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10/01/2012
Incapaz de vender a alma ao diabo, a Rede Bandeirantes acaba de revender seu santo horário da noite para o pastor R.R. Soares, o líder da Igreja Internacional da Graça de Deus. O seu ‘Show da Fé’
de 20 minutos, que começava religiosamente às 21h, agora vai durar uma
hora inteira, a partir das 20h30. Não se sabe ainda quanto custou esse
novo e triplicado milagre, mas pelo contrato antigo o bom pastor já
pagava R$ 5 milhões mensais à Band. O vil metal falou mais alto para a
TV de Johnny Saad, que anunciava a devolução do horário
nobre da noite a seriados consagrados, como o 24 Horas, para concorrer
com as novelas da Globo e as séries do SBT, todas com melhor audiência.
A reportagem é de Luiz Cláudio Cunha e publicada pelo jornal eletrônico Sul21, 09-01-2012.
A novidade escangalhou os planos do argentino Diego Guebel,
que assumiu a direção artística da Band em outubro passado com a
promessa de recuperar o espaço nobre e caro da noite para atrações mais
mundanas do que a prosopopeia de Soares. A bíblica derrota de Guebel na
Band é apenas outro indício da onda avassaladora do dinheiro que afoga a
TV brasileira deste Brasil cínico que finge ser laico e imune à força
econômica da religião e seus falsos profetas. Os canais de rádio e TV
são concessões públicas, supostamente alheias aos credos e seitas
religiosas que transformaram estúdios, igrejas, templos e estádios em
púlpitos eletrônicos cada vez mais invasivos e escancarados.
Não
existe ninguém no Governo ou no Congresso brasileiros com coragem para
frear essa flagrante ilegalidade, sancionada por verbas, dízimos,
patrocínios e uma farta hipocrisia. A irrestrita capitulação aos padres e
pastores que lideram milhões de fiéis (e eleitores) ficou escancarada
na última eleição presidencial, em 2010, quando os dois principais
candidatos com raízes na esquerda — Dilma Rousseff e José Serra
— sucumbiram vergonhosamente à chantagem das correntes mais atrasadas
das igrejas, frequentando missas e cultos com o gestual mal ensaiado de
pios devotos que não sabiam nem metade da missa, nem qualquer salmo dos
evangelhos. Encenaram um constrangedor teatro de conversão medida para
não ofender o eleitor mais ortodoxo. Para não perder votos, Dilma e Serra caíram
na armadilha do falso debate religioso sobre o aborto — um tema que um e
outro, por mera consciência política ou formação acadêmica, sabem que
nos países mais evoluídos não passa de um grave e secular problema de
saúde pública.
A submissão das instâncias do Estado secular ao
poder cada vez maior das igrejas pode ser medida pela intrusão cada vez
mais descarada da fé nos meios eletrônicos do Brasil, que deturpam a
concessão pública pelo proselitismo religioso vetado pela Constituição. A
igreja católica brasileira agrupa hoje mais de 200 rádios e quase 50
emissoras de TV, contra 80 rádios e quase 280 emissoras de TV de oito
braços do crescente ramo evangélico. É um domínio que se fortalece cada
vez mais, embora adaptando seu perfil para fórmulas mais agressivas e
despudoradas de avanço sobre o bolso das populações mais pobres, mais
desesperadas, menos instruídas.
Comer ou dormir
Em agosto de 2011, a Fundação Getúlio Vargas divulgou o Novo Mapa das Religiões,
um denso estudo realizado pelo Centro de Políticas Sociais da FGV, com
base em 200 mil entrevistas formuladas pelo IBGE em 2009 a partir de sua
Pesquisa de Orçamento Familiar (POF). O trabalho
mostrou que o Brasil deixará de ser a maior nação católica do mundo nos
próximos 20 anos, mantida a queda progressiva que sofre a Igreja no
país. Ela representava 83,24% da população em 1991 e caiu para 68,43% em
2009. “As mudanças que antes ocorriam em 100 anos agora acontecem em
10. Se esta perda de 1% de católicos por ano continuar, a Igreja
católica terá em 20 anos menos da metade da população brasileira”,
destacou o coordenador da pesquisa, Marcelo Côrtes Neri, economista-chefe do Centro de Políticas Sociais da FGV.
A economia é um forte indutor desta transformação, diz Neri.
Ele lembra que as chamadas ‘décadas perdidas’ de 1980 e 1990 foram
demarcadas pela queda do catolicismo em contraste com a ascensão dos
grupos evangélicos, especialmente seus ramos mais belicosos e vorazes —
os neopentecostais. O período de 2003 a 2009, compreendido entre duas
graves crises econômicas, observa uma segunda explosão evangélica,
passando de 17,9% para 20,2%. A primeira explosão, ainda maior, ocorreu
nas últimas seis décadas do Século 20, quando os evangélicos aumentaram
seu rebanho em sete vezes: passaram de 2,6% em 1940 para 15,4% em 2000. A
FGV foi buscar no alemão Max Weber (1864-1920), o pai
da moderna sociologia, o fundamento teórico que explica o avanço
arrebatador dos evangélicos, a partir de sua obra mais conhecida — A
ética protestante e o ‘espírito’ do capitalismo, publicada em 1904-05.
Ali, Weber explica o maior desenvolvimento capitalista
nos países protestantes no Século XIX e a maior proporção desses fiéis
entre empresários e trabalhadores mais qualificados. “A tese de Weber era
que o estilo de vida católico jogava para outra vida a conquista da
felicidade. A culpa católica inibiria a acumulação de capital e a lógica
da dívida de trabalho, motores fundamentais do desenvolvimento
capitalista”, escreve Neri.
