[bibliacatolica]
24 dezembro 2011
Fonte: Ecclesia Una
Após o ciclo de quatro semanas propostas pela Igreja no tempo do
Advento, celebramos hoje a Solenidade que faz maravilhar nossos
corações: o Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo. Deus entra no espaço e
no tempo dos homens. Fá-lo para realizar plenamente a salvação daqueles
que estavam carregados com o julgo do pecado.
“Apparuit enim gratia Dei salutaris omnibus hominibus –
Manifestou-se a graça salvadora de Deus a todos os homens” (Tt 2,
11). Esta é a festa da gloriosa manifestação da graça santificante.
Somos envoltos na luz da misericórdia e do amor de Deus, um Deus que
faz-se um de nós assumindo o rebaixamento da nossa condição humana. Esse
amor não aparece, mas manifesta-se. Manifesta-se, pois já existia, e
porque já existia manifestou-se. Mas que coisa é para nós hoje esta
manifestação? O que ela representa aos nossos dias atribulados pela
valorização de coisas efêmeras, de guerras, de ódios, de divisões? Vemos
com grande tristeza a perda dos valores natalinos.
Enfeitamos as casas,
os comércios, os, porém, corações continuam despreparados para acolher o
Menino Deus que vem para libertar-nos do pecado. Os símbolos natalinos
perdem seu valor e em nada traduzem o espírito natalino quando são
privados de exalar o perfume de Cristo. A Igreja não cessa de convidar
os católicos para que, profundamente tomados pela força revigoradora do
Cristo, possam manifestar ao mundo que o verdadeiro espírito do Natal
não há de consistir apenas nos presentes, pois hoje nos é dado o maior
presente; também não há de consistir apenas na árvore de Natal, pois os
céus se abrem hoje para manifestar que a Árvore da Vida implanta-se no
mundo para nos guiar até o céu.
A manifestação daquele
recém-nascido envolto em panos é também o grito de tantas crianças
colocadas à margem da sociedade e que nesta noite, tomadas pela
escuridão e pelo frio que as cercam não estão incluídas em seios
familiares. A elas também dirijo o meu pensamento e peço que não se
sintam abandonadas, mas que sintam a presença do Menino Jesus que as ama
e com elas permanece sempre.
O Senhor faz-se pequeno para que a o
gênero humano pudesse ser engrandecido, e o homem, tomado em sua
totalidade, visse a manifestação da glória de Deus, mas não somente a
visse como também a experimentasse, tocasse, por assim dizer, pudesse
fazer parte dela. Só desta forma os homens poderiam sentir-se abraçados
pelo grande amor de Deus, por Aquele que, a princípio, por ser grande e
estar infinitamente acima de nós parecia-nos distante e inalcançável.
Na
manifestação humilde do Filho de Deus o mundo encontra uma resposta a
todas as suas angústias, a todos as suas interrogações. Só Deus pode
responder verdadeiramente aos anseios do homem e só d’Ele provém a
felicidade eterna e verdadeira, que não se restringe a um instante mas é
algo novo, diferente. A alegria que provém de Deus não muda somente o
estado de espírito do ser humano; ela vai além: muda o modo de viver,
muda o coração e também os objetivos que deseja alcançar. Esta, e só
esta, é a felicidade divina.
Na sua maravilhosa obra Confissões, Santo Agostinho irá manifestar um triângulo de relacionamentos em um parágrafo que considero um dos mais belos. Diz ele: “Ó eterna verdade e verdadeira caridade e cara eternidade! Tu és o meu Deus, por ti suspiro dia e noite. Desde que te conheci, tu me elevaste para ver que quem eu via, era, e eu, que via, ainda não era. E reverberaste sobre a mesquinhez de minha pessoa, irradiando sobre mim com toda a força. E eu tremia de amor e de horror. Vi-me longe de ti, no país da dessemelhança, como que ouvindo tua voz lá do alto: ‘Eu sou o alimento dos grandes. Cresce e me comerás. Não me mudarás em ti como o alimento de teu corpo, mas tu te mudarás em mim’”.
São estas
belíssimas palavras que nos levam a contemplar novamente esta novidade
que vem do alto. Sim, Deus é uma verdade eterna, imutável. Em um mundo
que necessita exercitar seu empirismo para acreditar, a Igreja nos
exorta novamente a abandonarmos esta mentalidade. Busquemos Aquele pelo
qual acreditamos não por vermos e necessitarmos tocar, mas acreditamos
pelo Amor, um amor incondicional que instiga-nos a caminharmos em
direção do próximo, do que necessita nosso amparo e nosso amor, dos que
sofrem por não amarem. A estes o Senhor faz um convite incansável: Não
temam em abrir-se para o amor! Não temam em abrir-se a Mim!
