[unisinos]
18 de dezembro de 2011
“Não é possível contar a história da Ressurreição sem falar também de ‘Maria, a de Magdala’”. Foi essa mulher que, depois de ir ao túmulo onde Jesus havia sido depositado depois da crucificação, “viu que a pedra tinha sido retirada do túmulo e saiu correndo”, como relata o Evangelho, para se encontrar os discípulos e lhes contar a grande notícia.

Em entrevista por e-mail à IHU On-Line, Chris busca
desmontar por inteiro qualquer referência negativa a Maria Madalena:
“Não há nada nas Escrituras que sustente a ideia de que ela era uma
prostituta” e, “se Maria de Magdala fosse a esposa de Jesus e a mãe de
seu filho, é altamente improvável que esses textos teriam omitido esses
fatos importantes”.
Ao contrário, para a religiosa da congregação das Irmãs de São José,
Madalena foi a principal testemunha da Ressurreição e “uma líder
feminina que entendeu a missão de Jesus melhor do que os discípulos
homens”. “Curiosamente – afirma –, a Igreja Oriental nunca a identificou
como uma prostituta, mas honrou-a ao longo da história como ‘a Apóstola
dos Apóstolos’”.
É mestre em Obstetrícia e Teologia e, com a assistência da equipe da FutureChurch,
desenvolve e administra programas nacionais de base, incluindo questões
como a mulher na liderança da Igreja e no mundo, o futuro do ministério
sacerdotal e a situação das paróquias dos EUA. Durante os últimos 15
anos, a FutureChurch tem trabalhado para restaurar a consciência sobre Santa Maria de Magdala
como a primeira testemunha da Ressurreição e uma respeitada líder da
Igreja primitiva. Em 2011, mais de 340 celebrações de Santa Maria de
Magdala foram realizadas, incluindo 36 celebrações internacionais,
inclusive no Brasil. Em 2007 e 2008, Schenk coordenou uma ação
internacional para “pôr novamente as mulheres no quadro bíblico” no
Sínodo sobre a Palavra. Isso resultou no maior número mulheres da
história a participar de um sínodo do Vaticano, em um total de seis, que
atuaram como consultoras teológicas para os padres sinodais.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que sabemos sobre a vida de Maria Madalena? Quem foi essa mulher que seguiu Jesus, alcunhada com expressões tão díspares quanto “prostituta e esposa de Jesus” e “discípula amada e apóstola dos apóstolos”?
IHU On-Line – O que sabemos sobre a vida de Maria Madalena? Quem foi essa mulher que seguiu Jesus, alcunhada com expressões tão díspares quanto “prostituta e esposa de Jesus” e “discípula amada e apóstola dos apóstolos”?
Chris Schenk – Mesmo que Maria de Magdala
seja a segunda mulher mais frequentemente nomeada no Novo Testamento
depois de Maria, a mãe de Jesus, o que sabemos sobre ela é bastante
limitado, estando confinado aos textos dos Evangelhos canônicos e ao que
pode ser deduzido de como ela é retratada em uma série de textos
canônicos extras. No entanto, é impressionante o quanto os estudiosos
bíblicos podem nos dizer sobre ela, mesmo a partir desses dados
esparsos. Por exemplo, todos os quatro Evangelhos retratam-na como líder
do grupo de mulheres que testemunhou por primeiro os eventos que cercam
a Ressurreição. Todos os quatro descrevem-na exatamente com a mesma
frase: “Maria, a de Magdala”. Os estudiosos chamam isso de atestado
múltiplo, o que significa que há evidências históricas confiáveis de que
ela existiu e que não é possível contar a história da Ressurreição sem
falar também de “Maria, a de Magdala”.
Em Lucas 8, 1-3 ficamos sabendo que, com Joana, esposa de um alto funcionário de Herodes, Cuza, e Susana,
Maria de Magdala “e muitas outras mulheres” acompanhavam Jesus e os
discípulos homens pela Galileia e “os ajudavam com seus bens” . Esse
pequeno texto nos diz muito mais do que pode parecer, a princípio, para
os nossos ouvidos do século XXI, que não entendem os costumes sociais
que cercavam as mulheres no judaísmo palestino do primeiro século.
Para começar, as mulheres muito raramente eram nomeadas em textos
antigos. Se elas são nomeadas é porque tinham alguma proeminência social
e, mesmo assim, na maioria das situações, elas são nomeadas em relação
aos homens presentes em suas vidas, tais como seus maridos, pais ou
irmãos. As mulheres eram consideradas como parte da família patriarcal, e
era raro para elas ter uma identidade separada da de um parente do sexo
masculino. Assim, vemos Joana, a esposa do alto funcionário de Herodes, Cuza. Herodes é o rei. Joana faz parte de uma família rica pertencente a Cuza.
Mas quando Maria de Magdala é identificada, ela é nomeada pelo povoado de onde ela veio, não em relação a um parente do sexo masculino. Os estudiosos bíblicos acreditam que isso significa que Maria de Magdala era uma mulher rica de recursos independentes. E, com Joana e Susana (sobre quem, infelizmente, sabemos muito pouco), essas mulheres eram apoiadoras financeiras proeminentes da missão de Jesus na Galileia.
Assim começou uma longa história de patrocínio das mulheres que
ajudou o cristianismo a se espalhar de forma relativamente rápida por
todo o mundo mediterrâneo. Por exemplo, sabemos que Paulo tinha muitas
benfeitoras ricas, como Lídia e Febe, que apoiavam financeiramente o seu
ministério e o apresentaram a uma ampla gama de relações sociais no
mundo dos gentios que, de outras formas, ele não teria tido acesso.