Weber: Melhor comer que dormir em paz
Weber repetia
um ditado da época: “Entre bem comer ou bem dormir, há que escolher. O
protestante quer comer bem, enquanto o católico quer dormir sossegado”. O
pensador alemão constrói seu texto em cima de máximas do inventor e
calvinista americano Benjamin Franklin (1706-1790), um
dos líderes da Independência dos Estados Unidos, que dizia que “tempo é
dinheiro” e “dinheiro gera mais dinheiro”. Era uma notável conversão
justamente aos argumentos opostos que levaram ao grande cisma do
cristianismo, no início do Século 16, quando um atrevido padre
agostiniano alemão, Martinho Lutero, pregou nos portões
da igreja de Wittenberg as suas 95 teses que desafiavam a autoridade do
Papa e quebravam a hegemonia de Roma sobre o mundo cristão. Na época,
Lutero denunciava justamente o que seria o âmago da Reforma Protestante:
o desvio do caminho de fé da igreja primitiva para o atalho da
corrupção, da indulgência, da simonia e da luxúria de papas e cardeais
rodeados de amantes e concubinas, antecessores lascivos dos bispos e
padres que comem criancinhas.
Teologia do bolso
Lutero e
sua radical volta às origens, estimulando o protesto aos desvios éticos
de Roma e o retorno à palavra original dos evangelhos, geraram os dois
termos que identificam os segmentos mais prósperos da dissidência
cristã: os protestantes e os evangélicos, onde brilha sua facção mais
agressiva e endinheirada — o pentecostalismo, que hoje abriga no mundo
cerca de 600 milhões de seguidores, pulverizados em 11 mil seitas e
subgrupos. Ali viceja sua parcela mais faustosa: a corrente
neopentecostal, a que pertencem o abonado bispo R.R. Soares e seus parceiros mais ricos, os também bispos Edir Macedo, Silas Malafaia e Valdemiro Santiago,
cada um chefiando sua própria seita, sempre na condição suprema de
‘apóstolos’. Todos mostram uma devoção especial pela alma e pelo bolso
de seus seguidores, a quem não se acanham de pedir contribuições
financeiras a que, recatadamente, chamam de ‘oferta’.
Para não
atormentar ainda mais a vida de sua aflita freguesia, os quatro chefes
religiosos tratam de facilitar ao máximo as ofertas financeiras. Na tela
da TV de seus animados cultos, sempre se oferece o número das contas
bancárias, a bandeira dos cartões de crédito ou o telefone para
informações extras que permitam a oferta, rápida e facilitada. Nenhum
deles fica ruborizado pela insistência do pedido de ajuda, porque todos
são pios devotos da ‘Teologia da Prosperidade’, uma doutrina pecuniária
que faria o velho Lutero engolir cada uma das 95 teses que vomitou
contra a cupidez da velha Roma.
A ideia nasceu, evidentemente, no
coração do capitalismo, os Estados Unidos, no início do Século XX. O
pai dessa fé sonante é o americano Essek William Kenyon
(1867-1948), um evangelista de origem metodista nascido em Saratoga,
Estado de Nova York. Descobriu o milagre do rádio e plantou ali a sua
“Igreja no Ar”, a ancestral eletrônica dos R.R.Soares e Malafaias da vida. Espalhou então aos quatro ventos o lema que explica as benesses divinas da fartura: “O que eu confesso, eu possuo”.
Kenyon passou o bastão da prosperidade para um conterrâneo, Kenneth Erwin Hagin
(1917-2003), um jovem texano com deficiência cardíaca, que caiu de cama
quando adolescente. Garantiu ter ido e voltado ao inferno e ao céu não
uma, nem duas, mas três (três!) vezes. Com este desempenho singular, até
para campeões de esportes radicais, o jovem naturalmente converteu-se.
Dizendo-se ungido para ser mestre e profeta, Hagin garantia
ter tido oito (oito!) visões de Cristo na década de 1950, além de
acumular alguns passeios extracorpóreos. Tudo isso acrescido pela divina
revelação de que os verdadeiros fiéis deviam gozar de uma excelente
saúde financeira e que o caminho da fortuna passava, inevitavelmente,
pela prosperidade de seus profetas aqui na Terra. Foi sopa no mel, e a
teologia da prosperidade conquistou corações e mentes — e bolsos.
Na conta do santo
A
primeira semente deste ostensivo neopentecostalismo brotou no Brasil
com a Igreja Universal do Reino de Deus, fundada em 1977 pelo bispo Edir Macedo. Três anos depois, o pastor R.R. Soares, casado com Magdalena, irmã de Macedo, saiu do ninho da Universal para fundar sua própria igreja, a Internacional da Graça de Deus,
que acaba de alugar a tela do horário nobre da Band graças ao verbo
divino e a verba milionária do pastor. Uma década depois, o bispo Macedo,
ainda mais próspero do que o cunhado, comprou a sua própria rede de TV,
a Record, hoje a segunda maior audiência do país (4,7 pontos) no
horário nobre das noites de dezembro passado, embora ainda distante da
Globo (13,8).
Os televangelistas brasileiros aparentemente
compõem um paraíso na terra e no ar rico em mirra, incenso e ouro, muito
ouro. Há tempos, quatro grupos evangélicos rondam o empresário Sílvio Santos,
que topa tudo por dinheiro, na esperança de amealhar o espaço das
madrugadas do SBT por módicos R$ 20 milhões mensais. Em 2009, o próprio Edir Macedo alvejou sua maior concorrente: ofertou R$ 545 milhões para alugar o espaço das madrugadas da Rede Globo para
a sua Igreja. A Globo piscou, não respondeu, e o bispo voltou à carga
em agosto passado, disposto a mover céus e terras. Nada feito.
A
contabilidade desses pastores, pelo jeito, oscila entre o inferno e o
paraíso. O bispo que oferecia milhões para comprar um naco do maior
concorrente era o mesmo dono da Igreja que fazia um descarado apelo em
seu blog, em abril passado, para que os fieis juntassem alguns trocados
para ajudá-lo a pagar a conta salgada de seu site. Coisa miúda, apenas
R$ 107.622 mensais, que o pobre bispo diz gastar com despesas mundanas
como hospedagem do servidor, salário dos funcionários, água, luz e
gastos administrativos da manutenção do site. “Se o Espírito Santo lhe
tocar, nos ajude a carregar essa responsabilidade”, escreveu o bispo,
implorando por uma doação mínima de R$ 20.