Se
eterna é a verdade, a caridade há de ser, então, verdadeira. Só a
verdade pode levar o homem a sair de si mesmo e com Cristo, humilhar-se,
e em Cristo, ser unido a Ele sem jamais deixar-se atribular por
qualquer pressão do mundo. Renuncieis a esta vida e tereis a vida
eterna. Renunciai a vida eterna e nem mesmo esta vida tereis, pois não
existe maior desgraça para o homem do que afastar-se de seu Criador e
colocar-se na condição de um ser autossuficiente, senhor de si e de seus
desejos, podemos confirmá-lo nos vários sistemas políticos de
autoritarismo.
A união com Cristo, como lembrará o Santo Bispo ao
final de sua colocação, não é algo que assemelhá-Lo-á a mim, mas eu
assemelhar-me-ei a Ele. A iniciativa foi dada por Cristo: Ele veio ao
nosso encontro; tomemos agora a iniciativa de irmos ao encontro d’Ele,
de sairmos das trevas, de amá-lo sem reservas. Indubitavelmente a falta
de amor no mundo é consequência da falta de Deus, não porque Ele tenha
se afastado do mundo, mas o mundo afastou-se d’Ele.
“O povo, que
andava na escuridão, viu uma grande luz; para os que habitavam nas
sombras da morte, uma luz resplandeceu” (Is 9,1). Assim escutamos nesta
noite santa por meio do Profeta Isaias. Também o mundo de hoje caminha
em meio a uma forte escuridão. A cultura moderna está impregnada por
“sombras da morte”. Nós parecemos não enxergar nenhum sinal que venha
nos animar, parecemos atordoados pelas fadigas derivadas do peso que a
sociedade impõe. Nosso Senhor, no entanto, sempre aparece como Aquele
que conforta-nos e soluciona as nossas tribulações. Confiemos em Deus!
Não perece quem confia em Deus, mas aquele que nele não põe sua
esperança logo será abatido pelos ventos contrários. Em quem colocamos a
nossa confiança? Em Deus ou no mundo? No bem ou no mal? No que
fortalece ou no que atribula?
“Dominus dixit ad me filius meus es tu ego hodie genui te –
O Senhor me disse: Tu és meu filho e hoje te gerei” (Sl 2, 7). Essas
palavras a Igreja canta no Introito da Santa Missa da Noite Santa de
Natal. Sim, “gerado, não criado; consubstancial ao Pai”, assim
professamos no símbolo de fé niceno-constantinopolitano. Gerado desde
toda a eternidade, Jesus, cumprindo o salvífico desígnio do Pai,
restaura a condição humana decaída pelo pecado, reata os laços do homem
com Deus, cortados por Adão e Eva.
“Enquanto estavam em Belém,
completaram-se os dias para o parto, e Maria deu à luz o seu filho
primogênito” (Lc 2, 6). Com esta frase, absolutamente sóbria, São Lucas
narra o maravilhoso acontecimento que teve lugar na manjedoura. Mas que
significado tem aqui o termo “primogênito”? Indicaria uma sucessão de
filhos? A primogenitura, deste ponto de vista da Sagrada Escritura, na
Antiga Aliança, não significa uma sucessão de filhos, mas é um título de
honra. Jesus é sim o primogênito de Deus, de Maria e da História. Nele
Deus concretiza o seu desígnio em relação a sua graça salvadora na
humanidade. São Paulo usará desta palavra ao afirmar que Cristo é “o
primogênito de toda a criatura” (Cl 1, 15). Sim, tendo cumprido a sua
obra salvífica podemos afirmar que Ele torna-se também o primogênito de
muitos irmãos. Maria, assim, poderíamos associar como mãe de muitos
filhos. Aqui estão os outros filhos de Maria! Derivam da filiação
adotiva, daquele que é Filho de Deus por excelência: Jesus Cristo.
“Ela
o enfaixou e o colocou na manjedoura, pois não havia lugar para eles na
hospedaria” (Lc 2, 7). Não havia lugar para o Senhor e para sua mãe
naquela época. Também hoje muitos corações estão fechados à
receptividade do Reino de Deus que vem na pessoa desta frágil criança.
No frio daquela noite de Belém nasce Aquele que iria aquecer todos os
corações com a chama do seu amor misericordioso. Pedimos que os corações
sejam abertos a este menino salvador. Abram-se os corações e possam
acolher aquele que a dois mil anos foi rejeitado.