Inclusão de mulheres
A inclusão de mulheres por parte de Jesus em seu discipulado itinerante pela Galileia não é nada menos do que notável. No judaísmo palestino, os judeus observantes homens não falavam publicamente com as mulheres de fora do seu círculo de parentesco, e muito menos lhes era permitido viajar com eles em público em uma comitiva de gênero misto. Embora a observância dos costumes judaicos fosse provavelmente menos estrita na Galileia do que em Jerusalém, eu acredito que a paixão de Jesus por proclamar o reino de Deus de justiça e de relações justas era tal que transcendia costumes, e ele sabia que a sua missão dada por Deus estava voltada para as mulheres assim como para os homens.
Inclusão de mulheres
A inclusão de mulheres por parte de Jesus em seu discipulado itinerante pela Galileia não é nada menos do que notável. No judaísmo palestino, os judeus observantes homens não falavam publicamente com as mulheres de fora do seu círculo de parentesco, e muito menos lhes era permitido viajar com eles em público em uma comitiva de gênero misto. Embora a observância dos costumes judaicos fosse provavelmente menos estrita na Galileia do que em Jerusalém, eu acredito que a paixão de Jesus por proclamar o reino de Deus de justiça e de relações justas era tal que transcendia costumes, e ele sabia que a sua missão dada por Deus estava voltada para as mulheres assim como para os homens.
As discípulas de Jesus muitas vezes ultrapassaram seus irmãos
discípulos em termos de fidelidade à sua pessoa, particularmente em
eventos em torno da paixão e morte dele. Enquanto os Evangelhos nos
dizem que os discípulos homens fugiram para a Galileia, as mulheres
ficaram do lado de Jesus ao longo da crucificação, morte, sepultamento e
Ressurreição. É por isso que todos os quatro Evangelhos mostram as
mulheres como as primeiras testemunhas. Elas sabiam onde Jesus havia
sido sepultado. E as mulheres foram, então, incumbidas a “ir e a contar
aos seus irmãos” a boa notícia da vitória de Jesus sobre a morte.
O fato de a mensagem da Ressurreição ter sido confiada por primeiro
às mulheres é considerado pelos estudiosos das Escrituras como uma forte
prova da historicidade dos relatos da Ressurreição. Se os relatos da
Ressurreição de Jesus tivessem sido fabricados, as mulheres nunca teriam
sido escolhidas como testemunhas, já que a lei judaica não reconhecia o
testemunho de mulheres.
Escritos cristãos extracanônicos antigos mostram comunidades de fé
inteiras crescendo em torno do ministério de Maria de Magdala, nos quais
ela é retratada como alguém que compreende a mensagem de Jesus melhor
do que Pedro e os discípulos homens. Os estudiosos nos dizem que esses
escritos não são sobre as pessoas históricas de Maria e de Pedro,
mas refletem, sim, tensões sobre os papeis de liderança das mulheres na
Igreja primitiva. Líderes proeminentes como Maria e Pedro foram
evocados para justificar pontos de vista opostos.
O que não é contestado é a representação de Maria de Magdala como uma importante mulher líder e testemunha das primeiras igrejas cristãs.
IHU On-Line – Em seu artigo Mary of Magdala, Apostle to the Apostles , você diz, entre outras coisas, que Maria Madalena “não era uma prostituta”. Em sua opinião, o que levou a essa confusão em torno da figura de Maria Madalena?
IHU On-Line – Em seu artigo Mary of Magdala, Apostle to the Apostles , você diz, entre outras coisas, que Maria Madalena “não era uma prostituta”. Em sua opinião, o que levou a essa confusão em torno da figura de Maria Madalena?
Chris Schenk – Uma explicação é uma leitura errônea
comum do Evangelho de Lucas, que nos diz “sete demônios saíram dela”
(Lucas 8, 1-3). Para os ouvidos do primeiro século, isso significava
apenas que Maria tinha sido curada de uma doença grave, e não que ela
era pecadora. Segundo biblistas como a Ir. Mary Thompson,
a doença era comumente atribuída ao trabalho dos espíritos maus, e não
associada com a pecaminosidade pessoal. O número sete simboliza que a
sua doença era crônica ou muito grave.
Além disso, como o conhecimento das muitas discípulas de Jesus
desapareceu da memória histórica, suas histórias se misturaram e se
borraram. A terna unção de Maria de Betânia antes da paixão de Jesus
estava ligada à mulher “conhecida por ser uma pecadora”, cujas lágrimas
lavaram e ungiram os pés de Jesus na casa de Simão. Os textos de unção
combinaram todas essas mulheres em uma só pecadora público-genérica:
“Magdalena”. A identificação equivocada de Maria como uma pecadora
pública reformada alcançou um status oficial com uma poderosa homilia
sobre o perdão do Papa Gregório Magno (540-604).
Doravante, Maria de Magdala se tornou conhecida no
Ocidente não como a forte mulher líder que acompanhou Jesus através de
uma morte tortuosa, que testemunhou por primeiro a sua Ressurreição e
proclamou o Salvador Ressuscitado à Igreja primitiva, mas como uma
mulher devassa com necessidade de arrependimento e de uma vida de
penitência escondida (e de preferência em silêncio). Curiosamente, a
Igreja Oriental nunca a identificou como uma prostituta, mas honrou-a ao
longo da história como “a apóstola dos apóstolos”.
IHU On-Line – Por que podemos falar de Maria Madalena como uma “mística”, com tão poucos elementos bíblicos (pelo menos nos Evangelhos canônicos) sobre essa mulher de Magdala? Qual seria a “mística” de Maria Madalena?
IHU On-Line – Por que podemos falar de Maria Madalena como uma “mística”, com tão poucos elementos bíblicos (pelo menos nos Evangelhos canônicos) sobre essa mulher de Magdala? Qual seria a “mística” de Maria Madalena?