O espírito santo, aparentemente, tocou a Rede Globo. A emissora dos Marinho odeia o bispo Macedo,
mas adora os evangélicos. Na véspera do Natal de 2011, 18 de dezembro, a
maior rede desta vasta nação católica rasgou o hábito e transmitiu o
seu primeiro evento evangélico, gravado uma semana antes no Aterro do
Flamengo, no Rio. O público presente, apenas 20 mil pessoas, foi uma
heresia para as ambições bíblicas da Globo, mas a fiel audiência na
telinha na tarde do domingo seguinte foi uma bênção divina. Ao longo
dos 75 minutos do programa, condensado de quase oito horas de gravação
ao vivo (entre 14h e 21h30), apresentaram-se nove artistas no ‘Festival Promessas 2011′, sob o comando do astro global Serginho Groisman. Um dos mais festejados foi o cantor Regis Danese,
39 anos, que vendeu um milhão de cópias com um único disco gospel,
“Compromisso”, o único a conquistar o primeiro lugar em rádios e TVs
seculares do país e que lhe garantiu a indicação para o prêmio Grammy
Latino em 2009.
A conversão da Globo
Antes desse sucesso, Danese já era consagrado como artista do “Só Pra Contrariar”,
um grupo de pagode que ainda ostenta o 27º lugar do ranking brasileiro,
com 8 milhões de discos vendidos. Apesar disso, com problemas no
casamento, converteu-se ao protestantismo no início do século. Salvou o
matrimônio com Kelly, sua parceira musical, e engordou
ainda mais o bolso. O álbum “Compromisso”, que conquistou o ‘Disco de
Diamante’ pela venda de 500 mil cópias em apenas quatro meses de 2008,
traz o seu maior sucesso, Faz um Milagre em Mim. O jornalista Tom Phillips, do diário britânico The Guardian, anotou que, logo após sua triunfal apresentação no festival da Globo, Danese foi
indagado na entrevista coletiva sobre os fundamentos deste milagre
musical: “O senhor escutou a voz de Deus? O que ele disse?”,
perguntavam-lhe. O ex-pagodeiro explicava e, embevecido, o isento
repórter da revista Nova Jerusalém ressoava a cada resposta: “Amém.
Louvado seja o Senhor!”
A genuflexão da Globo não representa uma súbita
conversão da emissora ao credo evangélico da música: “A Globo não é um
canal católico, e sim secular e republicano. Apenas documentamos um
festival gospel por sua crescente importância na vida cultural do
Brasil”, esquivou-se Luiz Gleizer, diretor da TV, ao
jornalista britânico que ecoou o festival sob uma manchete embalada pela
típica ironia inglesa: “O Gospel começa a dar o tom no Brasil, a casa
da bossa nova”.
Os profetas da Globo não sabem entoar um único salmo, mas como os apóstolos eletrônicos da concorrência também têm um ouvido afinado pelo doce tilintar das moedas do templo. Isso não é contado nem no confessionário, mas os querubins globais sussurram nos corredores da ‘Vênus Platinada’ que os direitos de comercialização e os espaços publicitários do festival renderam à Globo algo entre R$ 35 milhões a R$ 55 milhões, o suficiente para remir muitos pecados, dúvidas e dívidas, aqui na terra e lá no céu. O grupo é dono da gravadora Som Livre e de um catálogo religioso onde brilham ídolos como o padre católico Fábio de Melo, que já vendeu quase 2 milhões de CDs pelo selo global.
O olho cúpido e republicano da Globo está mirando um mercado de música gospel que o The Guardian estima em R$ 1,5 bilhão, um paraíso econômico onde se irmanam crentes, artistas, emissoras laicas, pastores, espertalhões, vigaristas e políticos de todas as crenças, devotos todos do santo dinheiro que cai do céu diretamente em seus bolsos. O fluminense Arolde de Oliveira, deputado federal pelo PSD — aquele diabólico partido nascido da costela do prefeito Gilberto Kassab e que garante não pertencer nem ao paraíso, nem ao inferno, nem ao purgatório —, é dono da rádio 93 FM e do Grupo MK Music, que ele jura ser o maior selo de música gospel do continente. “Mais de 60 milhões de brasileiros estão direta ou indiretamente ligados à Igreja Evangélica”, lembra o deputado Oliveira. A Globo, como se vê, tem a inspiração divina e o ouvido apurado.
O festival Promessas abriu as portas de uma terra prometida para os profetas globais. No domingo gospel, a audiência da Globo subiu aos céus, dando-lhe a indulgência de miraculosos 13 pontos no Ibope (cada ponto representa 58 mil aparelhos ligados), bem mais do que os 7 humildes pontos habituais do horário. O pastor Silas Malafaia, inimigo da Universal do bispo Macedo, aproveitou e tripudiou no seu site: “A Record não acreditou nos evangélicos, a Globo acreditou e arrebentou na audiência! Enquanto a Record fala mal dos cantores e da igreja, a Globo abre espaço para o louvor e adoração a Deus”. E arrematou com um desajeitado elogio que deve ter sobressaltado as almas globais: “Quando os que deveriam abrir as portas fecham, Deus usa os ímpios para glorificá-lo”. Iluminada pela santa promessa do Ibope, a ímpia Rede Globo prepara mais três edições do sucesso gospel para 2012 — duas versões regionais e uma nacional, evitando cuidadosamente o Rio de Janeiro, que já padece a praga de um congestionamento evangélico todo santo ano.
