[unisinos ]
31/10/2011
Na batalha sobre a liturgia para a redescoberta e a valorização da
tradição pré-conciliar, um capítulo fundamental é o do novo missal de língua inglesa, desenvolvido nos
últimos anos e que entrará em vigor no próximo dia 27 de novembro.
A
reportagem é de Giacomo Galeazzi, publicada no sítio Vatican Insider,
28-10-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Depois de
mais de dez anos de debate e de discussões, mas também de polêmicas e de
críticas, o Vaticano, juntamente com as conferências episcopais de
língua inglesa, escreveu "a nova missa" para os fiéis espalhados da Austrália
aos Estados Unidos, passando pela África, Ásia e Europa
.
A nova
tradução inglesa do missal, no entanto, divide em dois o coração da Igreja
Católica de língua inglesa. São as almas mais liberais que acusam o Vaticano
de ter desejado uma tradução de parte, um texto fiel aos desejos da Igreja mais
tradicionalista. Vox Clara, o comitê de vigilância que supervisionou os
trabalhos de tradução, é acusado de ter favorecido um texto muito dissonante
com relação ao usado depois do Vaticano II, uma tradução que segue,
"de modo servilmente literal", o texto em latim, com uma sintaxe
"involuída" e expressões "elitistas", dificilmente
compreensíveis pelos fiéis.
A caixa
de ressonância dos protestos são os diversos meios de comunicação católicos.
Entre estes, a revista The Tablet, que publicou a carta do beneditino Anthony
Ruff, endereçada aos bispos dos Estados Unidos. Ruff, da
abadia de Saint John em Collegeville, Minnesota, era, até
recentemente, chefe da divisão de música para a tradução do missal. Na carta,
ele anuncia a sua saída de todo compromisso de promoção do missal, porque
"estou convencido de que os bispos querem um orador que saiba pôr em uma
luz positiva o novo missal, mas isso exigiria, para mim, fazer afirmações que
eu não compartilho".
Além do
parecer de Ruff, houve outras opiniões negativas: um padre de Collegeville,
há algum tempo, havia perguntado ao seu bispo o que ele achava da tradução.
Resposta: "Acredito que será um desastre". Escreve a The Tablet:
"Aos cristãos católicos, é exigida a obediência aos seus bispos, mas,
quando os membros da Igreja são obrigados a aceitar o que não querem, é
necessário que saibam, ao menos, que tudo isso vem de um lugar repleto do
Espírito Santo". Se esse lugar não existe, é preciso que, cheios do
Espírito Santo, sejam pelo menos "os nossos superiores." Só "uma
liderança desse tipo pode nos permitir crescer e mudar por meio do desconforto.
Em sua ausência, a obediência dos cristãos poderia degenerar a um estágio de
imaturidade e de não responsabilidade".
A
comissão Vox Clara foi recebida pelo papa. Pouco depois, ele emitiu um
comunicado em que expressava "satisfação pela acolhida que a conclusão da
nova tradução do missal recebeu em todo o mundo de fala inglesa". Também
segundo o The Catholic Herald, as autoridades da Igreja da Inglaterra
e do País de Gales "não esperam resistências à nova tradução do
missal".
E, de
fato, foi o secretário na qualidade de representante da comissão litúrgica dos
bispos que disse: "Há pessoas que o apreciam, e outras não, e algumas que
não estão certas. Mas eu estou convencido de que todo o clero é um grupo de
pessoas bastante pragmático no fim".
Nos
últimos dias, o próprio Bento XVI abordou o assunto durante o encontro
com os bispos australianos no Vaticano. "Na qualidade de bispos –
disse Bento XVI – vocês está conscientes do seu dever especial de cuidar da
celebração da liturgia. A nova tradução do Missal Romano, fruto de uma notável
cooperação entre a Santa Sé, os bispos e os estudiosos de todo o
mundo, visa a enriquecer e aprofundar o sacrifício de louvor oferecido a Deus
pelo seu povo". "Ajudem – afirmou ainda o papa – os membros do seu
clero a acolher e apreciar o que foi alcançado, de modo que eles, por sua vez,
possam ajudar os fiéis enquanto se acostumam com a nova tradução".
"A
sagrada liturgia e as suas formas – acrescentou o papa – estão profundamente
inscritas no coração de todos os católicos. Que não sejam economizados
quaisquer esforços para ajudar os catequistas e os músicos em suas respectivas
preparações para tornar a celebração do rito romano nas suas dioceses um
momento de grande graça e beleza, digna do Senhor e espiritualmente
enriquecedora para todos".
Assim,
após da liberalização da missa em latim pré-conciliar como rito extraordinário
do único rito romano, agora chega uma versão inglesa da missa que encerra a
época das traduções "livres" desejadas pelo Concílio Vaticano
II e reformula a liturgia com uma linguagem de características mais
arcaicas, mas mais aderentes ao original em latim.
Além
disso, não é por acaso que o papa tenha falado do assunto com os bispos
australianos no último 20 de outubro. Quem preside o órgão vaticano que compôs
o novo texto é o arcebispo de Sydney, George Pell. Pell presidiu
a comissão Vox Clara, o órgão da Congregação para o Culto Divino e a
Disciplina dos Sacramentos que geriu nos últimos anos o longo trabalho
sobre a linguagem do novo missal em inglês. A mesma congregação é liderada pelo
cardeal espanhol Antonio Cañizares, um homem próximo ao papa que gosta
da tradição litúrgica da Igreja e está empenhado em combater os abusos e as
interpretações livres da liturgia.
O cardeal
Pell, que recentemente começou a usar o novo missal, reconheceu que
"há algumas insatisfações" por parte dos fiéis, mas também observou
que "a grande maioria dos sacerdotes e das pessoas está contente com a
mudança e logo se acostumarão com ela". A nova liturgia, disse o cardeal,
é mais rica e muito menos banal do que a anterior.
No
entanto, particularmente nos Estados Unidos, muitos liturgistas, setores
do clero e comunidades de fiéis manifestaram a sua discordância. Em parte, quem
deu voz às críticas também foi a prestigiosa revista da Companhia de Jesus,
America. E depois começou um abaixo-assinado para frear a mudança,
promovido, dentre outros, por um padre de Seattle, Michael G. Ryan,
que já recolheu cerca de 23 mil assinaturas. No fim, no entanto, a oposição ao
novo missal parou porque corria o risco de minar a unidade da Igreja.
Por sua
parte, o chefe da Igreja norte-americana, o bispo de New Orleans, Gregory
Aymond, tentou minimizar a situação explicando: "As mudanças estão
apenas em palavras, não no rito". O problema gira em torno da herança do Concílio
Vaticano II e da vontade de Bento XVI de recuperar e manter viva a
tradição anterior também. Em 1963, foi estabelecido um órgão por parte dos
bispos de língua inglesa – a Icel (International Commission on
English in the Liturgy) – que devia dar seguimento à reforma conciliar, com
a qual se introduziu a missa nas línguas nacionais.
A partir
dos anos 1990, no entanto, começaram as contestações do Vaticano com relação à
missa em inglês. Em 2001, o Vaticano preparou uma nova
"Instrução" com o título Liturgiam Authenticam, com a
qual se estabeleciam novos critérios para as traduções do Missal Romano. Em
essência, se escolhia o método "literal" em vez do
"dinâmico". A Icel começou novamente a trabalhar em uma nova
versão da missa em inglês, mas o texto recebeu fortes críticas de teólogos de
língua inglesa. Em 2002, entretanto, foi criada a Vox Clara, que
gradualmente tomou o lugar da Icel e, finalmente, finalizou o texto que
agora entrará em vigor.
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