Chris Schenk – Embora não saibamos exatamente como foi a experiência da Ressurreição para Maria de Magdala,
sabemos que ela teve uma experiência tão poderosa do Cristo
ressuscitado que a levou a correr para contar aos seus discípulos
irmãos: “Eu vi o Senhor”. Talvez bastante compreensivelmente, eles não
acreditaram nela à primeira vista. Mas, qualquer que tenha sido a
experiência de Maria, eu gosto de pensar que ela era uma mulher
profundamente mudada, e que a mudança observável provavelmente preparou o
caminho para que os outros discípulos se abrissem para receber as suas
próprias experiências do Cristo ressuscitado.
Parece claro para mim que, embora os discípulos tenham experimentado
uma “corporalidade” de Cristo nessas experiências da Ressurreição, não
era a mesma de uma ressuscitação de uma pessoa morta. Jesus estava vivo
de fato e se deu a conhecer a eles, mas ele também estava mudado o
suficiente, tanto que eles não o reconheceram à primeira vista. O
Evangelho de João nos diz que Maria primeiramente o
confundiu com o jardineiro e, só depois de ouvir Jesus chamar o seu nome
e literalmente “virar-se” [para trás], é que ela o reconheceu. Os
discípulos de Emaús (Lucas 24, 13-35) não reconheceram Jesus ao longo de
toda aquela longa jornada, somente no partir do pão. Assim, qualquer
que tenha sido a experiência da Ressurreição, ela não foi um
reconhecimento direto, mas envolveu algum sentido liminar e místico para
além das nossas capacidades perceptivas usuais. É dessa forma que eu
acredito que Maria de Magdala pode ser considerada uma mística.
IHU On-Line – Nesse sentido, qual é o significado mais profundo desse relato do momento mais memorável da experiência mística de Maria Madalena, ou seja, o fato de ela ter sido a primeira pessoa – e mulher – a testemunhar a Ressurreição?
IHU On-Line – Nesse sentido, qual é o significado mais profundo desse relato do momento mais memorável da experiência mística de Maria Madalena, ou seja, o fato de ela ter sido a primeira pessoa – e mulher – a testemunhar a Ressurreição?
Chris Schenk – Assim como muitas mulheres antes de
mim, eu experimentei uma “noite escura do patriarcado” depois de
perceber o quão íntima e profundamente toda a história ocidental (a
única história com a qual estou familiarizada) tornou as contribuições
das mulheres tudo, menos invisíveis.
O fato de Deus ter confiado por primeiro a proclamação da
Ressurreição a uma mulher me diz que, embora os seres humanos
discriminem, Deus não discrimina. Eu considero a inclusão das mulheres
no discipulado de Jesus na Galileia e o delicado equilíbrio de gêneros
por parte de Deus no evento da Ressurreição, que modificou o cosmos,
profundamente consoladores, especialmente agora, quando vemos um
aparente ressurgimento do medo do feminino entre muitos líderes homens
da Igreja institucional.
IHU On-Line – Na história da Igreja, outra Maria, a mãe de Jesus, ocupa um lugar central há séculos – especialmente na América Latina. Que semelhanças e diferenças você vê entre estas duas grandes figuras femininas do cristianismo, Maria, a mãe de Jesus, e Maria Madalena?
IHU On-Line – Na história da Igreja, outra Maria, a mãe de Jesus, ocupa um lugar central há séculos – especialmente na América Latina. Que semelhanças e diferenças você vê entre estas duas grandes figuras femininas do cristianismo, Maria, a mãe de Jesus, e Maria Madalena?
Chris Schenk – Nossa... Esse é um assunto que merece
uma discussão muito mais longa e estudada do que a breve resposta que
eu sou capaz de dar aqui. Basta dizer que – assim como o testemunho das
primeiras líderes bíblicas independentes como Maria de Magdala, Febe,
Lídia, Ninfa, Prisca e até mesmo a Maria de Nazaré histórica foi ou
suprimido ou apagado da memória histórica –, elas foram substituídas por
homens líderes da Igreja que levantaram uma reflexão teológica sobre
Maria como Virgem Mãe por honra e reconhecimento.
Em Mary, the feminine face of the Church, Rosemary Ruether
compara a Maria bíblica com Maria de Magdala e as outras discípulas
que, como vimos, desempenham um papel central e às vezes não
convencional nos Evangelhos. Embora haja muitas evidências no Novo
Testamento sobre o papel de Maria de Magdala e das outras discípulas, a
tradição da Igreja glorificou Maria, a mãe de Jesus, como a mulher fiel
que permaneceu lealmente ao seu lado. Muitos estudiosos acreditam que o
papel de Maria de Magdala foi suprimido porque ela apresentava um modelo
de liderança feminina independente que os posteriores homens líderes da
Igreja queriam evitar. Eles queriam evitar esse modelo por causa da
tensão na Igreja primitiva em torno do fato de mulheres cristãs
exercerem a liderança pública em uma cultura greco-romana que acreditava
que a liderança feminina só era apropriada em ambientes privados.
O culto à Virgem Maria
O culto à Virgem Maria ganhou proeminência no século IV, quando o cristianismo estava se tornando a religião obrigatória do Império Romano, cujo povo adorava Deus há muito tempo tanto na metáfora masculina como feminina. Muitos estudiosos encontraram semelhanças entre o culto à Maria e o culto à Grande Deusa Mãe (Ísis, Ártemis), proeminente no mundo mediterrâneo no qual o cristianismo rapidamente se espalhou. A glorificação e a veneração a Maria foram ao encontro de profundas necessidades espirituais e psicológicas para um povo cujos corações estavam acostumados a adorar a Deus com um rosto feminino. Estudiosos identificam muitas formas concretas pelas quais essa adaptação aconteceu. Lagos e nascentes onde as divindades femininas eram honradas passaram a ser associadas a Maria, a Virgem Mãe. Santuários e templos à Deusa foram rededicados a Maria, Mãe de Deus. Finalmente, como a teóloga Elizabeth Johnson observa, “não foi por acidente que a doutrina do século V da Theotokos [Mãe de Deus] foi proclamada em Éfeso, cidade famosa pela sua adoração entusiástica da deusa grega Diana” .