O golpe do martelinho
Valdemiro Santiago é outro desgarrado da Universal. Depois de ser considerado um virtual sucessor de Edir Macedo, brigou com ele e saiu para fundar em 1998 a sua seita, a Igreja Mundial do Poder de Deus. Começou com 16 membros e hoje o apóstolo Valdemiro chefia mais de dois mil templos, alguns na África e em Portugal, e um jornal mensal, Fé Mundial, com tiragem de 500 mil exemplares — além de um maçante trololó diário de 22 horas na Rede 21, uma subsidiária da Rede Bandeirantes, que administra as duas horas restantes.
Sua marca registrada é um chapéu de boiadeiro, o que reforça sua imagem de astro sertanejo, que costuma ganhar espaço até no Jornal Nacional da Globo, uma devota do divisionismo que Valdemiro poderia provocar nas legiões de seu arqui-inimigo Edir Macedo. Quando enfrenta problemas de caixa, Valdemiro confia no santo gogó. Em 2010, chorou diante das câmeras de TV ao convocar 150 mil fiéis para ofertarem R$ 153, o número de peixes de um alegado milagre de Cristo. Faturou cerca de R$ 23 milhões.
Empolgado, o bispo sertanejo imaginou outra forma esperta de arrecadar dinheiro fácil, mas desta vez sem choro. Criou a campanha do “Martelinho da Justiça”, um pequeno, baratinho malho de madeira capaz de quebrar mandingas, maus-olhados e “as pedras que atravessam os seus caminhos”. A clava fajuta de Valdemiro, que despertaria a inveja do grande Thor, devia ser canonizada como a mais cara do mundo: cada oferta pelo martelinho tinha o mínimo de R$ 1 mil e Valdemiro esperava que 10 mil de seus seguidores o abençoassem com a compra do mimo, o que rechearia seu chapelão com R$ 10 milhões.
No reclame da Igreja Mundial na TV, o pastor de português trôpego, voz rouca, terno e gravata mostrava a certeza das favas divinas e muito bem calculadas: “Ainda hoje ou amanhã, na primeira hora, você vai até a agência bancária e faz esta ‘ofertinha’ de R$ 1 mil. Depois, mandaremos o martelinho pelo correio”. Para esse milagre acontecer, bastava ao crente fazer o depósito nas contas indicadas na tela e disponíveis no Banco do Brasil, Bradesco ou Caixa Econômica Federal. “De preferência no BB, como o nosso apóstolo tem nos orientado”, aconselhava o pastor, com ar compungido.
A atrevida igreja de Valdemiro já vendeu garrafinhas Pet de 400 ml com ‘água ungida’, entregues por ‘ofertas’ de R$ 100, R$ 200 ou até R$ 1.000, prometendo resultados espantosos: “Uma única gota dessa água será o suficiente para mudar a história de sua vida, para lhe abençoar de uma forma poderosa”, jurava o santo homem, escoltado por outros oito pastores calados e sisudos, todos de gravata e terno escuro. Se usassem óculos pretos iria parecer uma paródia do CQC, sem a divina graça do programa humorístico da Band que sucede o show religioso do pastor R.R. Soares nas noites da segunda-feira.
O trovão homofóbico
O bizarro merchandising da Mundial tem produzido bons resultados, pelo menos para as finanças da igreja de Valdemiro. No primeiro dia de 2012 ele inaugurou em Guarulhos, SP, a ‘Cidade Mundial’, um megatemplo de 240 mil metros quadrados e capacidade para acolher 150 mil fieis da Igreja Mundial do Poder de Deus — mais de duas vezes a lotação prevista do Itaquerão (68 mil lugares), o estádio que o Corinthians está construindo para a Copa do Mundo de 2014. Para erigir o templo, Valdemiro viu a igreja aumentar seus gastos mensais em R$ 30 milhões, prova de que o martelinho e a garrafinha são realmente miraculosos.
O pastor Silas Malafaia, chefe supremo da AVEC, sigla da associação que mantém a Igreja Vitória em Cristo, é a voz mais trovejante desse abusado mercado da fé ancorado nos fundamentos pétreos da Teologia da Prosperidade. Embora tenha os mesmos instrumentos de redenção econômica de Edir Macedo, Malafaia é um inimigo mortal do dono da Universal. Divergiram até na eleição presidencial de 2010: ele primeiro apoiou Marina Silva, depois fulminou sua opção pelo plebiscito no debate sobre o aborto (“cristão não tergiversa nesse tema”), e acabou fazendo campanha por Serra, adversário de Dilma, apoiada justamente pelo rival bispo Macedo. Malafaia é figura fácil no Congresso Nacional, em Brasília, onde veste a armadura de sua santa cruzada contra a proposta de lei que combate a homofobia: “O projeto [que garante a livre orientação sexual] é a primeira porta para a pedofilia”, reza, com a fúria dos justos. Numa entrevista a uma revista religiosa, crucificou como “idiotas” todos os pastores que, ao contrário dele, não apostam suas fichas, martelinhos e garrafinhas na Teologia da Prosperidade.
Ele não poupa a garganta e fala muito: quase todo santo dia, Malafaia se esparrama por cinco horas de programas variados em redes nacionais como CNT, Rede TV, Boas Novas e Bandeirantes e ocupa os sábados de emissoras regionais em outros 15 Estados. Seu programa se espalha pelos Estados Unidos e Canadá e, desde meados de 2010, Malafaia atinge 142 milhões de lares em 127 países da África, Ásia, Oriente e Médio e Europa, com o apoio da americana Inspiration Network, que faz a dublagem para o inglês.
Para tornar mais veraz sua pregação, às vezes importa dos Estados Unidos especialistas nesta riqueza material. No ano passado, junto com o pastor americano Mike Murdock, Malafaia lançou o projeto do “Clube de 1 Milhão de Almas”. Alma, sabem os televangelistas, custa caro. Ele pretendia arrebanhar um milhão de crentes para sua grei e seus programas de TV, mediante a ‘oferta’ (voluntária, claro) de R$ 1 mil — ou seja, um martelinho de madeira, pelo generoso chapéu do bispo Valdemiro. Na conta do lápis, uma bolada plena de R$ 1 bilhão, capaz de pagar mais do que cinco Mega-Senas da Virada, que bateu em R$ 177 milhões no réveillon de 2011. Os ofertantes ganhariam o livro 1001 Chaves da Sabedoria, do pastor Murdock, e um certificado do clube milionário, em todos os sentidos.
