. Há problemas novos que não foram
considerados no Concílio, mas temos as ferramentas que tornam possível
enfrentá-los. Tanto a teologia da libertação, por si mesma, como o próximo
Congresso de 2012 podem contribuir muito para abordar de uma maneira nova esses
novos desafios.
IHU On-Line – Em 2012, também comemoramos os 40 anos da publicação do
livro de Gustavo Gutiérrez. A partir dessa obra inaugural, quais foram e são as
principais contribuições da teologia da libertação no contexto da América
Latina? Qual é o significado da “libertação” hoje?
Sergio Torres – O surgimento da teologia da libertação significou um momento importante
na história da teologia em geral. Antes disso, considerava-se que havia apenas
uma única teologia universal, de acordo com o que diz São Paulo: “Um só
Senhor, uma só fé, um só batismo”. Sem negar de forma alguma esse princípio
fundamental, a teologia da libertação abriu a perspectiva contextual. Cremos em
um só Senhor, mas fazemos isso a partir dos nossos contextos e das nossas
situações sociais e culturais próprias e diferentes. O contexto permite
aprofundar alguns aspectos da única mensagem e torná-la mais credível para
pessoas de diferentes culturas. Nascida na América Latina, a teologia da
libertação se estendeu para a África e Ásia e, além disso,
existem experiências de teologia contextual na América do Norte e Europa.
A teologia libertadora contribuiu com outros elementos para a reflexão
teológica tradicional. A teologia refletia sobre o mistério de Deus
descobrindo-o nos “lugares teológicos” permanentes como a Bíblia, a Tradição,
a Liturgia, o Magistério, o ensinamento dos teólogos etc. A
teologia da libertação agregou outro “lugar teológico”: descobrir a presença de
Deus na “fé que atua pela caridade”, especialmente entre os pobres que,
iluminados pela sua fé e pelo seguimento de Jesus, lutam pela sua libertação.
O conceito de libertação ampliou-se e enriqueceu-se. Em um primeiro
momento, falou-se da libertação dos pobres entendidos como os operários das
indústrias e das fábricas das grandes cidades do continente. Posteriormente, o
conceito de pobre também foi se aprofundando. Os pobres são os excluídos, os
marginalizados, os que não têm voz, os que são discriminados ou, como se diz
hoje, “o outro”. Atualmente, o conceito de liberação expressa a salvação e a
libertação que Jesus nos traz com muitos termos que se referem à salvação de
setores postergados e oprimidos, na atual situação cultural e social.
Hoje em dia, não existe uma única teologia da libertação. Há um
pluralismo teológico, aberto, mas fiel a algumas intuições e princípios básicos
da primeira teologia da libertação. Essa teologia ainda tem muito a dar de si
mesma. Por exemplo, deve continuar articulando a contribuição própria e
complementar dos teólogos acadêmicos e dos teólogos de base. Além disso, também
se pede que os profissionais não falem somente para os pobres, mas a partir e
com os pobres.
IHU On-Line – Em um momento histórico de maior democracia e
desenvolvimento na América Latina, como o senhor vê a Igreja regional?
Sergio Torres – A história econômica, social e política tem sido marcada por grandes
etapas que incluem os processos de desenvolvimentismo dos anos 1950 e 1960, as
ditaduras dos anos 1970 e 1980 e a recuperação da democracia no novo contexto
da globalização neoliberal. A Igreja hierárquica e a Igreja de base têm estado
presentes de formas diferentes nesses processos históricos. Atualmente, dá a
impressão de que não temos respostas muito definidas frente aos novos desafios.
O que aprendemos com as etapas anteriores não é suficiente para atuar no momento
presente. Há desafios novos como os que provêm do crescimento da população
mundial, das mudanças climáticas globais e do esgotamento dos recursos naturais
que ameaçam a própria sobrevivência da vida no planeta.
A teologia da libertação e a ação social da Igreja se baseiam no
protagonismo do povo e em uma teoria social crítica que permita interpretar as
causas da pobreza e propor estratégias viáveis de desenvolvimento e de
libertação. Ambas as coisas hoje em dia são insuficientes. A mobilização
popular é fraca e inorgânica, e não há uma teoria social comum que permita
enfrentar o neoliberalismo.
No entanto, há um elemento positivo. A teologia da libertação está mais
bem preparada do que outras instituições e ideologias para interpretar o que
está acontecendo atualmente com o mal-estar global e os protestos dos
“indignados”. Esse mal-estar se deve à crise de um paradigma de civilização e
exige um novo modelo de sociedade com participação cidadã, regulação e controle
da economia financeira. Além disso, seria preciso chegar a ter novos modelos e
critérios de governança mundial. Para isso seria necessária uma reforma da
organização interna das Nações Unidas.
O Fórum Social Mundial, em suas diversas versões, proporcionou
novas ferramentas para animar os movimentos sociais e criar um novo estilo de
fazer política. Mas essas inspirações não foram suficientes para criar uma
força transformadora e renovadora. Por enquanto, nós, cristãos, estamos
chamados a viver o Evangelho em pequenas comunidades e a participar dos movimentos
sociais atuais e de outras iniciativas que permitam progressivamente ir
abordando os problemas mais globais, tais como as redes sociais da internet.