O culto à Virgem Maria
O culto à Virgem Maria ganhou proeminência no século IV, quando o cristianismo estava se tornando a religião obrigatória do Império Romano, cujo povo adorava Deus há muito tempo tanto na metáfora masculina como feminina. Muitos estudiosos encontraram semelhanças entre o culto à Maria e o culto à Grande Deusa Mãe (Ísis, Ártemis), proeminente no mundo mediterrâneo no qual o cristianismo rapidamente se espalhou. A glorificação e a veneração a Maria foram ao encontro de profundas necessidades espirituais e psicológicas para um povo cujos corações estavam acostumados a adorar a Deus com um rosto feminino. Estudiosos identificam muitas formas concretas pelas quais essa adaptação aconteceu. Lagos e nascentes onde as divindades femininas eram honradas passaram a ser associadas a Maria, a Virgem Mãe. Santuários e templos à Deusa foram rededicados a Maria, Mãe de Deus. Finalmente, como a teóloga Elizabeth Johnson observa, “não foi por acidente que a doutrina do século V da Theotokos [Mãe de Deus] foi proclamada em Éfeso, cidade famosa pela sua adoração entusiástica da deusa grega Diana” .
Esse fenômeno foi visto mais recentemente, quando consideramos como a veneração de Nossa Senhora de Guadalupe se
espalhou rapidamente por todo o México, cujos povos nativos haviam sido
devastados muito recentemente pela conquista e pelas doenças dos
invasores espanhóis do século XVII. A compreensão indígena do sagrado
não tinha nenhuma categoria para qualquer ser divino que não incluísse
também o feminino. Tepeyec, o local da revelação guadalupana, era o antigo lugar da grande deusa da terra Tonanzin. Tonanzin significa
“mãe” na história nativa Nahuatl. Finalmente, os povos nativos
encontraram um ser divino com o qual eles poderiam se relacionar. O Pe. Virgilio Elizondo fez esta tradução da mensagem de Nossa Senhora de Guadalupe por meio de Juan Diego
para o povo recentemente derrotado: “Saibas e entendas tu, o menor dos
meus filhos, que eu sou sempre Virgem Maria, Mãe do verdadeiro Deus por
quem se vive. Desejo vivamente que me seja erguido aqui uma casita, para
nele mostrar e dar todo o meu amor, compaixão, auxílio e defesa a ti, a
todos vós, a todos os moradores desta terra e aos demais que me amam,
que me invocam e em mim confiam. Ouvirei ali os seus lamentos e
remediarei todas as suas misérias, penas e dores” .
Elizabeth Johnson, CSJ, fala de forma muito bela ao
observar que uma das razões pelas quais Maria tem sido tão importante na
história da Igreja é que: “Maria tem sido um ícone de Deus. Para
inúmeros fiéis, ela tem funcionado no sentido de revelar o amor divino
como misericordioso, próximo, interessado, sempre pronto a ouvir e a
responder às necessidades humanas, confiável e profundamente atrativo, e
tem feito isso em um grau impossível quando se pensa em Deus
simplesmente como um homem ou homens de poder. Consequentemente, em
devoção a ela como uma mãe compassiva que não vai deixar que um de seus
filhos se perca, o que realmente está sendo mediado é uma experiência
mais atraente de Deus?”
Então, embora seja uma tragédia da história que, pelo menos até
recentemente, as discípulas de Jesus e de São Paulo ou foram apagadas da
memória histórica ou degradadas a prostitutas em favor do modelo
totalmente puro e, no fim das contas, inacessível de Maria, a
virgem-mãe, o outro lado da moeda é que, de alguma maneira, Deus
encontrou uma forma de preservar o acesso humano ao divino feminino na
experiência cristã. É claro que o ensino oficial da Igreja nunca afirmou
que Maria é divina, mas as reflexões de muitos teólogos e as
experiências de oração dos fiéis muitas vezes sugerem que outra coisa
está em ação.
De fato, Johnson encontra na tradição mariana um
“filão de ouro que pode ser ‘explorado’, a fim de recuperar o imaginário
e a linguagem femininas sobre o santo mistério de Deus”. Na tradição
mariana, sugere ela, “onde quer que a ultimidade do divino seja evocada
nas Escrituras, na doutrina ou na liturgia ou onde quer que a ultimidade
da confiança do fiel seja convocada, podemos supor que a realidade de
Deus está sendo nomeada em metáforas femininas” .
IHU On-Line – Como Maria Madalena nos ajuda a pensar a liderança das mulheres na Igreja e na sociedade de hoje? É possível chegar à igualdade de gênero na Igreja Católica?
IHU On-Line – Como Maria Madalena nos ajuda a pensar a liderança das mulheres na Igreja e na sociedade de hoje? É possível chegar à igualdade de gênero na Igreja Católica?
Chris Schenk – Talvez o aspecto mais importante da recuperação da memória histórica da liderança de Santa Maria de Magdala é que as fiéis contemporâneas podem, pela primeira vez, se ver nas histórias do Evangelho e na história da Igreja primitiva.