Para inspirar o seu rebanho, Malafaia teve a feliz ideia de colocar um contador de acessos na página da igreja para que todos acompanhassem a adesão em catadupa do milhão de almas. Algo deu errado, ou o martelinho não funcionou. Lançado em abril do ano passado, o contador da igreja Vitória em Cristo virou uma estátua de sal, como a mulher de Lot em Gênesis (19,26) e estagnou num número pífio: miseráveis 58.875 almas era a contagem de quinta-feira passada, 5 de janeiro. Um inferno de faturamento que não chegou a R$ 60 milhões, muito distante do paraíso do R$ 1 bilhão arquitetado pelo diabólico Malafaia. Faltam portanto ainda 941.125 almas para Malafaia inaugurar, sob as trombetas de Jericó, o seu clube milionário. Haja martelinho!
O supermercado da fé
O bravo Malafaia não desiste facilmente. Em 2009 ele lançou a campanha de uma Bíblia por módicos R$ 900, pouco menos que um martelinho. Era a tarifa da Bíblia da Batalha Espiritual e Vitória Financeira, sacada genial de outro gênio da prosperidade, o pastor americano Morris Cerullo. Desta vez, a garrafinha deve ter funcionado, pois antes do final do ano ele viajou à Flórida, nos Estados Unidos, e lá viu se materializar, em nome da Vitória em Cristo, um jato executivo Cessna quase novo, modelo Citation Excel, pela bagatela de 12 milhões — de dólares !
Se alguém tiver alguma restrição a Bíblia, martelinho ou garrafinha, nem assim terá qualquer constrangimento para auxiliar o empreendimento celestial de Malafaia. Na sua página na Internet (www.vitoriaemcristo.org), o bom pastor dá a boa notícia de que todos podem participar de sua jornada, tornando-se seu ‘Parceiro Ministerial’, um programa de fidelidade da Igreja que arrecada fundos para manter seus programas de TV. A porta está aberta a “qualquer pessoa que receba de Deus a visão de abençoar vidas, proclamando o Evangelho por meio das mensagens do pastor Malafaia”, explica o dono do site e da igreja. Dependendo do tamanho da carteira, seu título de parceiro também cresce: o ‘Especial’ paga R$ 15 mensais, o ‘Fiel’ doa R$ 30 e o ‘Gideão’ entra na cota de sacrifício do martelinho: R$ 1 mil mensais, com direito a um exemplar por mês da revista Fiel, livros, Bíblias e um cartão para 10% de descontos nos produtos da Editora Central Gospel comprados pelo telemarketing, “desde que não esteja em promoção”.
Virar parceiro do pastor é fácil, pagar é muito mais. A organização abençoada de Malafaia trabalha com o ganhoso instrumental financeiro de uma grande loja de departamentos, como convém a este éden da prosperidade. A igreja Vitória em Cristo opera, sem preconceitos, com cartões Visa, Master, Diners, Amex ou Hipercard e tem contas abertas, sem discriminação, com o Banco do Brasil, HSBC, Bradesco ou Itaú, além de trabalhar com boletos bancários ou cheques nominais. Malafaia aceita boletos antecipados para o ano todo, mas nenhuma contribuição abaixo de R$ 15. Acima, pode.
Abobrinhas e beterraba
Agora, esse mundo dourado de riquezas, promessas, ofertas, obras e fartura vai ganhar outro e inesperado púlpito: um espaço de brilho, luzes e discussões mundanas, terrenas, insinuantes, quase lascivas. Começa na terça-feira (10/1) a 12º edição do ‘Big Brother Brasil’, o reality show da Globo que arrebata o país por 12 semanas no seu jogo canalha de perfídias, traições, intrigas e sensualidade explícitas, onde garotas curvilíneas e garotos musculosos, todos transbordantes de hormônios e carentes de neurônios, desfilam suas abobrinhas em diálogos patetas e reflexões idiotas. O jornalista Eugênio Bucci, professor de Ética Jornalística da ECA-USP e da ESPM, de São Paulo, tatuou o BBB como “o mais deseducativo programa da TV brasileira, onde a fama justifica qualquer humilhação”.
Na TV, onde nada se cria e tudo se copia, a Record também tem sua versão BBB, “A Fazenda”, com mais roupa e a mesma dose intragável de papo imbecil. A personal trainer Joana, a vencedora da versão 4 da Fazenda, que acabou em outubro passado, arrebatou R$ 2 milhões após encontrar uma beterraba premiada, entre outros sofisticados desafios intelectuais.
Apesar dessa crônica indigência, mais de 130 mil jovens brasileiros se inscreveram para o BBB12, ao longo de sete meses, filtrados em seletivas regionais em 10 capitais. É uma febre televisiva que pode parar até a maior cidade brasileira, São Paulo, onde chega a bater em 40% do Ibope, o que significa quase dez milhões de telespectadores, metade da população da Grande SP.
A vencedora do BBB de 2011, a modelo paulista Maria Helena, 27 anos, de São Bernardo do Campo, faturou um cheque de R$ 1,5 milhão ganhando o voto por telefone de 51 milhões de pessoas. Se fosse candidata a presidente em 2010, Maria Helena, capa da edição de junho de 2011 da revista Playboy, teria derrotado José Serra por mais de sete milhões de votos e perderia para Dilma Rousseff por menos de cinco milhões.