Que lugar Jesus
ocupa em nossos corações hoje? Esta pergunta deve fazer com que possamos
melhor vivenciar o verdadeiro espírito natalino. Muitos corações estão
endurecidos à mensagem que esta noite tem a transmitir-nos a Igreja.
Enquanto a efemeridade e o secundário forem postos como necessários os
homens não encontrarão a paz tão almejada. Não pode abrir-se ao mundo e
aos irmãos quem antes não estiver aberto a Deus, quem não se tornar
portador de sua Palavra e fizer de sua vida um Evangelho.
“Naquela
região havia pastores que passavam a noite nos campos, tomando conta do
seu rebanho” (Lc 2, 8). Quem eram os pastores? Por que a eles o anúncio
é dirigido primeiramente? Devemos dizer, em primeiro lugar, que os
pastores eram pessoas humildes, tidas à margem da sociedade. Eram
desconhecedores da Lei e, portanto, não a vivenciavam-na; andavam com
suas ovelhas por diversos campos, inclusive campos pagãos; por tudo
isso, eram julgados pelos fariseus e considerados impuros e indignos de
participar das cerimônias de culto.
Mas se por um lado lhes pesava
o fardo da exclusão, por outro, todo este sacrifício deu-lhes uma
consolação maior que qualquer outra: Contemplar a face do Salvador feito
homem; contemplar um Deus que é tão pequeno, tão humilde, tão frágil e
quis necessitar do nosso amor. Não há na mitologia grega e nos deuses
romanos nenhum Deus que tenha se feito homem; mas há para nós, homens e
mulheres, testemunhas do Evangelho. O nosso Deus não constitui parte de
uma literatura mítica. Ele existe! Ele vive! E hoje Ele inclina-se dos
altos céus não para condenar-nos, mas para nos mostrar quão grande é o
seu amor; um amor capaz de doar-se, capaz de não apenas inclinar-se para
olhar-nos, mas descer para estar conosco.
Precisamente esta impressão, pela qual hoje somos tomados, acometeu os pastores que contemplaram maravilhados o menino. Deixaram tudo, ao escutar o anúncio do anjo. Certamente houve um grande temor por parte deles, afinal não lhes era comum ver aquele personagem vindo do céu. O que os pastores nos ensinam? Esta resposta nos é dada pelo Papa Bento XVI: “Deles queremos aprender a não deixar-nos esmagar por todas as coisas urgentes da vida de cada dia. Deles queremos aprender a liberdade interior de colocar em segundo plano outras ocupações – por mais importantes que sejam – a fim de nos encaminharmos para Deus, a fim de O deixarmos entrar na nossa vida e no nosso tempo. O tempo empregue para Deus e, a partir d’Ele, para o próximo nunca é tempo perdido. É o tempo em que vivemos de verdade, em que vivemos o ser próprio de pessoas humanas” (Homilia do Natal do Senhor, 2009). Ademais ensinam-nos que só o amor pode nos dar coragem para vencer o medo. Só o amor nos dá coragem para seguir a Cristo. Quem tem uma fé fraca e deixa-se abalar pelas coisas do mundo ainda não está apto para tal seguimento. Por vezes há momentos de queda, mas a força que vem de Deus dá-nos a certeza de que não estamos abandonados. Deus está conosco!
Deixemos tudo, como fizeram os pastores. Coloquemo-nos a
caminho de Belém e enquanto caminhamos, rezemos: Vem, ó Senhor! Toca os
corações endurecidos; renova os nossos corações; dissipa o ódio e o mal
da face da terra; reafirmai vossa primazia e poder sobre todos os homens
e em todos os tempos. Renovai vosso ardente desejo de sermos Evangelhos
vivos para os homens de nossos dias. Revigora o ânimo dos
entristecidos; conforta os tristes; curai os enfermos; acolhei os
abandonados. Tornai-nos corações vigilantes na expectativa de que,
habitando Cristo em nossos corações, possamos abitar igualmente no
coração amoroso d’Ele. Concede paz ao mundo dilacerado pela guerra, paz
verdadeira e duradoura. Paz a todos os cristãos nos mais diversos
países, perseguidos por causa do vosso nome. Livrai-nos da tentação de
colocar-Vos em último lugar, mas que possais crescer enquanto nós, assim
como João Batista, possamos diminuir.
A todos os meus votos de um Feliz e Santo Natal. Que a luz de Cristo resplandeça em vossos corações e em vossas famílias.
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