Quando eu era criança, eu tinha a impressão, assim como quase todo
mundo que eu conhecia, que era Jesus e os 12 homens que viajavam ao
redor da Galileia fazendo o bem. Eu nunca via ninguém que se parecesse
comigo nos Evangelhos. As mulheres pareciam ser todas as prostitutas,
pecadoras, habitadas por demônios ou uma Mãe virgem. Nenhum desses
modelos a serem seguidos era muito atraente. Fiquei escandalizada quando
eu descobri, por meio dos meus estudos bíblicos, que Maria de Magdala foi
a primeira testemunha da Ressurreição e que não há nada nas Escrituras
que sustente a ideia de que ela era uma prostituta. Parecia uma grande
injustiça o fato de ser assim que uma grande mulher de fé como ela era
lembrada na história da Igreja, pelo menos na Igreja latina. E eu
resolvi fazer algo a respeito.
Então, se nós, como Igreja, podemos começar a ver que Jesus (e mais tarde São Paulo)
incluiu mulheres que eram líderes no seu discipulado mais próximo, isso
leva à pergunta: “Bem, por que a Igreja não pode incluir mulheres como
líderes hoje?”. Atualmente, a Igreja ensina que as mulheres são iguais.
No entanto, nenhuma estrutura da Igreja lhes permite exercer essa
igualdade de forma alguma. Só homens podem eleger o Papa, liderar
dioceses, pastorear paróquias e pregar na Missa. Isso é uma grande perda
para a comunidade de fiéis, já que necessariamente sempre ouvimos o
Evangelho através da lente da experiência masculina. Estamos perdendo a
oportunidade de ouvir as grandes verdades da nossa fé através das lentes
da experiência feminina.
Todas as decisões na governança da Igreja exigem a ordenação, e a
Igreja ensina que as mulheres não podem ser ordenadas. Portanto, temos
ensinamentos conflitantes aqui. Eles não podem estar ambos certos. É por
isso que eu acredito que, no fim, teremos a igualdade feminina na
Igreja. Mas será uma longa luta e ela só virá através da graça de Deus
em ação, convertendo os homens tomadores de decisão (lembre-se, até São Paulo
se converteu) e sustentando as dezenas de milhares de mulheres e homens
que trabalham para essa igualdade de muitas e variadas formas nos
nossos dias.
IHU On-Line – Como vimos, é impossível entender Maria Madalena sem levar em conta sua relação com Jesus. O que sabemos sobre a relação de Jesus com as mulheres em geral? Que sementes de “mística feminina” já estão presentes na vida de Jesus ou na vida das mulheres que o seguiram?
IHU On-Line – Como vimos, é impossível entender Maria Madalena sem levar em conta sua relação com Jesus. O que sabemos sobre a relação de Jesus com as mulheres em geral? Que sementes de “mística feminina” já estão presentes na vida de Jesus ou na vida das mulheres que o seguiram?
Chris Schenk – Isso é algo interessante para se
refletir. A partir dos Evangelhos, vemos que Jesus tinha muitas amizades
com mulheres, e não apenas com Maria de Magdala. Certamente, Maria e Marta de Betânia eram amigas queridas, semelhante a uma família para ele. Maria de Betânia
assumiu o papel de estudante rabínico (tradicionalmente reservado aos
homens), sentando-se aos pés de Jesus para ouvir e aprender. Ele se
recusou a mandá-la embora, não obstante Marta tenha
protestado. “Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada”,
diz Jesus (Lucas 10, 38-42). O Evangelho de João mostra Marta fazendo uma profissão de fé semelhante à de Pedro quando
Jesus a ordena a acreditar que seu irmão vai ressuscitar: “Sim, Senhor,
eu creio firmemente que tu és o Cristo, o Filho de Deus, aquele que
deve vir ao mundo” (João 11, 27).
O autor joanino também mostra que Jesus se alimentou com a conversa
teológica e a subsequente conversão da mulher samaritana: “Eu tenho um
alimento para comer, que vós não conheceis” (João 4, 32).
A mulher da unção – seja ela Maria de Betânia, no
Evangelho de João, ou a discípula anônima vista em Mateus e Marcos –
certamente entendeu a missão messiânica de Jesus melhor do que os
discípulos homens que a criticaram. A fé da mulher de que Jesus estava
de fato entrando em seu reino se mostrou pelo fato de ela ungir a cabeça
de Jesus, um ato semelhante à unção realizada pelo profeta Samuel,
significando a realeza de Davi. O gesto profético e amoroso dessa
mulher deve ter sido muito reconfortante para Jesus enquanto ele
enfrentava a sua paixão e morte.
Não me sinto confortável com a frase “mística feminina” neste
contexto, já que a mística é mística e, em si mesma, não tem gênero.
Dito isso, o encontro humano com o divino provavelmente pode ser
influenciado pelo gênero do ser humano que só pode expressar tal
encontro por meio do veículo da sua humanidade masculina ou feminina.
Por exemplo, a mística São João da Cruz é expressa de forma diferente do que a de Santa Teresa de Ávila.
Ambos têm encontros místicos com o divino que expressam em uma
linguagem única, influenciada pela totalidade da sua humanidade, o que
inclui o seu gênero.
Nos Evangelhos, vemos muitos exemplos de encontros de Jesus com o
Divino. O Evangelho de Lucas (Lucas 4, 18-19) revela que Jesus modelou a
sua missão a partir dos escritos dos profetas. Primeiro, ele anuncia a
sua missão de Deus na sinagoga da sua cidade natal de Nazaré, citando
Isaías 61, 1,2: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pois ele me
consagrou com a unção, para anunciar a Boa Nova aos pobres: enviou-me
para proclamar a libertação aos presos (…) para dar liberdade aos
oprimidos”. Isso nos diz que Jesus foi profundamente influenciado pelos
ensinamentos religiosos da sua própria tradição e encontrou a sua
verdadeira identidade por meio do que poderia ser chamado de um encontro
místico com a Justiça Divina, mediada pelos escritos de Isaías. Jesus
passou o resto de sua vida pública sendo fiel ao seu chamado a proclamar
o reino de Deus onde a justiça e a relação justa prevalecem, por fim,
entre pobres e ricos, homens e mulheres, soberano e sujeito, forte e
fraco.