Boninho, o diretor do BBB, apimentou a receita em 2012, para horror do pastor Malafaia, infiltrando quatro homossexuais entre os doze sarados concorrentes. “Três dos quatro gays são mulheres”, adiantou o lúbrico Boninho no seu tuíter. Ele não disse, mas o programa de 2012 terá também a atração extra de duas evangélicas, a assistente comercial mineira Kelly, 28 anos, e a zootécnica baiana Jakeline, 22. O empresário Danilo Leal, 45 anos, pai de Jakeline, acha que a filha vai resistir bem ao paredão impiedoso do BBB, apesar de evangélica: “Ela não é recatada. Espero que Jakeline aproveite bem seus 15 minutos de fama e faça o pé de meia”, reza o empresário, dando sua sanção paternal para o que der e vier.
Os profetas da Globo não sabem entoar um único salmo, mas como os apóstolos eletrônicos da concorrência também têm um ouvido afinado pelo doce tilintar das moedas do templo. Isso não é contado nem no confessionário, mas os querubins globais sussurram nos corredores da ‘Vênus Platinada’ que os direitos de comercialização e os espaços publicitários do festival renderam à Globo algo entre R$ 35 milhões a R$ 55 milhões, o suficiente para remir muitos pecados, dúvidas e dívidas, aqui na terra e lá no céu. O grupo é dono da gravadora Som Livre e de um catálogo religioso onde brilham ídolos como o padre católico Fábio de Melo, que já vendeu quase 2 milhões de CDs pelo selo global.
O olho cúpido e republicano da Globo está mirando um mercado de música gospel que o The Guardian estima em R$ 1,5 bilhão, um paraíso econômico onde se irmanam crentes, artistas, emissoras laicas, pastores, espertalhões, vigaristas e políticos de todas as crenças, devotos todos do santo dinheiro que cai do céu diretamente em seus bolsos. O fluminense Arolde de Oliveira, deputado federal pelo PSD — aquele diabólico partido nascido da costela do prefeito Gilberto Kassab e que garante não pertencer nem ao paraíso, nem ao inferno, nem ao purgatório —, é dono da rádio 93 FM e do Grupo MK Music, que ele jura ser o maior selo de música gospel do continente. “Mais de 60 milhões de brasileiros estão direta ou indiretamente ligados à Igreja Evangélica”, lembra o deputado Oliveira. A Globo, como se vê, tem a inspiração divina e o ouvido apurado.
O festival Promessas abriu as portas de uma terra prometida para os profetas globais. No domingo gospel, a audiência da Globo subiu aos céus, dando-lhe a indulgência de miraculosos 13 pontos no Ibope (cada ponto representa 58 mil aparelhos ligados), bem mais do que os 7 humildes pontos habituais do horário. O pastor Silas Malafaia, inimigo da Universal do bispo Macedo, aproveitou e tripudiou no seu site: “A Record não acreditou nos evangélicos, a Globo acreditou e arrebentou na audiência! Enquanto a Record fala mal dos cantores e da igreja, a Globo abre espaço para o louvor e adoração a Deus”. E arrematou com um desajeitado elogio que deve ter sobressaltado as almas globais: “Quando os que deveriam abrir as portas fecham, Deus usa os ímpios para glorificá-lo”. Iluminada pela santa promessa do Ibope, a ímpia Rede Globo prepara mais três edições do sucesso gospel para 2012 — duas versões regionais e uma nacional, evitando cuidadosamente o Rio de Janeiro, que já padece a praga de um congestionamento evangélico todo santo ano.
O golpe do martelinho
Valdemiro Santiago é outro desgarrado da Universal. Depois de ser considerado um virtual sucessor de Edir Macedo, brigou com ele e saiu para fundar em 1998 a sua seita, a Igreja Mundial do Poder de Deus. Começou com 16 membros e hoje o apóstolo Valdemiro chefia mais de dois mil templos, alguns na África e em Portugal, e um jornal mensal, Fé Mundial, com tiragem de 500 mil exemplares — além de um maçante trololó diário de 22 horas na Rede 21, uma subsidiária da Rede Bandeirantes, que administra as duas horas restantes.
Sua marca registrada é um chapéu de boiadeiro, o que reforça sua imagem de astro sertanejo, que costuma ganhar espaço até no Jornal Nacional da Globo, uma devota do divisionismo que Valdemiro poderia provocar nas legiões de seu arqui-inimigo Edir Macedo. Quando enfrenta problemas de caixa, Valdemiro confia no santo gogó. Em 2010, chorou diante das câmeras de TV ao convocar 150 mil fiéis para ofertarem R$ 153, o número de peixes de um alegado milagre de Cristo. Faturou cerca de R$ 23 milhões.
Empolgado, o bispo sertanejo imaginou outra forma esperta de arrecadar dinheiro fácil, mas desta vez sem choro. Criou a campanha do “Martelinho da Justiça”, um pequeno, baratinho malho de madeira capaz de quebrar mandingas, maus-olhados e “as pedras que atravessam os seus caminhos”. A clava fajuta de Valdemiro, que despertaria a inveja do grande Thor, devia ser canonizada como a mais cara do mundo: cada oferta pelo martelinho tinha o mínimo de R$ 1 mil e Valdemiro esperava que 10 mil de seus seguidores o abençoassem com a compra do mimo, o que rechearia seu chapelão com R$ 10 milhões.
No reclame da Igreja Mundial na TV, o pastor de português trôpego, voz rouca, terno e gravata mostrava a certeza das favas divinas e muito bem calculadas: “Ainda hoje ou amanhã, na primeira hora, você vai até a agência bancária e faz esta ‘ofertinha’ de R$ 1 mil. Depois, mandaremos o martelinho pelo correio”. Para esse milagre acontecer, bastava ao crente fazer o depósito nas contas indicadas na tela e disponíveis no Banco do Brasil, Bradesco ou Caixa Econômica Federal. “De preferência no BB, como o nosso apóstolo tem nos orientado”, aconselhava o pastor, com ar compungido.