IHU On-Line – Especificamente com relação à Igreja chilena, recentemente
houve o caso do Pe. Fernando Karadima, condenado pelo Vaticano
por abusos sexuais de menores. Quais estão sendo os desdobramentos e as
consequências desse caso no Chile?
Sergio Torres – O caso desse sacerdote teve uma profunda repercussão em toda a Igreja chilena,
porque ele estava relacionado com um amplo grupo de sacerdotes diocesanos, que
inclui cinco bispos. Além disso, pessoalmente ele tinha fortes vínculos com
leigos de grande influência na vida social e política do país, por seu poder
econômico. Tal era a credibilidade desse sacerdote que a hierarquia demorou em
dar início à investigação, o que trouxe um maior prejuízo para a Igreja.
Felizmente, depois de um vacilo inicial, o caso foi acolhido e investigado.
As consequências foram muito negativas para a credibilidade da Igreja,
mas, ao mesmo tempo, há aspectos positivos que é preciso destacar. A opinião
pública estava cansada de uma atitude autoritária frente aos problemas éticos
relacionados com a sexualidade. Esse caso demonstrou que, na vida de alguns
sacerdotes, também ocorriam situações muito condenáveis. Assinalou-se que uma
das causas do escândalo legítimo que se produziu vem da falta de transparência
e do ocultamento de casos específicos por parte da própria hierarquia.
Reconheceu-se com razão que, nos casos de pedofilia, não está incluído somente
o problema da sexualidade e dos abusos, mas também, e talvez principalmente, o
problema do mau uso da autoridade. Pôs-se em dúvida, e com razão, que a
ordenação sacerdotal outorga aos sacerdotes uma autoridade excessiva e sem
limites. É hora de atualizar o que o Vaticano II disse, de que a
autoridade é um serviço e que na Igreja não deve acontecer, como disse Jesus, o
que acontece com as autoridades do mundo.
A TL - teologia da libertação - coloca o pobre no lugar do próprio Deus! É uma erva daninha que corrói as estruturas da Santa Igreja! A doutrina social da Igreja é mais que suficiente para responder aos problemas que a famigerada TL propõe. Vejamos alguns pensamentos de Bento XVI sobre o assunto:
ResponderExcluir«Encontramo-nos, em resumidas contas, em uma situação singular: a teologia da libertação tentou dar ao cristianismo uma nova praxe, mediante a qual finalmente teria lugar a redenção. Mas essa praxe deixou, atrás de si, ruínas em lugar de liberdade. Fica o relativismo e a tentativa de nos conformar com ele. Mas o que assim nos oferece é tão vazio que as teorias relativistas procuram ajuda na teologia da libertação, para, a partir dela, poder ser levadas à prática». (Conferência em Guadalajara (México). Novembro de 1996.)
«Não se pode tampouco localizar o mal principal e unicamente nas estruturas econômicas, sociais ou políticas más, como se todos os outros males se derivassem dessas estruturas, de sorte que a criação de um 'homem novo' dependesse da instauração de estruturas econômicas e sociais e políticas diferentes.
Certamente há estruturas iníquas e geradoras de iniquidades, e é preciso ter valentia para mudá-las. Frutos da ação do homem, as estruturas, boas ou más, são consequências antes de ser causas. A raiz do mal reside, pois, nas pessoas livres e responsáveis, que devem ser convertidas pela Graça de Jesus Cristo, para viver e atuar como criaturas novas, no amor ao próximo, a busca eficaz da justiça, do domínio de si e do exercício das virtudes».
«Esta concepção totalizante impõe sua lógica e arrasta às 'teologias da libertação' a aceitar um conjunto de posições incompatíveis com a visão cristã do homem. Em efeito, o núcleo ideológico, tirado do marxismo, ao qual faz referência, exerce a função de um princípio determinante. Esta função se deu em virtude da qualificação de científico, quer dizer, de necessariamente verdadeiro, que se lhe atribuiu».
«As 'teologias da libertação', que têm o mérito de ter valorizado os grandes textos dos Profetas e do Evangelho sobre a defesa dos pobres, conduzem a um amálgama ruinoso entre o pobre da Escritura e o proletariado de Marx . Por isso, o sentido cristão do pobre se perverte, e o combate pelos direitos dos pobres se transforma em combate de classe na perspectiva ideológica da luta de classes. A Igreja dos pobres significa, assim, uma 'igreja de classe' (uma espécie de partido político), que tomou consciência das necessidades da luta revolucionária como etapa para a libertação e que celebra esta libertação em sua liturgia». (Instrução sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação LIBERTATIS NUNTIUS. Agosto de 1984.)
Lembrando que Bento XVI é o maior teólogo vivo do nosso planeta, com 7 doutorados, mas o principal é que ele é nosso Papa. A partir do momento em que consideramos supérfluo o que o Papa fala, deixamos de ser católicos e nos tornamos protestantes. A partir daí, está mais do que claro o que o católico de verdade pensa a respeito da teologia da libertação: para o lixo com ela.
Obrigado pelo seu comentário, eu apoio totalmente!!!
ResponderExcluir