IHU On-Line – Outra figura de destaque na história do cristianismo é Paulo de Tarso. Em sua opinião, quais as semelhanças ou diferenças entre esse grande apóstolo da Igreja primitiva e a “apóstola dos apóstolos”, Maria Madalena?
IHU On-Line – Outra figura de destaque na história do cristianismo é Paulo de Tarso. Em sua opinião, quais as semelhanças ou diferenças entre esse grande apóstolo da Igreja primitiva e a “apóstola dos apóstolos”, Maria Madalena?
Chris Schenk – Tanto Maria de Magdala quanto Paulo tiveram experiências do Cristo Ressuscitado que mudaram as suas vidas. Essa é a grande semelhança.
A diferença é que as viagens e as cartas missionárias de Paulo às
primeiras comunidades em todo o mundo mediterrâneo foram preservadas e
fornecem um excelente retrato dos desafios reais enfrentados pelos
primeiros cristãos. Eles são os primeiros escritos cristãos que temos.
Infelizmente, não temos nenhum registro direto semelhante do que
aconteceu na vida e no testemunho subsequentes de Santa Maria de
Magdala. Só podemos deduzir de fontes extracanônicas que ela era
lembrada em algumas comunidades primitivas como uma proeminente líder
mulher e discípula que compreendeu a missão de Jesus melhor do que os
seus irmãos.
As cartas de Paulo também fornecem informações valiosas sobre a
liderança coigual nas comunidades cristãs primitivas. Romanos 16 nos
fala sobre os “colaboradores em Cristo” de Paulo, o casal Prisca e Áquila. O fato de Prisca ser
nomeada primeira em quatro das seis vezes em que o casal é citado no
Novo Testamento nos diz que ela provavelmente era a mais proeminente da
dupla. Prisca e Áquila fundaram comunidades em Corinto, Éfeso e Roma que
serviram como base de evangelização em cada uma dessas grandes cidades.
Com Paulo, eles podem ser legitimamente chamados de “apóstolos aos
gentios”, porque, como o próprio Paulo diz: “Eu lhes sou agradecido, e
não somente eu, mas também todas as Igrejas fundadas entre os gentios”
(Romanos 16, 04). Paulo louva outro casal de missionários, Júnias e seu marido Andrônico, como “apóstolos notáveis” (Romanos 16, 7). Júnia é a única mulher no Novo Testamento a quem é dado o título de “apóstola”.
IHU On-Line – Maria Madalena e Jesus coexistem no imaginário coletivo como um exemplo de um “amor proibido”, especialmente devido ao “beijo na boca” narrado nos Evangelhos apócrifos ou à dúvida sobre quem é a mulher que derrama “um perfume de nardo puro” nos pés de Jesus. Como você analisa, inspirada em Madalena, a conexão entre erotismo, sensualidade e mística?
IHU On-Line – Maria Madalena e Jesus coexistem no imaginário coletivo como um exemplo de um “amor proibido”, especialmente devido ao “beijo na boca” narrado nos Evangelhos apócrifos ou à dúvida sobre quem é a mulher que derrama “um perfume de nardo puro” nos pés de Jesus. Como você analisa, inspirada em Madalena, a conexão entre erotismo, sensualidade e mística?
Chris Schenk – Como disse anteriormente, a minha
interpretação dos textos sobre a unção não se baseia em um erotismo
místico, mas no significado profético da unção sobre a cabeça, como Samuel fez quando ungiu o rei Davi.
Todos os quatro Evangelhos falam sobre uma mulher que unge Jesus com
um caro unguento perfumado. Em Mateus e Marcos, a mulher unge a cabeça
de Jesus, evocando o profeta Samuel. Quando ela é
criticada, Jesus a defende: “Onde for anunciado o Evangelho, no mundo
inteiro, será mencionado também, em sua memória, o que ela fez” [Marcos
14, 9]. Infelizmente, essa mulher jamais é lembrada, já que, nas
leituras do Domingo de Ramos, onde esse texto se encontra, ele é ou
omitido ou tornado opcional.
Lucas retrata a mulher como uma pecadora pública, cuja unção dos pés de Jesus significa a sua grande fé e perdão. João mostra Maria ungindo os pés de Jesus no ambiente íntimo de Betânia.
Como o lava-pés era um ritual devocional central na comunidade joanina,
não é de se estranhar que João combina a história de Lucas da unção dos
pés de Jesus com antigas tradições de unção da sua cabeça. Em Mateus,
Marcos e João, a unção acontece pouco antes da prisão e paixão de Jesus.
Mas o que a unção significa? A tradição mais antiga, que evoca a unção profética de Samuel,
é a pista. Essa discípula fiel entendeu a passagem de Jesus pela paixão
e morte como a sua entrada real ao reino messiânico onde a liderança
servidora reinará para sempre. O ato dela deve ter sido profundamente
consolador para Jesus, enquanto ele enfrentava a efusão final para a
vida do mundo.
Nas palavras de Isaías: “Eis o meu servo, dou-lhe o
meu apoio. É o meu escolhido, alegria do meu coração. Pus nele o meu
espírito, ele vai levar o direito às nações”. Para os seguidores de
Jesus, a lavagem e a unção dos pés é uma estrada real que leva à vitória
da Justiça.