A atrevida igreja de Valdemiro já vendeu garrafinhas Pet de 400 ml com ‘água ungida’, entregues por ‘ofertas’ de R$ 100, R$ 200 ou até R$ 1.000, prometendo resultados espantosos: “Uma única gota dessa água será o suficiente para mudar a história de sua vida, para lhe abençoar de uma forma poderosa”, jurava o santo homem, escoltado por outros oito pastores calados e sisudos, todos de gravata e terno escuro. Se usassem óculos pretos iria parecer uma paródia do CQC, sem a divina graça do programa humorístico da Band que sucede o show religioso do pastor R.R. Soares nas noites da segunda-feira.
O trovão homofóbico
O bizarro merchandising da Mundial tem produzido bons resultados, pelo menos para as finanças da igreja de Valdemiro. No primeiro dia de 2012 ele inaugurou em Guarulhos, SP, a ‘Cidade Mundial’, um megatemplo de 240 mil metros quadrados e capacidade para acolher 150 mil fieis da Igreja Mundial do Poder de Deus — mais de duas vezes a lotação prevista do Itaquerão (68 mil lugares), o estádio que o Corinthians está construindo para a Copa do Mundo de 2014. Para erigir o templo, Valdemiro viu a igreja aumentar seus gastos mensais em R$ 30 milhões, prova de que o martelinho e a garrafinha são realmente miraculosos.
O pastor Silas Malafaia, chefe supremo da AVEC, sigla da associação que mantém a Igreja Vitória em Cristo, é a voz mais trovejante desse abusado mercado da fé ancorado nos fundamentos pétreos da Teologia da Prosperidade. Embora tenha os mesmos instrumentos de redenção econômica de Edir Macedo, Malafaia é um inimigo mortal do dono da Universal. Divergiram até na eleição presidencial de 2010: ele primeiro apoiou Marina Silva, depois fulminou sua opção pelo plebiscito no debate sobre o aborto (“cristão não tergiversa nesse tema”), e acabou fazendo campanha por Serra, adversário de Dilma, apoiada justamente pelo rival bispo Macedo. Malafaia é figura fácil no Congresso Nacional, em Brasília, onde veste a armadura de sua santa cruzada contra a proposta de lei que combate a homofobia: “O projeto [que garante a livre orientação sexual] é a primeira porta para a pedofilia”, reza, com a fúria dos justos. Numa entrevista a uma revista religiosa, crucificou como “idiotas” todos os pastores que, ao contrário dele, não apostam suas fichas, martelinhos e garrafinhas na Teologia da Prosperidade.
Ele não poupa a garganta e fala muito: quase todo santo dia, Malafaia se esparrama por cinco horas de programas variados em redes nacionais como CNT, Rede TV, Boas Novas e Bandeirantes e ocupa os sábados de emissoras regionais em outros 15 Estados. Seu programa se espalha pelos Estados Unidos e Canadá e, desde meados de 2010, Malafaia atinge 142 milhões de lares em 127 países da África, Ásia, Oriente e Médio e Europa, com o apoio da americana Inspiration Network, que faz a dublagem para o inglês.
Para tornar mais veraz sua pregação, às vezes importa dos Estados Unidos especialistas nesta riqueza material. No ano passado, junto com o pastor americano Mike Murdock, Malafaia lançou o projeto do “Clube de 1 Milhão de Almas”. Alma, sabem os televangelistas, custa caro. Ele pretendia arrebanhar um milhão de crentes para sua grei e seus programas de TV, mediante a ‘oferta’ (voluntária, claro) de R$ 1 mil — ou seja, um martelinho de madeira, pelo generoso chapéu do bispo Valdemiro. Na conta do lápis, uma bolada plena de R$ 1 bilhão, capaz de pagar mais do que cinco Mega-Senas da Virada, que bateu em R$ 177 milhões no réveillon de 2011. Os ofertantes ganhariam o livro 1001 Chaves da Sabedoria, do pastor Murdock, e um certificado do clube milionário, em todos os sentidos.
Para inspirar o seu rebanho, Malafaia teve a feliz ideia de colocar um contador de acessos na página da igreja para que todos acompanhassem a adesão em catadupa do milhão de almas. Algo deu errado, ou o martelinho não funcionou. Lançado em abril do ano passado, o contador da igreja Vitória em Cristo virou uma estátua de sal, como a mulher de Lot em Gênesis (19,26) e estagnou num número pífio: miseráveis 58.875 almas era a contagem de quinta-feira passada, 5 de janeiro. Um inferno de faturamento que não chegou a R$ 60 milhões, muito distante do paraíso do R$ 1 bilhão arquitetado pelo diabólico Malafaia. Faltam portanto ainda 941.125 almas para Malafaia inaugurar, sob as trombetas de Jericó, o seu clube milionário. Haja martelinho!
O supermercado da fé
O bravo Malafaia não desiste facilmente. Em 2009 ele lançou a campanha de uma Bíblia por módicos R$ 900, pouco menos que um martelinho. Era a tarifa da Bíblia da Batalha Espiritual e Vitória Financeira, sacada genial de outro gênio da prosperidade, o pastor americano Morris Cerullo. Desta vez, a garrafinha deve ter funcionado, pois antes do final do ano ele viajou à Flórida, nos Estados Unidos, e lá viu se materializar, em nome da Vitória em Cristo, um jato executivo Cessna quase novo, modelo Citation Excel, pela bagatela de 12 milhões — de dólares !
Se alguém tiver alguma restrição a Bíblia, martelinho ou garrafinha, nem assim terá qualquer constrangimento para auxiliar o empreendimento celestial de Malafaia. Na sua página na Internet (www.vitoriaemcristo.org), o bom pastor dá a boa notícia de que todos podem participar de sua jornada, tornando-se seu ‘Parceiro Ministerial’, um programa de fidelidade da Igreja que arrecada fundos para manter seus programas de TV. A porta está aberta a “qualquer pessoa que receba de Deus a visão de abençoar vidas, proclamando o Evangelho por meio das mensagens do pastor Malafaia”, explica o dono do site e da igreja. Dependendo do tamanho da carteira, seu título de parceiro também cresce: o ‘Especial’ paga R$ 15 mensais, o ‘Fiel’ doa R$ 30 e o ‘Gideão’ entra na cota de sacrifício do martelinho: R$ 1 mil mensais, com direito a um exemplar por mês da revista Fiel, livros, Bíblias e um cartão para 10% de descontos nos produtos da Editora Central Gospel comprados pelo telemarketing, “desde que não esteja em promoção”.
Virar parceiro do pastor é fácil, pagar é muito mais. A organização abençoada de Malafaia trabalha com o ganhoso instrumental financeiro de uma grande loja de departamentos, como convém a este éden da prosperidade. A igreja Vitória em Cristo opera, sem preconceitos, com cartões Visa, Master, Diners, Amex ou Hipercard e tem contas abertas, sem discriminação, com o Banco do Brasil, HSBC, Bradesco ou Itaú, além de trabalhar com boletos bancários ou cheques nominais. Malafaia aceita boletos antecipados para o ano todo, mas nenhuma contribuição abaixo de R$ 15. Acima, pode.
Abobrinhas e beterraba
Agora, esse mundo dourado de riquezas, promessas, ofertas, obras e fartura vai ganhar outro e inesperado púlpito: um espaço de brilho, luzes e discussões mundanas, terrenas, insinuantes, quase lascivas. Começa na terça-feira (10/1) a 12º edição do ‘Big Brother Brasil’, o reality show da Globo que arrebata o país por 12 semanas no seu jogo canalha de perfídias, traições, intrigas e sensualidade explícitas, onde garotas curvilíneas e garotos musculosos, todos transbordantes de hormônios e carentes de neurônios, desfilam suas abobrinhas em diálogos patetas e reflexões idiotas. O jornalista Eugênio Bucci, professor de Ética Jornalística da ECA-USP e da ESPM, de São Paulo, tatuou o BBB como “o mais deseducativo programa da TV brasileira, onde a fama justifica qualquer humilhação”.
Na TV, onde nada se cria e tudo se copia, a Record também tem sua versão BBB, “A Fazenda”, com mais roupa e a mesma dose intragável de papo imbecil. A personal trainer Joana, a vencedora da versão 4 da Fazenda, que acabou em outubro passado, arrebatou R$ 2 milhões após encontrar uma beterraba premiada, entre outros sofisticados desafios intelectuais.
Apesar dessa crônica indigência, mais de 130 mil jovens brasileiros se inscreveram para o BBB12, ao longo de sete meses, filtrados em seletivas regionais em 10 capitais. É uma febre televisiva que pode parar até a maior cidade brasileira, São Paulo, onde chega a bater em 40% do Ibope, o que significa quase dez milhões de telespectadores, metade da população da Grande SP.
A vencedora do BBB de 2011, a modelo paulista Maria Helena, 27 anos, de São Bernardo do Campo, faturou um cheque de R$ 1,5 milhão ganhando o voto por telefone de 51 milhões de pessoas. Se fosse candidata a presidente em 2010, Maria Helena, capa da edição de junho de 2011 da revista Playboy, teria derrotado José Serra por mais de sete milhões de votos e perderia para Dilma Rousseff por menos de cinco milhões.
Boninho, o diretor do BBB, apimentou a receita em 2012, para horror do pastor Malafaia, infiltrando quatro homossexuais entre os doze sarados concorrentes. “Três dos quatro gays são mulheres”, adiantou o lúbrico Boninho no seu tuíter. Ele não disse, mas o programa de 2012 terá também a atração extra de duas evangélicas, a assistente comercial mineira Kelly, 28 anos, e a zootécnica baiana Jakeline, 22. O empresário Danilo Leal, 45 anos, pai de Jakeline, acha que a filha vai resistir bem ao paredão impiedoso do BBB, apesar de evangélica: “Ela não é recatada. Espero que Jakeline aproveite bem seus 15 minutos de fama e faça o pé de meia”, reza o empresário, dando sua sanção paternal para o que der e vier.
Não se sabe ainda o tamanho do fio-dental que as duas evangélicas vão
exibir na casa mais vigiada do Brasil, nem o salmo que irão recitar
debaixo do edredom, cercadas por tantas câmeras indiscretas. Não deixa
de ser simbólico que, cinco séculos após ser cravado nos portões da
igreja de Wittenberg, o credo rigorosamente puritano e austero fundado
pelo cisma de Lutero infiltre duas crentes assanhadas e iconoclastas no
cenário conspícuo do programa mais ímpio da maior rede brasileira de TV
aberta. A explicação, certamente, não está nas páginas lambidas da
Bíblia dos templos e igrejas desta terra supostamente laica, mas nas
cédulas louvadas do dinheiro ungido pela graça divina e pela licença dos
homens neste país tropical, que Jorge Ben resumiu como “abençoado por
Deus e bonito por natureza”.
A louvação ecumênica ao dinheiro pintado pela hipocrisia de todos os credos esclarece, em parte, a progressiva invasão destes templos cada vez mais eletrônicos, escancarados por vendilhões cada vez mais acessíveis a espertalhões cada vez mais abusados no assalto à boa fé de sempre dos desesperados.
O velho evangelista Kenyon, profeta dessa cínica doutrina da prosperidade, poderia traduzir este Armagedom moral com o mantra invertido da religião de resultado que inventou: o que eu possuo, não confesso.
A louvação ecumênica ao dinheiro pintado pela hipocrisia de todos os credos esclarece, em parte, a progressiva invasão destes templos cada vez mais eletrônicos, escancarados por vendilhões cada vez mais acessíveis a espertalhões cada vez mais abusados no assalto à boa fé de sempre dos desesperados.
O velho evangelista Kenyon, profeta dessa cínica doutrina da prosperidade, poderia traduzir este Armagedom moral com o mantra invertido da religião de resultado que inventou: o que eu possuo, não confesso.

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