A publicação em 2002 de O Código Da Vinci inflamou uma ampla polêmica em torno do verdadeiro papel de Maria de Magdala. Infelizmente, o livro de Dan Brown,
embora sendo uma narrativa ficcional envolvente, fez um desserviço à
Maria de Magdala histórica e a outras líderes mulheres da Igreja
primitiva. Apesar de O Código Da Vinci transmitir um
belo ideal da unidade essencial do masculino e feminino, ele é, em
última análise, subversivo à liderança plena e igualitária das mulheres
na Igreja, porque se centra na ficção do estado marital de Maria, em vez
de se centrar no fato da sua liderança em proclamar a Ressurreição de
Jesus.
Não há dados históricos ou bíblicos para sustentar a especulação de que Maria de Magdala
era casada com Jesus. A controvérsia de que os escritores antigos não
mencionam o seu casamento e sua prole por medo da perseguição judaica
realmente não se sustenta, porque o Evangelho de João e grande parte da
literatura apócrifa foram escritos depois da queda de Jerusalém, quando
não haveria nada a temer das autoridades judaicas. Se Maria de Magdala fosse
a esposa de Jesus e a mãe de seu filho, é altamente improvável que
esses textos teriam omitido esses fatos importantes, especialmente
porque ela é retratada proeminentemente tanto como a principal
testemunha da Ressurreição quanto uma líder feminina que, de muitas
formas, entendeu a missão de Jesus melhor do que os discípulos homens.
Se Jesus foi casado, não foi com Maria de Magdala, porque então ela
teria sido conhecida como “Maria, a esposa de Jesus”, e não Maria de
Magdala. Como vimos, convenções literárias e sociais na Antiguidade
ditavam que, quando as mulheres eram mencionados (uma ocorrência muito
rara), elas eram quase sempre nomeadas pela sua relação com a família
patriarcal, por exemplo: “Joana, mulher de Cuza, alto funcionário de
Herodes” (Lucas 8, 1-3). De forma atípica, Maria de Magdala foi nomeada de acordo com a cidade da qual ela provinha (não pela sua relação com um homem).
Mística, erotismo e sensualidade
Minha opinião sobre a conexão entre erotismo e mística não se inspira naquilo que se pode saber da relação de Maria de Magdala com Jesus, já que os dados históricos sobre um relacionamento romântico é, no máximo, tênue.
Mística, erotismo e sensualidade
Minha opinião sobre a conexão entre erotismo e mística não se inspira naquilo que se pode saber da relação de Maria de Magdala com Jesus, já que os dados históricos sobre um relacionamento romântico é, no máximo, tênue.
Dito isso, eu acredito que há, de fato, uma conexão entre erotismo e
mística, e essa conexão pode ser facilmente vista em muitos dos escritos
e das experiências dos grandes místicos, como João da Cruz e Teresa de Ávila.
A experiência do mistério do amor de Deus é uma experiência
profundamente humana. Somos Espíritos encarnados. Outra forma de dizer
isso, como um fisioterapeuta amigo meu disse uma vez, é perceber que
“nossos corpos são a parte mais densa do nosso Espírito”. Disso segue-se
que, em qualquer encontro com o divino, nossos corpos vão refletir isso
de alguma forma.
Para aqueles abençoados com experiências consoladoras do amor de
Deus, pode não ser incomum encontrar nossos sentidos corporais tão
cheios e consumados quanto depois de uma expressão amorosa do amor
sexual íntimo. Isso não quer dizer que a experiência mística é o mesmo
que o orgasmo sexual, mas sim que há uma satisfação na totalidade do
nosso eu que se parece com o grande mistério e prazer da satisfação
sexual humana. Alguns acham que essa satisfação divina é ainda mais
profundamente satisfatória.
As escrituras geralmente usam metáforas esponsais para descrever o
amor de Deus pelo seu povo. Certamente, esse amor mais poderoso dos
amores humanos é uma metáfora apropriada para descrever o amor
insuperável de Deus por cada pessoa e pelo mundo.
IHU On-Line – Você é diretora-executiva da FutureChurch, com sede em Cleveland, que iniciou em 1997 uma celebração especial da festa de Maria de Magdala, no dia 22 de julho. Por que essa data? Como é essa celebração e quais são seu significado e seu propósito mais profundos
IHU On-Line – Você é diretora-executiva da FutureChurch, com sede em Cleveland, que iniciou em 1997 uma celebração especial da festa de Maria de Magdala, no dia 22 de julho. Por que essa data? Como é essa celebração e quais são seu significado e seu propósito mais profundos
Chris Schenk – Nós escolhemos o dia 22 de julho
porque é o dia da festa de Santa Maria de Magdala, celebrada pela
Igreja universal. As celebrações surgiram por causa da minha paixão por
esclarecer de uma vez por todas que Maria de Magdala não foi uma prostituta, mas sim a primeira testemunha da Ressurreição.
As celebrações são organizadas para apresentar aos católicos comuns o
estudo bíblico contemporâneo sobre Santa Maria de Magdala e de outras
mulheres nas Escrituras. As definições da cerimônia de oração também
proporcionam um lugar em que mulheres competentes podem pregar e
presidir em funções litúrgicas visíveis.
O significado e propósito mais profundos dessas celebrações é que
tanto homens como mulheres aprendam sobre a liderança das mulheres nos
Evangelhos e experimentem o fato de mulheres servirem em papéis de
liderança sagrada, alguns pela primeira vez. Quando começamos essas
celebrações em Cleveland, Ohio, uma amiga trouxe o seu
grupo de mulheres das Alcoólicas Anônimas. Algumas dessas mulheres
estavam em lágrimas durante toda a celebração, porque era a primeira vez
que se experimentavam como igualmente santas e amadas por Deus em
comparação com seus irmãos.
Foi assim que eu soube que estávamos tocando algo muito profundo na psique feminina e, por extensão, na psique masculina. Como nós, mulheres, raramente nos vemos nas Escrituras e quase nunca vemos mulheres servindo em papéis sagrados no altar, nós muitas vezes inconscientemente interiorizamos que temos menos valor e somos menos amadas por Deus do que os nossos irmãos.
Foi assim que eu soube que estávamos tocando algo muito profundo na psique feminina e, por extensão, na psique masculina. Como nós, mulheres, raramente nos vemos nas Escrituras e quase nunca vemos mulheres servindo em papéis sagrados no altar, nós muitas vezes inconscientemente interiorizamos que temos menos valor e somos menos amadas por Deus do que os nossos irmãos.
Eu acho que a Igreja Católica jamais será curada do sexismo e da
misoginia enquanto tanto as mulheres como os homens experimentem o
ministério a partir de mulheres e de homens. Todos nós precisamos do
ministério de ambos os gêneros.
IHU On-Line – Que outras mulheres místicas você destacaria a partir das Escrituras ou da história do cristianismo? Como essas mulheres nos ajudam a pensar a mística feminina na contemporaneidade?
IHU On-Line – Que outras mulheres místicas você destacaria a partir das Escrituras ou da história do cristianismo? Como essas mulheres nos ajudam a pensar a mística feminina na contemporaneidade?
Chris Schenk – Esse é um assunto muito extenso para
abordar em profundidade aqui. Mas basta dizer que, ao longo da história,
as mulheres muitas vezes exerceram a liderança espiritual que lhes era
negada na Igreja institucional escrevendo sobre seus encontros místicos
com um Deus amoroso que conforta, consola e traz justiça.
Vemos isso nos escritos do século XII de Hildegard de Bingen,
que era uma visionária, vidente e curadora. Ela ficava assombrada com a
corrupção do seu próprio tempo: “Este tempo é um tempo afeminado,
porque a revelação da justiça de Deus é fraca. Mas a força da justiça de
Deus está se manifestando, uma guerreira lutando contra a injustiça,
para que esta possa cair derrotada” (Carta 23). Hildegard entendeu-se como essa guerreira feminina, a personificação da justiça de Deus.
Teresa de Ávila foi uma proeminente mística
espanhola do século XVI que foi ameaçada pela Inquisição por três vezes.
Quando as pessoas citavam a prescrição paulina de que as mulheres devem
ficar em silêncio e nunca ter a pretensão de ensinar na Igreja (1 Tim
2, 11-14), ela contestava com palavras que ela havia recebido de Jesus
em oração: “Diga-lhes que não sigam apenas uma parte da Escritura
sozinha (…) e pergunte-lhes se poderão, por ventura, atar minhas mãos”
(Testemunhos Espirituais, 15).
No final do século XIV, em um tempo em que a guerra e a peste assolavam toda a Europa, Julian de Norwich
trouxe uma mensagem reconfortante para as pessoas aterrorizadas pela
morte súbita: Deus não odeia os pecadores, mas só tem amor e compaixão
por eles. Julian foi uma mística que experimentou uma
cura milagrosa e teve visões que lhe deram intuições sobre o amor de
Jesus. Ela escreveu sobre isso em um livro chamado Showings.
Era um risco escrever sobre o amor de Deus em vez dos pecados das
pessoas, porque, naqueles dias, a Igreja considerava a minimização do
pecado uma heresia punível com a morte. Grande estudiosa e teóloga, Julian também foi uma mulher corajosa e criativa que confiava completamente em um Deus amoroso.
As mulheres de hoje têm acesso à mesma formação teológica e bíblica
que os homens. Isso permite que os fiéis dos nossos dias apreendam o
Deus-mistério através das lentes da experiência feminina em uma
linguagem que possa ser entendida tanto por homens como por mulheres.
Esse é um grande dom para a Igreja e está, de fato, abrindo novas formas
de compreensão e de apreciação do Mistério divino que, afinal de
contas, sempre será um mistério. Essa é para mim uma das coisas
favoritas sobre Deus... Sempre haverá mais para aprender, explorar e
amar.
IHU On-Line – Em sua opinião, considerando a atual situação social, socioeconômica e política, qual é o papel da mística e da espiritualidade, especialmente feminina?
IHU On-Line – Em sua opinião, considerando a atual situação social, socioeconômica e política, qual é o papel da mística e da espiritualidade, especialmente feminina?
Chris Schenk – Eu acredito que, como as mulheres
muitas vezes têm experiência pessoal do que significa ser suprimidas,
oprimidas e deprimidas (para citar uma amiga minha), elas entendem muito
bem a importância de testemunhar o Deus de justiça e Jesus, que veio
para exaltar os humildes e libertar os oprimidos.
Se alguma vez for dada às mulheres a oportunidade de pregar
regularmente, eu suspeito que poderemos ouvir muito mais sobre a paixão
de Jesus pelo reino justo de Deus do que nós atualmente ouvimos a partir
da maioria dos púlpitos, em que os homilistas muitas vezes pregam
chavões piedosos, em vez de proclamar boas novas aos pobres.
A mística feminina, como qualquer mística (e a mística é a
experiência da maioria dos cristãos mais comprometidos, embora eles
nunca a nomeiem dessa forma), é chamada a ajudar a trazer o reino justo
de Deus aqui na terra, como no céu. Se você não acredita em mim, apenas
reveja a própria oração de Jesus, o Pai Nosso, que diz isso de forma
mais eloquente do que eu jamais poderia dizer.
A mística, então, também é chamada a ser profeta. E o profeta não
pode sobreviver sem uma comunicação mística regular com Aquele que nos
ama para além de toda a nossa compreensão e que nos fortalece para além
de todas as nossas fraquezas.

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